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2 de novembro de 2020

E Não Sobrou Nenhum - Agatha Christie



Literatura Inglesa
Título Original: And Then There Were None
Tradutor: Renato Marques de Oliveira
Editora: Globo
Edição de: 2014
Páginas: 400

63ª leitura de 2020 (55ª resenha do ano)

Sinopse: Uma ilha misteriosa, um poema infantil, dez soldadinhos de porcelana e muito suspense são os ingredientes com que Agatha Christie constrói seu romance mais importante. Na ilha do Soldado, antiga propriedade de um milionário norte-americano, dez pessoas sem nenhuma ligação aparente são confrontadas por uma voz misteriosa com fatos marcantes de seus passados.

Convidados pelo misterioso mr. Owen, nenhum dos presentes tem muita certeza de por que estão ali, a despeito de conjecturas pouco convincentes que os leva a crer que passariam um agradável período de descanso em mordomia. Entretanto, já na primeira noite, o mistério e o suspense se abatem sobre eles e, num instante, todos são suspeitos, todos são vítimas e todos são culpados.

É neste clima de tensão e desconforto que as mortes inexplicáveis começam e, sem comunicação com o continente devido a uma forte tempestade, a estadia transforma-se em um pesadelo. Todos se perguntam: quem é o misterioso anfitrião, mr. Owen? Existe mais alguém na ilha? O assassino pode ser um dos convidados? Que mente ardilosa teria preparado um crime tão complexo? E, sobretudo, por quê?

São essas e outras perguntas que o leitor será desafiado a resolver neste fabuloso romance de Agatha Christie, que envolve os espíritos mais perspicazes num complexo emaranhado de situações, lembranças e acusações na busca deste sagaz assassino. Medo, confinamento e angústia: que o leitor descubra por si mesmo porque E não sobrou nenhum foi eleito o melhor romance policial de todos os tempos.




Uau!!! Pensem num livro simplesmente MARAVILHOSO!!! Em relação à leitura, novembro começou muito bem, com uma história cinco estrelas (mas que merecia MUITO MAIS!!!) e favoritada!!! Eu não imaginava! De modo algum poderia imaginar que E Não Sobrou Nenhum se tornaria o meu livro preferido da Agatha Christie. Depois de ter lido alguns livros dela que me decepcionaram, eu desanimei, acreditando que dificilmente uma outra história que eu viesse a ler da autora conseguiria chegar aos pés de Assassinato no Expresso do Oriente ou O Misterioso Caso de Styles. Todavia, este livro sobre o qual agora escrevo conseguiu superá-los e de maneira brilhante! Que livro!!!

Eu ainda estou um pouco em choque.rsrs Não que o final tenha sido uma completa surpresa, mas ainda assim eu não passei perto de saber como o assassino (quando falo "assassino" não significa que não possa ser uma assassina, ok?) fez tudo ou tive certeza absoluta de quem era ele. Cheguei a suspeitar dessa pessoa, mas fui tola em descartá-la. Todavia, me deixa um tanto feliz ter descoberto uma parte importante do jogo doentio que ele planejou. Pelo menos aquilo eu acertei!kkkkkkkkk

Não sei como falar de um livro tão sensacional como este! Não sei mesmo! Fiquei aqui literalmente de boca aberta, chocada em como o psicopata do livro era inteligente, como estava sempre dez passos a frente, como prendeu todos em sua teia. Foi cruel?! Sim! Mas inegavelmente brilhante. Este é um dos livros mais maravilhosos que já li! Eis um fato!rsrs

Tudo começa com um misterioso convite. Dez pessoas, muito diferentes umas das outras e sem nenhuma aparente conexão, são atraídas até uma ilha conhecida como a Ilha do Soldado, um lugar isolado e perfeito para os planos do assassino. A maioria recebeu uma carta suspostamente escrita por pessoas que a conheciam ou oferecendo uma oportunidade de emprego irrecusável. O juiz Wargrave, por exemplo, recebe uma carta de uma amiga do seu passado, alguém que ele não via há muitos anos, o convidando para passar uns dias na ilha. Vera Claythorne queria muito um emprego melhor (algo que o assassino parecia saber) e recebe uma carta de uma suposta senhora Una Nancy Owen lhe oferecendo uma vaga como secretária. O General Macarthur recebe uma carta de alguém que desejava recordar os velhos tempos; o remetente assinava como Owen. Um casal recebe o convite para trabalhar na ilha, o marido como mordomo e a esposa como cozinheira. E assim prossegue... Cada uma das dez pessoas é atraída de uma maneira diferente, e o remetente nem sempre assinava ou se "apresentava" (através de terceiros) com o mesmo nome. 

