Editora: Rocco
Edição de: 1998
Páginas: 160
Coletânea de contos
Sinopse: Publicado pela primeira vez em 1971, Felicidade clandestina reúne 25 contos que falam de infância, adolescência e família, mas relatam, acima de tudo, as angústias da alma. Como é comum na obra de Clarice Lispector, a descrição dos ambientes e das personagens perde importância para a revelação de sentimentos mais profundos. "Felicidade clandestina" é o nome do primeiro conto. Como em muitos outros, é narrado na primeira pessoa, e mostra que o prazer da leitura é solitário e, quando difícil de ser conquistado, torna-se ainda maior. A história, como outras do livro, acontece no Recife, onde a autora passou sua infância.
Temas caros ao universo clariceano estão presentes neste livro: a relação mágica com os animais, a descoberta do outro, as inúmeras possibilidades de se escrever uma história, a presença do inesperado no cotidiano previsível. Nos textos de cunho autobiográfico é possível flagrar, por exemplo, momentos da infância marcados pelos sentimentos mais diversos; da euforia das descobertas ao choque das frustrações, como em "Restos do carnaval" ou em "Cem anos de perdão".
Entre os 25 contos de Felicidade clandestina, há textos originalmente publicados em jornal e outros que faziam parte dos livros A legião estrangeira, Para não esquecer e A descoberta do mundo. A maioria trata de recordações familiares e de infância, mas todos testemunham os mais profundos segredos da alma humana.
Eu comecei a ler este livro em maio deste ano, depois de assistir a Isabella Lubrano, do canal Ler Antes de Morrer, falando do conto "O Grande Passeio". No mesmo dia adquiri o e-book na Amazon e iniciei a leitura. O que foi uma experiência maravilhosa! Mas após ler os sete primeiros contos, acabei tendo que priorizar a conclusão de outras coletâneas e deixei o livro um pouco de lado. :( Todavia, agora em novembro resolvi finalizar a leitura e trazer a resenha de cada um dos 25 contos presentes no livro, tudo reunido num único post.
Antes de tudo, colocarei aqui os comentários que fiz sobre os sete primeiros contos:
"Era uma velha sequinha que, doce e obstinada, não parecia compreender que estava só no mundo."
O conto O Grande Passeio é para ser lido com um lenço ao lado, pois vai atingir um ponto sensível em seu interior. :( Ele traz a história de uma senhora idosa que sofre de demência, possivelmente Alzheimer, embora o texto não deixe claro. Ela é uma senhora adorável, muito doce e simpática, mas que sofreu severas perdas na vida, não tendo mais sua família ao lado. Seus filhos morreram de maneira muito triste e seu marido também se foi. Só restou ela. Sem ter quem se importasse. Precisando contar apenas com a "caridade" das pessoas que, no início, até sentiam pena, mas depois enxergavam nela um fardo, algo que não queriam mais em suas casas. Assim, ela acabava não parando por muito tempo numa casa e logo era enviada para a próxima pessoa "caridosa", que não demoraria a se cansar de sua presença, por mais boazinha e quase invisível que ela fosse.
"Tivera pai, mãe, marido, dois filhos. Todos aos poucos tinham morrido. Só ela restara com os olhos sujos e expectantes quase cobertos por um tênue veludo branco."
É muito duro acompanhar o quanto essa senhora sofre com o descaso, a negligência das pessoas. Entendo que ela não era da família delas, mas era um ser humano e a tratavam quase como um objeto qualquer. Isso dói dentro da gente, pois além de sentirmos pela personagem, sentimos por nós mesmos. Porque é fácil nos colocarmos no lugar de Mocinha (como ela preferia ser chamada, mas seu nome era Margarida) e imaginarmos nossa velhice. E se estivermos sozinhos? E se não tivermos forças para cuidar de nós mesmos, se dependermos da caridade dos outros? Só nos imaginarmos na situação de Mocinha já é duro, doloroso! :( E a forma como o conto termina destroça nosso coração.
Este conto acaba por nos fazer pensar também nos tantos idosos que estão abandonados por aí, rejeitados por suas próprias famílias, tratados com desprezo pela sociedade... Quando estagiei por um tempo num determinado hospital eu vi idosos que não recebiam sequer uma visita, embora tivessem família. Isso partia meu coração. Porque eles ficavam olhando para o nada, sabendo que naquele horário outras pessoas internadas estariam recebendo seus familiares. Este foi apenas um dos motivos para eu ter ficado longe da Enfermagem por tantos anos... não tinha coração para suportar tanta dor. Era comum eu chegar em casa chorando quase todos os dias. Admiro muito as pessoas que trabalham cuidando daqueles que se encontram em situação de vulnerabilidade, porque é preciso muita força para suportar, para não desmoronar e perder por completo a fé no ser humano.