Título Original: Notre-Dame de Paris
Tradutor: Jorge Bastos
Editora: Zahar
Edição de: 2015
Páginas: 624
Sinopse: Na Paris do século XV, a cigana Esmeralda dança em frente à catedral de Notre Dame. Diante da beleza da jovem, curvam-se o poeta Pierre Gringoire, o arquidiácono Claude Frollo, o disforme sineiro Quasímodo e o capitão Phoebus de Chânteaupers. Neste grande clássico do romantismo francês, Victor Hugo vai muito além de um amor impossível, não correspondido e trágico, O corcunda de Notre Dame retrata uma Paris ainda gótica que testemunha o fim de uma época e o início de outra.
Estou aqui sentada na frente do computador sem saber por onde começar a falar deste livro. Minhas emoções ainda estão bagunçadas. Estou perdida entre o ódio, a revolta, a dor, o amor pelos personagens e uma horrível sensação de injustiça. Não imaginava que o livro fosse mexer tanto comigo.
"Desde os seus primeiros passos entre as pessoas, ele se viu e se sentiu conspurcado, machucado, rejeitado. A palavra humana, para Quasímodo, sempre fora de deboche ou de maldição. À medida que crescia, ele encontrava apenas ódio à sua volta."
Não tenho dúvidas de que O Corcunda de Notre Dame provocou (e ainda provoca) os mais diversos debates, estudos e pesquisas. São muitas as interpretações possíveis para esta história e fica evidente para qualquer leitor que ao escrever este livro o autor, Victor Hugo, tinha todo o objetivo de chamar a atenção dos leitores da época para a Catedral de Notre Dame de Paris, embora seja possível perceber também que ele não tocou em certos temas sociais e fez críticas políticas à toa. Mas deixo que os especialistas, os críticos literários, se aprofundem em tais assuntos. Nesta resenha falarei apenas dos personagens e como suas histórias de vida mexeram com meus sentimentos, me marcaram de uma forma que é praticamente impossível colocar em palavras.
"Adquiriu a maldade ambiente. Apossou-se da arma com que o feriam."
Neste livro temos três personagens principais: Claude Frollo (que eu chamo "carinhosamente" de demônio em forma de gente), Quasímodo e Esmeralda. O destino desses três personagens se entrelaça de tal forma ao longo da história que até mesmo o leitor mais distraído consegue perceber que nada de bom poderia sair dali. Sentimos que uma grande tragédia acabaria por marcar suas vidas, por mais que no fundo do nosso coração torcêssemos para que houvesse uma esperança. Uma saída.
"[...] para quem teve conhecimento da existência de Quasímodo, Notre Dame se mostra hoje deserta, inanimada, morta. Sente-se que algo desapareceu."
O destino de Quasímodo e Esmeralda se cruzou bem antes de eles finalmente se conhecerem, embora nem mesmo no fim de suas vidas eles viessem a tomar conhecimento dessa realidade. Uma bebezinha que se viu sem mãe e sem pai em seus primeiros meses de vida. Um menino deformado que inspirava os piores sentimentos nas pessoas. Ela, criada por ciganos, indo de cidade em cidade com sua música e sua dança. Ele, salvo da morte por um padre e criado sob a proteção da Catedral de Notre-Dame. Um dia eles iriam se encontrar... e estaria escrito que um salvaria a vida do outro.
"O arquidiácono tinha em Quasímodo o mais submisso escravo, o mais dócil criado, o mais vigilante cão."