Quando todos chegam à ilha ficam um tanto perturbados pela maneira como ela fica no meio do nada, bem afastada do resto da população, sendo impossível sair dali sem um barco... só que não havia nenhum barco ali. Apenas um morador do povoado mais próximo ia até a ilha e levava mantimentos e tudo o que fosse necessário, tendo sido contratado para isso. Foi ele quem transportou todos os hóspedes do suposto senhor Owen. E deveria aparecer toda manhã... o que não acontece

Os hóspedes ficam intrigados ao descobrirem que nenhum dos dez convidados tinha visto o senhor Owen pessoalmente e que alguns nem sequer tinham recebido um convite dele, mas de alguém que assinou com outro nome. Tudo fica mais misterioso quando são comunicados do "atraso" de seu anfitrião, que por um imprevisto ainda não tinha chegado na ilha. 

Logo na primeira noite, após o jantar, uma Voz acusa todos os presentes de crimes do passado. Uma Voz que parecia saber tudo sobre suas vidas... De onde ela estava vindo?! Que absurdo era aquilo?! Uma brincadeira de mau gosto? Sim... Uma brincadeira letal... Um dos dez morre bem diante dos olhos dos outros. Na mesma noite. Imediatamente depois do choque provocado pela voz misteriosa. Teria a pessoa, por algum motivo desconhecido, envenenado a si mesma?! Mas quando um segundo cadáver é encontrado na manhã seguinte, os oito sobreviventes percebem que aquele era um jogo planejado por alguém louco e cruel e que tentar sobreviver era tudo o que poderiam fazer. 

Não havia maneira de escapar da ilha. Quando uma tempestade se aproxima, até mesmo enviar sinais buscando atrair o socorro de alguém se torna impossível. O tempo estava contra eles. A qualquer momento outra morte poderia acontecer. Quem seria o próximo?! Sobraria alguém?! 

Determinados a sobreviverem, eles decidem encontrar o assassino antes que fosse tarde demais. Mas depois de revirarem a ilha inteira (que não era grande e tinha apenas a casa e um pouco de natureza em volta) percebem algo extremamente assustador: não havia ninguém na ilha além dos oito ainda vivos e os dois corpos. O que significava... que o assassino era um dos oito. 

Quem seria?! Quais eram os seus motivos? Desesperados, com medo uns dos outros, os convidados terão que encarar os pecados do seu passado e tentar não pagarem com a própria vida por erros que jamais poderiam consertar. 

Está aí a primeira questão: algo que descobrimos logo no início da história é que ninguém ali era inocente. Todos tinham feito alguma coisa bem grave no passado e tinham escapado impunes. Ou a lei tinha falhado em puni-los ou eram situações que iam além da lei. Mas simplesmente não havia nenhum anjinho entre os convidados, ninguém isento de culpa. Logo, é possível perceber que o assassino (ou assassina) queria se fazer de Deus (é o segundo livro que leio recentemente e que tem alguém brincando de Deus: o outro foi Frankenstein) e sentenciar todos os seus hóspedes à morte. Na verdade, no momento em que foram atraídos até ali eles já estavam sentenciados. Na ilha ocorreria a execução da pena. Sim, todos tinham sido convidados para morrer (por isso que parece que em outros países o livro foi lançado até com o título de Convite para a Morte) e para sobreviver será necessário ser muito mais esperto do que o psicopata. 

Na história existem os suspeitos mais óbvios e aqueles que consideramos capazes de cometer tais crimes, mas não imaginamos como eles poderiam fazer. Ao longo da história vamos descartando muitos deles, até que percebemos uma coisinha que eu tinha deixado passar durante parte da leitura. E que não posso comentar para não correr o risco de dar spoilers. Mas foi ali que acabei descobrindo um dos segredos do final e fiquei muito feliz por isso.kkkkkkk. Já que não acertei quem era o assassino (ou assassina) era um conforto pelo menos ter adivinhado parte do jogo dele, de suas estratégias.rs

