14 de fevereiro de 2024

Os Abismos - Pilar Quintana



Literatura Colombiana
Título Original: Los abismos
Tradutora: Elisa Menezes
Editora: Intrínseca
Edição de: 2022
Páginas: 272

Sinopse: Novo livro da autora de A cachorra aborda, pelos olhos de uma criança, a solidão feminina e as imposições sociais na vida de mulheres.

Claudia mora com os pais em Cáli, na Colômbia, em um apartamento tomado por plantas e rodeado por precipícios físicos e metafóricos. O ambiente, exuberante e bem-cuidado, é um contraste, uma oposição à mãe indiferente e apática que está em conflito com os caminhos escolhidos e impostos para a própria vida. Como muitas famílias, a de Claudia passa por uma crise, e basta o casamento de seus pais estremecer para que ela comece a entender a fragilidade dos limites que mantêm a previsibilidade do cotidiano.

A partir da expectativa e de seu olhar agudo e ao mesmo tempo inocente de criança, é a menina que narra os acontecimentos que abriram as fendas por onde entraram seus piores medos, aqueles que são irreversíveis e podem levar à beira dos abismos. Nos últimos anos da infância, Claudia percebe que a vida chega ao fim e que essa ruptura pode ser uma escolha pessoal. É pelos relatos da mãe, obcecada por revistas de celebridades ― em especial pelas figuras femininas com finais trágicos, como Grace Kelly ―, que ela faz a correspondência entre a morte e as escolhas e passa a temer pelas decisões de sua progenitora.

Em meio à beleza e à violência da natureza, confrontando desejos inconfessos, criança e mãe se encontram e, assim, o destino da mais velha parece se debruçar sobre o abismo contra o qual tantas outras mulheres também já se depararam.



"Aos poucos o apartamento foi se enchendo de plantas até se transformar numa selva. Sempre pensei que a selva eram os mortos da minha mãe. Seus mortos renascidos." 

Impacto. Dor. Desespero. Reflexão. Certeza da brevidade da vida e de como escolhas podem nos abrir portas ou nos colocar num precipício, lutando entre a vontade de viver e de simplesmente acabar com tudo. 

Quando iniciei esta leitura não tinha sequer noção do que encontraria. O livro me atraiu pela capa e por seu título que te faz pensar de que tipos de abismos a história tratará... Isto porque o livro estava embalado e eu nunca tinha visto ninguém falar sobre ele. Comprei primeiro para só depois ler a sinopse e entender que ele acabaria por abordar transtornos psicológicos através da visão e narrativa de uma criança. 

"Pensei nas mulheres mortas. Debruçar-se em um precipício era olhar em seus olhos."

A leitura fluiu bem, mas foi bastante difícil justamente pelos temas abordados e por tudo ser mostrado através do olhar de uma menina, que entende o que os adultos se esforçam em negar: sua mãe estava doente, caindo lentamente num abismo do qual ela talvez não conseguisse tirá-la. É doloroso acompanhar o dia a dia dela na casa, rodeada pelas plantas (que são os mortos de sua mãe, como ela diz), tendo que lidar com os altos e baixos de sua genitora enquanto o pai prefere fingir que nada está acontecendo, preso em seu silêncio e em seu trabalho. 

Claudia, que tem o mesmo nome de sua querida mãe, é uma menina solitária e observadora. Tudo o que mais deseja da vida é receber da mãe a atenção que tanto tenta atrair. A atenção que ela dava para as plantas... que dava para suas revistas sobre celebridades e que dedicava aos finais trágicos de outras mulheres. Sua mãe mergulhava naqueles assuntos, como se ansiasse estar no lugar das mulheres cuja vida acabou tão de repente, de um golpe, deixando no ar a suspeita (mas nunca a confirmação) de suicídio. 

Através dos fragmentos que obtém do passado de sua mãe, e da relação existente entre ela e a avó, Claudia, com tão pouca idade, traça um paralelo com sua própria vida e a relação com sua mãe. Os erros cometidos por sua avó e repetidos em sua mãe, que jura que jamais seria como a outra, mas repete os mesmos comportamentos e palavras como se num ciclo inquebrável. 

"Fechei os olhos e surgiu um precipício. Abri e continuei vendo."