Embora o arquidiácono Claude Frollo tenha impedido que Quasímodo fosse assassinado ainda criança por conta da superstição e sede de sangue de pessoas ignorantes, em nenhum momento tratou o filho adotivo como "filho". Ele via em Quasímodo apenas um servo, um escravo, uma coisa qualquer que nunca o trairia, que beijaria o chão por onde ele passasse e faria tudo o que mandasse. Para Claude Frollo, ele não passava de um fiel animal. E assim, o menino cresceu sem amor, sem receber sequer um abraço ou palavra gentil de alguém. Tudo o que conhecia era o desprezo, o ódio, a repulsa dos outros. Seus amigos eram as esculturas da catedral, sua família eram os sinos que tocava e que acabaram por deixá-lo surdo. Era aquele o ambiente que amava, era o único local no qual se sentia protegido e feliz. Mas nem mesmo os maus-tratos do padre foram suficientes para tirar do seu coração o sentimento de gratidão que tinha para com ele. Aceitava as ofensas e os espancamentos, embora tivesse força suficiente para matar Claude Frollo num só instante, nunca levantara a mão contra o seu "salvador". Era submisso, obediente.
"Enquanto ele se contorcia em vão para escapar, a jovem se aproximou sem uma palavra e, destapando um pequeno odre preso à cintura, levou-o até os lábios áridos do miserável. Daquele olho, sempre tão seco e indiferente, viu-se então escorrer uma gorda lágrima que desceu lentamente pelo rosto disforme e contraído por longos desesperos."
Esmeralda era uma jovem dançarina de dezesseis anos. Dona de uma beleza que causava inveja e admiração por onde passava, enfeitiçava a todos com sua dança e sua voz. Sua inocência tão evidente inspirava a proteção até mesmo de bandidos da pior espécie, que a veneravam e se rendiam aos seus pés. O sonho de sua vida era encontrar seus pais, pois uma cigana um dia lhe disse que o amuleto que ela carregava junto ao peito a levaria até sua mãe. Para isso Esmeralda deveria permanecer pura, proteger sua virtude senão perderia toda a chance de conhecer a mãe que tanto amava sem nunca ter visto. Manter sua promessa não era nada difícil, uma vez que ainda não conhecera o amor, que nunca tinha se apaixonado e não estava disposta a entregar seu coração.
Ela amava dançar. Embora para os olhos de certos homens fosse uma feiticeira sedutora, ela via na dança um prazer infantil e era sem qualquer maldade que rodopiava durante suas apresentações. Por mais que fossem comuns as execuções de pessoas acusadas de feitiçaria e outros malefícios, Esmeralda se sentia segura, pois nunca praticara nada que pudesse ser considerado bruxaria e tudo o que fazia era cantar, dançar e fazer alguns truques com sua fiel cabritinha, para diversão daqueles que paravam para assisti-la. Só duas pessoas lhe causavam preocupação: o padre que a perseguia com ameaças e palavras de ódio e uma velha reclusa que insistia em amaldiçoá-la. Não entendia por que aquelas duas pessoas tanto a desprezavam e era verdade que um pavor intenso percorria o seu corpo quando ouvia suas vozes.
Uma noite, após mais uma de suas apresentações, dois homens tentaram sequestrá-la. Salva por um capitão, que provocou em seu coração sentimentos que até então desconhecia, Esmeralda sequer poderia imaginar que os acontecimentos daquela noite seriam o início da sua ruína.
"Pelo ofício e pela própria personalidade, Claude sempre se afastara das mulheres, mas parecia agora odiá-las como nunca."
Claude Frollo era amante da ciência e um homem extremamente culto. Por mais que fosse padre e conhecesse os ensinamentos cristãos, não existia em seu coração quaisquer sentimentos de compaixão para com o próximo. A única pessoa que amava além de si mesmo era o irmão mais novo que tanto tinha mimado. Nem mesmo ao salvar Quasímodo da morte o fizera por piedade, mas porque possuía seus próprios motivos. Dono de imensa inteligência, era capaz de manipular todos ao seu redor com extrema facilidade. Sempre conseguia o que queria. E se tinha uma coisa que desejava na vida era Esmeralda.
Desde a primeira vez que a vira dançar na praça, uma intensa obsessão tomou conta de sua mente. A ciência já não o interessava como antes. Dormia e acordava pensando nela. Sentia que estava decaindo, se tornando perverso por causa do feitiço daquela menina e a única forma de se livrar do fogo que o consumia era possuindo-a, sendo seu dono. Por isso, ao descobrir que Esmeralda estava apaixonada pelo capitão Phoebus, homem que a salvara de ser sequestrada, o desejo se mesclou com um ódio profundo. Porque ninguém a teria. Se Esmeralda não fosse dele não seria de ninguém mais.