A Agatha Christie brinca com a gente como o assassino brinca com suas vítimas. Quando temos certeza de algo percebemos que não temos certeza é de coisa alguma!kkkkkk Vocês sabem como sou exigente com romances policiais e livros de suspense. Que minhas duas leituras recentes do gênero (leituras de outubro) foram completas decepções, histórias que considerei muito fracas e óbvias demais. E existiram livros da própria autora que apenas me entediaram. Então, dá para imaginar minha felicidade ao ler esta obra-prima!!! Um livro tão bem escrito, com uma trama complexa e perfeitamente desenvolvida, com um final capaz de nos deixar chocados. Se fosse possível eu dava muitíssimas mais estrelas à história. O triste é que dificilmente lerei outro livro da autora ou de outros autores do gênero que consiga superar E Não Sobrou Nenhum

Ah! Eu já estava esquecendo! Sabem aquelas cantigas infantis, que passam de geração em geração?! O assassino, que ama jogar com o psicológico de suas vítimas, vai utilizar uma cantiga infantil para dar pistas aos seus convidados de como ocorrerá cada morte. Assustador, não é mesmo? Eu fiquei horrorizada! Toda vez que lia a cantiga (pois precisava voltar sempre nela para tentar adivnhar como seria a próxima morte), eu sentia medo. Nunca antes a tinha escutado, não a conhecia, mas depois deste livro será impossível esquecê-la. Segue um trechinho dela:

"Dez soldadinhos saem para jantar, a fome os move;
Um deles se engasgou, e então sobraram nove.

Nove soldadinhos acordados até tarde, mas nenhum está afoito;
Um deles dormiu demais, e então sobraram oito."

E a cantiga vai até o final que dá título ao livro: E não sobrou nenhum. A cantiga termina com essa frase. E isso nos faz pensar no massacre que vai ser se os oito sobreviventes não conseguirem parar o assassino a tempo (pois conforme o título, a intenção do assassino é que não sobre ninguém). Uma vez que ele já tem preparada para cada um, uma morte "especial", sempre seguindo o passo a passo da cantiga infantil. 

Nem preciso dizer o quanto recomendo esta história, certo? Se você nunca leu nada da Agatha Christie, comece por este livro!!! Eu queria poder voltar no tempo e lê-lo todo outra vez! Comecei a leiura ontem à noite e terminei hoje de manhã, ou seja, levei menos de vinte e quatro horas para concluir a leitura, algo que dificilmente estava ocorrendo até com livros curtinhos. É que eu simplesmente não conseguia parar de ler esta história!

Era para eu estar publicando a resenha de Frankenstein, que foi minha última leitura do mês de outubro, mas ainda nem a escrevi.rs Quando comecei a ler E Não Sobrou Nenhum imaginei que levaria alguns dias para concluir a leitura e nesse meio tempo escreveria a resenha de Frankenstein, mas como terminei o livro rapidamente e precisava muito falar sobre ele, a resenha do outro livro acabou tendo que esperar.rs

Não deixem de ler este livro, queridos!!! Recomendo demais!




-> DLL 20: Um livro policial



 

10 de junho de 2020

Fahrenheit 451 - Ray Bradbury

Literatura norte-americana
Título Original: Fahrenheit 451
Tradutor: Cid Knipel
Editora: Biblioteca Azul (Editora Globo)
Edição de: 2012
Páginas: 216

29ª leitura de 2020

Sinopse: Ray Bradbury (1920-2012) renovou a literatura quando, em plena Guerra Fria, escreveu Fahrenheit 451, um marco da ficção científica. Se fosse realmente ficção científica. Fahrenheit 451 é, na verdade, uma obra política, uma distopia - ou antiutopia. "Ficção científica é uma ótima maneira de fingir que você está falando do futuro quando, na realidade, está atacando o passado recente e o presente", afirmou o escritor. Fahrenheit 451 foi considerado um grande crítica aos regimes políticos opressores do século XX e previu transformações sociais simbolizadas atualmente pela influência da TV. Publicado originalmente em 1953, é uma obra atemporal, redescoberta a cada nova geração. 


Sabe quando você ama tanto um livro, mas tanto mesmo, que não consegue falar sobre ele?! Estou assim desde que concluí a leitura de Fahrenheit 451. Eu tinha muitas expectativas, mas o livro conseguiu superar todas elas! Desde então estou "travada", sem conseguir explicar nem mesmo para mim a forma como a história me marcou. Eu sei o que sinto, mas não consigo me expressar. Só sei que amo, amo, AMO e amo!