A Claudia mãe é uma mulher triste, que não admite para si mesma o quanto a tristeza a está consumindo. As escolhas de seus pais, o quanto não teve coragem para enfrentá-los e realizar seus sonhos. Como deu ouvidos somente para o que esperavam dela e se conformou com um casamento sem amor e em ser mãe quando na verdade não era o que queria. O que sonhava viver. Estar presa naquela vida era sentir-se morta. Amava a filha, mas gostaria de poder voltar no tempo... Teria aceitado o que aceitou? Novamente teria abandonado seus sonhos? Ou teria ido embora sem olhar para trás? Teria cursado a universidade? Teria fugido com o rapaz que amava? Queria apenas poder voltar e descobrir se tudo poderia ter sido diferente. 

Com a indiferença de um marido que só viu nela a sua beleza e a desejou como uma esposa "perfeita", padrão, e as obrigações da maternidade, Claudia encontra refúgio nas tragédias de outras mulheres... até que isso deixa de ser um escape. Então, seu humor começa a subir e descer de forma descontrolada, mas com alegrias bem fugazes e momentos prolongados de depressão, quando viver parece o pior dos castigos. 

A Claudia filha tenta conseguir a ajuda do pai, da tia... mas ninguém acredita que sua mãe está doente. Não era algo que se falasse, era mais confortável negar. E a menina precisa lutar para não permitir que sua mãe vá... que encontre o precipício, ao mesmo tempo que também só quer ser criança, estudar e brincar. Mas o abismo da mãe começa a invadir e destruir sua infância, transformando sonhos em pesadelos, brincadeiras em medos. 

"- Mamãe...
Não se via nada. 
- Mamãe!
[...] Quis me jogar no chão e começar a chorar. Parar de procurá-la. Que ela se jogasse do precipício e não voltasse. Que me deixasse sozinha com meu pai, afogada com ele no seu mar de silêncio."

Este é um livro muito sensível. Realmente impactante. Ainda não li A cachorra, o livro aclamado da escritora. Os Abismos foi meu primeiro contato com sua escrita e foi um início que me marcou e me fez desejar ler todos os seus escritos. Ela escreve com um cuidado, uma delicadeza que transborda pelas páginas. Conseguimos nos colocar no lugar da mãe e da filha e temer pelo final da história. Temer que seja uma luta perdida, até porque nenhuma das duas tem alguém que lhes estenda a mão, que as ajude naquele momento tão frágil.

Durante a leitura eu senti raiva. De todas as personagens que contribuíram para que mãe e filha chegassem àquele ponto. É verdade que a Claudia mãe fez as suas escolhas. Mas seus pais tiveram grande participação nisso. Ela estava sufocada. Eu sentia a agonia daquela mulher. Lendo era como se eu própria me sentisse presa naquela situação, na vida não desejada, condenada a seguir somente pelas obrigações. Ninguém queria que ela fosse ela de verdade. Tinha que ser o que esperavam dela. E ponto final. Como escapar? 

"Então eu o vi em seus olhos. O abismo dentro dela, igual ao das mulheres mortas [...], uma fenda sem fundo que nada pode preencher. 
- Este lugar é perfeito para desaparecer."

Ao mesmo tempo você sabe que existe amor entre mãe e filha. Ambas perdidas naquela situação. Com a filha em muitos momentos tendo que ocupar o lugar de mãe, tendo que cuidar daquela que lhe deu a vida. Quando a menina sentia medo de perdê-la, eu sentia uma dor dentro do meu peito. Sem saber como tudo terminaria, com medo do fim. Com medo de que nada fosse suficiente. 

É um livro que merece cinco estrelas e passagem direta para os favoritos. Me atingiu em cheio. Me fez refletir muito e de certo modo contribuiu para que eu dissesse "não" para certas situações que estava aceitando em minha vida. Viver é um privilégio. Mas a vida... ela é fugaz. Tudo pode acabar de um momento para o outro. E no que dedicamos os nossos dias? Em realizar nossos sonhos ou em ser o que esperam de nós, nos anulando pelos outros?

"Queria guardar aquele cheiro dentro de mim [...] O cheiro da minha mãe, para que eu nunca esquecesse. Acariciei sua testa e depois seus cabelos. Desembaracei os fios com os dedos até deixá-los lisos e brilhantes. Dei um beijo na sua testa e me deitei ao seu lado."


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