"- Ninguém a terá!"
Ainda é difícil organizar minhas emoções. Desde que terminei a leitura deste livro me sinto um tanto perdida, anestesiada. Não consigo aceitar o final da história e sinto tanto ódio por alguns personagens que chego a tremer, por não poder dar a eles o fim que realmente mereciam. É uma confusão de sentimentos...
Se esquecermos os objetivos explícitos do autor ao escrever este livro, veremos que é, implicitamente (ou talvez não tão implicitamente assim), uma história de obsessão. Que nos mostra o pior dos seres humanos. Vemos neste livro uma adolescente perseguida por um homem poderoso, influente, que utiliza todo o seu poder para fazer da vida dela o que bem desejasse. Esmeralda era órfã, era cigana, era uma criança inocente. Não tinha nenhuma proteção contra a obsessão desse padre dos infernos. Ninguém levantaria a mão para defendê-la. E é impossível não se revoltar com tudo o que acontece na vida dessa menina por conta da maldade de Claude Frollo, por conta de sua obsessão, de seu desejo doentio. E ao lermos tudo isso acabamos por pensar nos casos que vemos nos dias atuais... nos inúmeros casos de mulheres que têm suas vidas destruídas porque certos homens, que mais parecem monstros, não aceitam "não" como resposta, não entendem que elas não são objetos, que não são suas propriedades. Esta história aqui se passa na Paris do século XV e foi escrita no século XIX. Todavia, em pleno século XXI, mulheres ainda são vistas como objetos por certos trastes de homens, o machismo ainda é muito forte e muitas e muitas mulheres perdem suas vidas simplesmente por serem mulheres. As coisas não mudaram.
"[...] E vou tê-la! Não me quer como escravo, me terá como dono. Vou tê-la. Sei de um lugar para onde a levarei. Virá comigo, será obrigada, ou a denunciarei! Terá que morrer, minha bela, ou ser minha! [...] O túmulo ou a minha cama!"
Contra todas as probabilidades, é Quasímodo a única pessoa que se apresenta como defensor de Esmeralda. Embora um dia tenha tentado contra ela por conta de sua fidelidade ao demônio do Claude Frollo, é de Esmeralda que ele recebe o único gesto de carinho. Porque ao ser julgado e condenado por determinada conduta e ser chicoteado na frente de uma multidão que ria e zombava de sua desgraça, foi ela quem lhe ofereceu água. Foi ela quem lhe ofereceu um olhar de compaixão. Comovido com a bondade daquela menina, Quasímodo se tornou o seu defensor e, mesmo sabendo que seu amor jamais seria correspondido, se apaixonou por ela. O que selou, definitivamente, o destino de todos eles.
"No momento mais horrível, um riso de demônio, um riso que só quem deixa de ser humano pode dar, estourou no rosto lívido do padre."
Claude Frollo é um dos vilões que mais me provocaram ódio nesta vida. Cruel como o diabo, se utilizava de sua influência para prejudicar quem quisesse, se utilizava de sua posição como arquidiácono, de sua religião, para ter o controle da vida de Esmeralda. Sua maldade não tinha limites e era tão inteligente que realmente conseguia manipular quem bem entendesse. Foram poucos os vilões que conheci durante os meus anos como leitora (e olha que já li mais de 700 livros) que me provocaram tanto ódio. Eu já desprezei muitos vilões, mas esse ódio tão intenso foram poucos os que conseguiram. Nem o pior dos finais seria suficiente para fazê-lo pagar por tudo o que fez.