"[...] o que aconteceria se os livros fossem incinerados, varridos da face da Terra até o ponto em que o único vestígio de milênios de tradição humanista estivesse alojada na memória de alguns poucos sobreviventes? Qual seria o próximo passo da barbárie? Queimar os próprios homens, para apagar de vez a memória dos livros? [Trecho do Prefácio]"

Imagine o quanto é desesperador para nós leitores, amantes incondicionais dos livros, lermos uma história que fala sobre a queima dos livros. Não simplesmente da censura, mas da completa destruição do conhecimento, do senso crítico, de milhares e milhares de anos de História. Em Fahrenheit 451, os livros se tornam proibidos. Ninguém pode tê-los, ninguém pode lê-los. Quem ousasse ir contra a maioria esmagadora da população e contra o Estado, correria três riscos: ir para um hospício, ser preso ou... assassinado (com uma injeção letal ou queimado junto com os livros).

Nesta história, a maioria das pessoas vive feliz... ou tomada pela ilusão de felicidade. As pessoas têm tudo o que desejam e todo o entretenimento necessário para nem sequer saber o que é tristeza. Os televisores estão em cada uma das paredes de suas salas, interagindo com os moradores; os carros só podem ser dirigidos em altíssima velocidade (para que ninguém tenha o desprazer de PENSAR enquanto dirige) e quem se atreve a descumprir essa regra pode ser seriamente punido. As famílias não conversam, não alimentam mais quaisquer afetos uns pelos outros e isso as deixa felizes. Mal se dão conta da presença daqueles que deveriam amar, passam todo o tempo absorvidas, alienadas pela mídia, pelos programas feitos especialmente para manipulá-las a não pensar. Recebem as informações "maquiadas" pelo Estado e nem sequer passa por suas cabeças duvidar daquilo que lhes é mostrado. Todos os cidadãos perderam por completo a capacidade de agirem por si mesmos. São aquilo que o Estado deseja. E acreditam numa felicidade inexistente.

9 de setembro de 2019

Negrinha - Monteiro Lobato


Literatura Brasileira
Editora: Globo, selo Biblioteca Azul
Edição de: 2009
Páginas: 212
Coletânea de contos
Onde comprar: Amazon


Sinopse: Negrinha é um livro de contos realistas lançado em 1920, com personagens que representam a população brasileira das décadas iniciais do século XX. Nele Lobato revela uma terra onde o poder é exercido arbitrariamente pelos coronéis e expõe a mentalidade escravocrata que persiste décadas depois da Abolição. Estão retratados em suas páginas tipos tão diversos quanto um fazendeiro falido, o jardineiro que faz poesia das flores, a viúva cruel, uma criança negra maltratada e o gramático ranzinza.




Quem estiver acompanhando meus posts mensais sobre os contos que estou lendo desde o início do ano, vai perceber que esta resenha na verdade é apenas uma junção de todos os comentários que já fiz sobre cada conto presente na coletânea Negrinha, do Monteiro Lobato. Ao todo são 17 contos presentes neste livro. Três deles eu li em 2017 e fiz resenhas individuais, portanto deixarei o link de cada uma delas neste post. Os outros quatorze contos eu li agora em 2019 e reunirei aqui todos os comentários que fiz mensalmente. :)

Link das resenhas dos três primeiros contos, lidos em 2017:

Negrinha (conto extremamente forte)

Todos os meus comentários sobre os demais contos: 

Ao ler Bugio Moqueado fiquei com os braços arrepiados de verdadeiro pavor. E o pior foi que li à noite, o que é quase certo resultar em pesadelo.

Não vou entregar nenhum segredo da história. Só digo que o personagem é um "ouvinte". Ele está participando de um jogo, então acaba por se distrair ouvindo uma conversa entre uns senhores que estavam próximos dele. Curioso para saber como a história da qual o homem estava recordando terminaria, ele se deixou levar e mal prestava atenção no jogo. Envolvido, nem percebeu o rumo que a história tomava e foi pego de surpresa como aconteceu comigo, quando o final chegou e foi digno de um filme de terror.

19 de fevereiro de 2019

O Amor nos Tempos do Ouro - Marina Carvalho

(Editora: Globo Alt
Edição de: 2016)

O Amor nos Tempos do Ouro - Livro 1


Sabes que nunca me apaixonei, maman, mas se porventura o tivesse feito, seria por alguém como ele?

Cécile Lavigne perdeu todos os que amava e agora está sozinha no mundo. Ela, uma franco-portuguesa que ainda não completou vinte anos, está sendo trazida ao Brasil pelo único parente que lhe restou, o ambicioso tio Euzébio, para casar-se com o mais poderoso dono de terras de Minas Gerais, homem por quem Cécile sente profundo desprezo.

Após desembarcar no Rio de Janeiro, Cécile ainda precisará fazer mais uma difícil viagem. O trajeto até Minas Gerais lhe reserva provações e surpresas que ela jamais imaginaria. O explorador Fernão, contratado por seu futuro marido para guiá-la na jornada, despertará nela sentimentos contraditórios de repulsa e de desejo. 

Antes de enfim consolidar o temido casamento, Cécile descobrirá todos os encantos e perigos que existem nessa nova terra, assim como os que habitam o coração de todos nós. Com o passar dos dias, crescerá dentro dela a coragem para confrontar todas as imposições da sociedade e também o seu próprio destino. 



Palavras de uma leitora...


- Assim que ouvi falar deste livro pela primeira vez, que realmente parei para ler a resenha de uma blogueira sobre ele, desejei tê-lo em minhas mãos para iniciar o mais rápido possível a leitura. E olha que a resenha nem tinha sido tão positiva!rsrs Mas eu o quis. Desesperadamente

E numa maré de sorte acabei por não necessitar esperar muitos meses. A Nobel fez uma promoção relâmpago e entre os livros com um desconto incrível estava O Amor nos Tempos do Ouro. Paguei menos da metade do preço de capa e feliz é um eufemismo para expressar como eu me senti.rsrs 

6 de novembro de 2017

As Fitas da Vida e O Drama da Geada - Monteiro Lobato (contos)


Negrinha é um livro de contos realistas lançado em 1920, com personagens que representam a população brasileira das décadas iniciais do século XX. Nele Lobato revela uma terra onde o poder é exercido arbitrariamente pelos coronéis e expõe a mentalidade escravocrata que persiste décadas depois da Abolição. Estão retratados em suas páginas tipos tão diversos quanto um fazendeiro falido, o jardineiro que faz poesia das flores, a viúva cruel, uma criança negra maltratada e o gramático ranzinza.



Palavras de uma leitora...



- Depois de ter lido o conto que abre e dá título a este livro, pensei que passaria muito tempo antes que eu criasse coragem de ler outra história do Monteiro Lobato. Todavia, hoje resolvi arriscar... Cheia de medo, mas arrisquei!rs

Em As Fitas da Vida conhecemos a comovente história de um senhor idoso, que foi soldado e combateu na Guerra do Paraguai, mas que depois acabou sozinho, esquecido por todos, condenado por uma doença que lhe roubou a visão. Ele se sentia inútil e desamparado, encontrando nas recordações de um tempo distante um frágil consolo. 

Mas sua vida sofre uma reviravolta quando acaba embarcando com um destino diferente do que imaginava: deveria estar a caminho do Asilo dos Inválidos da Pátria, mas, por um equívoco, o colocaram junto com os homens que estavam indo para  a Hospedaria dos Imigrantes e dali para as lavouras de café, onde trabalhariam. Ninguém se importava muito em despachá-lo para o lugar correto. Era só um caco de gente, alguém imprestável com quem ninguém perderia tempo. 

"Não tinha olhos para guiar-se, nem teve olhos alheios que o guiassem. Triste destino o dos cacos de gente..."

Um funcionário daquela Hospedaria, porém para e pergunta ao idoso o que ele fazia ali e é quando o homem conta a sua história. Comovido com o que se passava com aquele senhor, o funcionário leva sua história até o diretor do local e é aí que as coisas tomam um rumo inesperado... 

- A história é simples, mas nos emociona, nos faz pensar em tantas coisas... Eu fico pensando no quanto existem pessoas por aí que acreditam que nunca irão envelhecer. Que serão sempre fortes e "úteis", autossuficientes, sem precisar de ninguém. Não têm paciência com seus pais ou avós, maltratam idosos. Esquecem que a vida dá voltas e um dia podemos parar num mesmo lugar. 

Achei muito linda a maneira como o conto terminou. O senhor tinha tanta fé numa pessoa de seu passado. Tanta certeza que sua vida seria diferente se reencontrasse aquele alguém... Foi impossível não sorrir ao perceber que ele tinha motivos para acreditar. 


O Drama da Geada, por sua vez, nos traz uma história muito mais triste e com um final que nos parte o coração. 