Nesta história o autor também aborda certas questões sociais e faz críticas claras às farsas que eram certos julgamentos e condenações de inocentes à pena de morte. Por mais de uma vez acompanhamos no livro julgamentos que eram verdadeiras piadas de mau gosto e condenações absurdas, que fazem nosso sangue ferver. O autor deixa claro que muitas eram as pessoas executadas sendo inocentes. Ele debocha explicitamente dos julgamentos tanto pelos juízes quanto pelo Santo Ofício e as diversas penas de mortes que eram aplicadas como se a vida não valesse nada. Sem mencionar as torturas!!! Porque a pessoa ainda era obrigada a "confessar" seu crime antes de ser executada e se ela não confessasse por livre e espontânea vontade era conduzida até uma sala onde acabava sendo "convencida" a confessar. A dor acabava levando pessoas inocentes a admitirem publicamente crimes que não tinham cometido.
Além de criticar e debochar de leis absurdas, da "bondade" de monarcas, o autor também não poupa críticas à Igreja. Não é nenhuma novidade que muitos crimes foram cometidos por pessoas que utilizavam o nome de Deus para justificar as suas maldades. Claude Frollo, o principal vilão deste livro, é um padre.
A leitura de O Corcunda de Notre Dame não foi fácil. O início do livro é maçante. Não existe palavra melhor para descrever o tédio que sentimos quando começamos a ler esta história. São mais de duzentas páginas pelas quais o leitor tem que passar com muito esforço, lutando para não abandonar o livro. Confesso para vocês que eu só não abandonei a história porque era a escolha do Clube de Leitura - Amor por Clássicos para nossa última leitura coletiva do ano. E fico muito feliz por ter insistido, caso contrário não teria ficado tão encantada e tão marcada por este livro. Embora seja difícil prosseguir por quase duzentas páginas (o livro só fica de fato bom a partir da Parte 6 e a história é dividida em 11 partes), quando a história começar a te envolver será por completo, então recomendo a todos os leitores que insistam, não abandonem o livro apesar de todo o tédio e descrições irritantes do início. Vale muito a pena ler esta história!
Há uma coisa que tenho que mencionar ainda antes de concluir esta resenha. Embora tenha terminado a leitura apaixonada pelo livro (apesar do início de puro tédio) e tenha inúmeros motivos para amar profundamente esta história, uma coisa que muito me incomodou em diversos momentos importantes da história foi o tom constantemente irônico, de deboche do autor. Entendo que ele debochasse das leis, dos julgamentos, das condenações e do uso que certos religiosos faziam do nome de Deus e dos ensinamentos cristãos. Todavia, existiram momentos na história, de profunda dor para os personagens e para os leitores, nos quais o tom irônico da narrativa era incabível e isso acabou me incomodando bastante.
Olá!
ResponderExcluirEu tenho certo receio por clássicos, acho cansativo na maioria das vezes a não consigo insistir a ponto de chegar um momento que me ganhe, mas sua resenha me despertou muito interesse, não prometo ler, mas posso garantir que vou pensar seriamente no assunto.
Obrigada pela dica.
Beijos
Nossa, eu tenho uma vibe super forte de ler clássicos. Esse livro está na minha TBR da vida há muito tempo. E eu sequer consegui comprá-lo ainda!!
ResponderExcluirEstou muito curiosa para conhecer e destrinchar essa história, assim como você. E essas capas da Zahar, a qualidade da tradução e do produto como um todo, não dá pra resistir!
Beijão
Carol, do Coisas de Mineira
Oi Luna!
ResponderExcluirApesar de não ter lido o livro, assisti o desenho do Corcunda, então tenho uma ideia do que está falando. Quando assisti, a primeira coisa que notei foi um padre que manda e desmanda em tudo na cidade, obcecado pela maldade e depois sua loucura pela cigana Esmeralda que não tinha limites, a desigualdade social muito aparente no desenho, deu para notar que é uma história muito triste, apesar de ser um desenho infantil.
Parabéns pela sua resenha fiquei chocada ao ler algumas partes, pois não tinha pensado por esse ponto de vista. Sobre o autor debochar ou fazer uma representação irônica todo mundo tem seu modo de desabafar as coisas, mas que as vezes quando está lendo incomoda muito concordo com você. Obrigado pela dica, bjs!