Um fazendeiro, profundamente dedicado à sua terra e ao trabalho, ergueu com seu esforço e suor a fazenda que possuía. Participou ativamente de cada construção desde as pequenas até as maiores e sua plantação de café era todo o seu orgulho. Era o resultado do seu trabalho, sua obra-prima. Mas aquele mês era o que lhe dava pesadelos. Mês de geadas... um mês que poderia passar sem grandes turbulências ou... destruir toda a sua vida. Estava nas mãos do destino.

Embora tivesse uma fazenda que dava lucros, o fazendeiro contraíra dívidas e hipoteca. Sua salvação, a chance de livrar-se dos credores e continuar tocando sua vida em paz, estava naquela plantação de café... que poderia morrer com uma forte geada. O tempo não estava bom. E quanto pior ficava maior era o desespero daquele trabalhador. 

"Virá? Não virá? Deus sabe!...
  Seu olhar mergulhou pela janela, numa sondagem profunda ao céu límpido.
- Hoje, por exemplo, está com jeito. Este frio fino, este ar parado..."

- Eu nada entendo de agricultura, lavouras, fazenda... É grego pra mim. Não faço a menor ideia de como funcionam. Eu compro o café no mercado, já embalado, pronto para consumo. Bem como tomate, cenoura, batatas e tudo o mais... Eles já nos chegam preparados e sei que mesmo os produtos "vegetais" necessitam de uma preparação, de pessoas que trabalham a terra, que lidam dia a dia com o cultivo da terra mesmo que hoje em dia talvez tenham auxílio de máquinas. Como disse, não faço a menor ideia de como é a plantação de coisa alguma. Sou leiga no que se refere a isso. No entanto, entendo de sonhos. Entendo de esforços e perdas. 

Imagine o que é dar todo o seu tempo, sua vida a uma coisa... Dedicando-se de corpo e alma a isso e e de repente ver todos os seus sonhos, tudo o que você construiu, ameaçado, correndo sérios riscos de ser destruído. Só que mais do que perder aquela plantação, o fazendeiro que lutou tanto para levar uma vida digna e tranquila ao lado de sua família, corria o risco de perder até o teto que tinha. Era como se todos os seus esforços tivessem sido em vão. Como se nada tivesse valido a pena. E é muito triste. Sobretudo porque o conto tem um final que nos deixa em choque. É o que eu chamaria de injustiça. E a vida, definitivamente, não é justa. 

- Monteiro Lobato, pelo que pude perceber dos três contos que li, segue uma linha mais "crua", real em seus contos. Ele mostra situações passíveis de acontecer. E que aconteceram. Em algum lugar deste país mesmo... com alguém, em outra época, em outro momento... Seus contos são humanos, mostrando trechos da vida de seus personagens... Cenas que podem parecer banais, mas que possuem uma força e nos causam impacto. Que mexem com a gente. 

Estou amando conhecer suas obras, mas não são leituras fáceis. Pelo menos, não para mim. 

20 de outubro de 2017

Negrinha - Monteiro Lobato (conto)


Negrinha é um livro de contos realistas lançado em 1920, com personagens que representam a população brasileira das décadas iniciais do século XX. Nele Lobato revela uma terra onde o poder é exercido arbitrariamente pelos coronéis e expõe a mentalidade escravocrata que persiste décadas depois da Abolição. Estão retratados em suas páginas tipos tão diversos quanto um fazendeiro falido, o jardineiro que faz poesia das flores, a viúva cruel, uma criança negra maltratada e o gramático ranzinza.



Palavras de uma leitora...



- Se você ainda não leu este conto e não é fã de spoiler, pule esta resenha! Porque, com toda certeza do mundo, terá spoiler. Impossível falar deste conto sem explodir. 

Há algum tempo já, eu desejava ler uma história do Monteiro Lobato. Cresci assistindo O Sítio do Picapau Amarelo. Me encantava a turminha formada pela Narizinho, o Pedrinho e a traquinas Boneca Emília. Tia Nastácia, Saci Pererê, A Cuca, o Pesadelo... todos eles ficaram em minha memória. Sinto saudades. E ainda hoje paro para rever alguns episódios quando ligo a TV e passo por algum canal que exibe reprises. Que época boa aquela em que eu me perdia na inocência de acompanhar as aventuras e desventuras dos personagens! Ah, se pudesse voltar! Suspiros...

Quando vi a resenha da Isa no canal Ler Antes de Morrer sobre o conto Negrinha, o nome do autor me chamou a atenção. Não tencionava começar minha leitura do Monteiro por este livro de contos, afinal de contas, seu conteúdo é adulto e polêmico. Nada parecido com O Sítio do Picapau Amarelo. Porém, uma feira de livros ficou durante o mês de setembro na cidade em que estudo. E foi quase por acaso que esbarrei neste livro. 

Não tinha a menor intenção de comprá-lo. Estava atrasada para a minha aula e já tinha comprado o livro que queria. Mas o livro Negrinha estava tão lindo, embalado, novinho, novinho que não pude resistir.rs Sobretudo quando vi que era do selo Biblioteca Azul, da editora Globo. Desde que adquiri minha edição de As Relações Perigosas que tenho toda uma queda por esta editora. A editora capricha muito nos livros. São deliciosos ao toque, com capas bem feitas, páginas suaves e que não cansam os olhos. Enfim... Amo! Não pude desperdiçar a minha oportunidade de trazer o livro para casa. 

- Só que a resenha da Isa não me preparou para o que senti ao ler este conto. Sério, gente! Eu tremia durante a leitura. O livro não parava de balançar em minhas mãos. E quando finalmente terminei de ler a história desta menininha de sete anos, um nó insuportável sufocou minha garganta. Pode ser um conto apenas. Ficção. Mas não dá para evitar a certeza de que ele retrata a situação de diversas crianças que sofreram durante a escravidão, o período que imediatamente se seguiu após a Abolição da Escravatura e que até mesmo nos dias atuais seguem sofrendo diversos tipos de tortura. E isso é terrível. É insuportável ler uma história tão visceral, tão crua e realista. Não me fez nenhum bem. 

"No entanto, aquele choro nunca vinha sem razão. Fome quase sempre, ou frio, desses que entanguem pés e mãos e fazem-nos doer..."

- Este trecho dói em você? Pois em mim, sim. O conto já começa nos provocando choque e angústia. Negrinha (não sei o verdadeiro nome da menina, se era este ou não) era uma criança de sete anos, que teve a má sorte de nascer numa época em que pessoas eram escravas das outras pelo simples fato de terem a pele escura. Porque o ser humano era um bicho pior do que é hoje em dia e se divertia fazendo de outros seres humanos seus escravos. Ela nasceu pouco antes do fim da escravatura, mas ficou órfã aos quatro anos de idade e isso a deixou aos "cuidados" da "boa e caridosa" Dona Inácia, a mulher que era dona de sua mãe e que por ter um "coração tão bondoso" decidiu criar a pobre criança órfã. 

Excelente mulher, sem sombra de dúvidas! Tão boa que me pergunto se não era parente do próprio diabo. A víbora, desgraçada, filha de chocadeira e tão maldita quanto todas as pragas que existem (respira fundo, Luna!), achava uma afronta o fim da escravidão. Para ela aquilo era uma besteira, um absurdo e se ressentia por não poder mais ter escravos e livrar-se do tédio às custas deles. Como lhe dava saudades da época em que podia torturar livremente seus escravos, dar as surras que lhe aliviavam a alma... Em síntese: fazer com eles o que bem entendesse, o que sentisse vontade de fazer no momento. E é óbvio que não foi por bondade alguma que ela decidiu ficar com a menina. 

"O corpo de Negrinha era tatuado de sinais, cicatrizes, vergões. Batiam neles os da casa todos os dias, houvesse ou não houvesse motivo."

- A principal diversão da filha da p. que se considerava uma pessoa virtuosa e caridosa, era torturar a criança. Ela não precisava de nenhum motivo, inventava o que queria. Sentia verdadeiro prazer em machucar a menina, deixar marcas em seu corpo, impedi-la de sorrir e ser criança, de brincar, de sonhar. Sufocava sua alma. E quando a repetição dos mesmos castigos lhe cansava, inventava coisas piores, como a cena na qual ela colocou um ovo na água fervente e quando ele ficou bem quente, colocou na boca da menina e depois tampou, para impedi-la de cuspir, para que ela sentisse por completo toda a dor que aquela crueldade lhe provocaria. E durante todo o tempo em que a criança sofria, ela sentia prazer! Não nego que senti vontade de matar essa desgraçada! Maldita, mil vezes maldita! 

"O 13 de Maio tirou-lhe das mãos o azorrague, mas não lhe tirou da alma a gana. Conservava Negrinha em casa como remédio para os frenesis."

- É horrível demais tudo o que essa criança passa, gente. Não dá para aguentar algo assim. Senti meu coração se partir por ela e uma fúria enorme esquentar meu sangue. Uma criança! Apenas uma criança que nunca soube o que era ser amada, protegida. Que necessitava de carinho, proteção, de sonhos, de infância. Mas que teve tudo roubado e destruído por causa da maldade de outro ser humano. Não me venham dizer que aquela mulher "era uma pessoa de sua época", com uma mentalidade "de sua época". Isso é uma desculpa esfarrapada e estúpida para a crueldade. Eu não aceito isso. Desde o início dos tempos sempre existiu a maldade. Bem como a bondade. As pessoas simplesmente se aproveitavam e seguem se aproveitando de costumes desumanos para deixarem fluir o que de pior tem nelas. Optam pela maldade e inventam desculpas para se justificarem. A víbora que torturou a menina neste conto merecia era queimar no inferno. Mas antes comer o pão que o diabo amassou e ter a morte mais lenta e dolorosa possível. Ninguém pode fazer algo assim com uma criança e depois não pagar de algum modo. Eu acredito que a Vida tem sua própria justiça. E que esse tipo de lixo paga, ainda que não vejamos, que jamais saibamos, esse tipo de gente cruel tem de volta o mal que causou. 

"Negrinha olhou para os lados, ressabiada, com o coração aos pinotes. Que aventura, santo Deus! Seria possível? Depois pegou a boneca. E, muito sem jeito, como quem pega o Senhor Menino, sorria para ela e para as meninas, com assustados relanços de olhos para a porta."

- Transcrevendo este trecho, não consegui evitar sentir de novo a dor que me invadiu quando o li pela primeira vez. A alegria inocente da menina que nunca antes tinha visto uma boneca. Que nunca pôde brincar, que jamais teve um brinquedo sequer. E ao ver aquelas crianças felizes, mimadas e protegidas como ela também tinha o direito de ser, ela ficou completamente encantada e confusa também. Não entendia por que as outras crianças podiam correr e brincar e ela não. E quando viu a boneca... Foi um sonho. Pegou a boneca nos braços com suavidade, querendo que aquele momento durasse para sempre. E ali também começou sua morte. 

- As meninas que emprestaram a boneca para ela eram sobrinhas da miserável que a torturava. Durante aquelas férias, elas ficaram hospedadas na casa e através delas Negrinha conheceu uma realidade bem diferente da sua e entendeu que existia uma vida distinta. Que as coisas não eram assim em todos os lugares. Com isso, seus olhos se abriram e parte de sua inocência ficou para trás. Compreendeu a maldade. E isso... isso a matou. A depressão que se seguiu quando as meninas foram embora, levando a boneca e a vida que ela também gostaria de ter, a matou. Pouco tempo depois, ela faleceu. Sem que ninguém chorasse por ela. Sem que ninguém se recordasse dela com amor e tristeza.

- Pelo que lembro do que a Isa disse na resenha dela sobre o conto, o Monteiro Lobato é visto por muitos como um autor racista. Não conheço a história dele. Tudo o que eu sabia sobre o autor era que ele era o criador do Sítio do Picapau Amarelo. Não pesquisei sobre a vida dele depois de assistir a resenha. Não pesquisei antes de ler o conto e nem depois. Tenha ele sido racista ou não, impossível negar que o conto Negrinha é uma crítica crua e direta ao racismo. Fica difícil acreditar que um autor racista escreveria uma história tão real e que mostrasse um desprezo tão grande pela sociedade hipócrita e racista da época. Monteiro descreve com extrema ironia a vilã da história, a grande dama, a "virtuosa cristã" que torturava uma menina só por causa da cor da pele da criança. Só um cego não enxergaria que todo suposto elogio que ele faz à desgraçada da Dona Inácia, na verdade é uma ofensa. Todos os elogios ao monstro em forma de gente na verdade eram puro desprezo, repulsa. A triste e nojenta ironia que existia no fato de uma cristã, uma pessoa que se considerava temente a Deus, tratar de maneira tão desumana uma criança. Ele ataca a "bondosa" senhora e não a menina. A mostra como o monstro que ela era. Assim como nos mostra que a criança era uma vítima, alguém que teve a vida destruída porque quem tinha o poder quis. 

- Ainda não li os demais contos deste livro. Não faço ideia de quando os lerei. Se os demais contos seguirem o exemplo deste, terei que me preparar muito antes de lê-los. Porque um conto como Negrinha é muito forte. 
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