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14 de dezembro de 2022

Lírios de Sangue - Carmem O.




Literatura Brasileira
Editora: Novo Século
Edição de: 2016
Páginas: 144

Sinopse: Até onde vai sua dor? Sua percepção da realidade? Seu lirismo?
Despretensiosamente, Lírios de sangue é o relato simples e talvez poético daqueles que estão no momento mais crítico de suas vidas: o confronto com a doença, com as fraquezas do corpo, com nossa mente desnuda de defesas. Nossa fragilidade exposta, escancarada. 

São relatos de quem vive diariamente essa condição humana. 

Há uma entrega, uam aceitação dos dois lados. O paciente e o médico. Aprendizado mútuo de ambos. No final, cúmplices, querem o mesmo objetivo: VIVER. 

E cada um, inevitavelmente, levará um pouco do outro por onde for. 





Um dia, hace años, eu contei aqui como um determinado livro me "atraiu", me "escolheu" num momento da vida em que tanto necessivava das palavras que transbordavam de suas páginas. 

Tardes de Maio é o nome dele.... Do livro que falava de dor, perdas, recomeços... Da poesia que está em tudo, até na morte. Da passagem, do adeus, mas também da vida. Naquele momento, minha Luana ainda estava viva. Não havia doença. Não havia desespero. Não sentia o gosto amargo do imenso pânico de perdê-la. Nem as facadas do luto. 

Agora... Aconteceu de novo. A Carmem O. passou novamente por minha vida, com seus textos tão impactantes. Lírios de sangue... Faz sentido, né? Que às vésperas do mês de dezembro, às vésperas do primeiro ano de morte da minha princesa, este livro tenha esbarrado em mim. Não foi coincidência. Foi o destino falando. Outra vez. 

"Há analgésico para essa dor
Há paz para o seu conflito
Pena que você sorri tão pouco"

Era noite de 29 de novembro de 2022... Só Aquele que me roubou minha pequena sabe como eu estava me sentindo, atormentada pelo fato que o mês de dezembro estava chegando... As lembranças não paravam de me golpear com força, com crueldade. Imagens que só quem já presenciou a morte de uma pessoa ou animalzinho querido consegue entender... Eu estava desnorteada. Estava no ônibus, voltando do trabalho e sentindo que não conseguiria sequer chegar em casa antes de desabar em prantos. 

Foi quando desci do ônibus e em vez de pegar o próximo na rodoviária, caminhei para o shopping... querendo apenas andar e andar. Parei numa feira de livros localizada no térreo. E meus olhos imediatamente foram atraídos pela cor vermelha. Ele estava ali, me esperando: Lírios de sangue

"A vida sempre será um sopro
Um sopro difícil de entender."

Lembro que peguei o livro e o apertei contra o peito antes de ir até o caixa para pagar. Sentia uma necessidade urgente de abri-lo e iniciar a leitura. De encontrar nele o conforto que eu estava buscando. Queria ser confortada, sentir-me "abraçada" pelas palavras... sentir que alguém compreendia o que eu estava sentindo. O vazio. O medo. A dor...

Concluí a leitura em 30.11.22. Acho que chorei com quase todas as crônicas e poesias presentes no livro. Me emocionei demais com as diversas histórias de pessoas lutando pela vida ou simplesmente entendendo que o momento chegara, que era hora de partir... Nossa! Este livro me "quebrou" em pedacinhos, mas também me fez um bem tão grande que eu não saberia como expressar em palavras. 

"Teve que se fechar em si mesma por puro mecanismo de defesa. E assim construiu seu Muro de Berlim, de onde via, espectadora, sua guerra fria entre a vida e a morte."

Como eu disse ao fazer a resenha de Tardes de Maio em setembro de 2019: A autora desta coletânea de crônicas e poemas é uma cardiologista que trabalha com pacientes críticos, alguém que já esteve em contato muitas vezes com a dor e a morte. Através de sua própria experiência de vida e relembrando pacientes que teve a oportunidade de conhecer, nos traz esses textos tão simples, mas tão profundos ao mesmo tempo. Muitas das crônicas tratam de pacientes, de momentos vividos no hospital, vidas que se foram, outras que possivelmente se recuperaram... Cada texto tem algo que nos cativa, que nos provoca uma confusão de emoções. Você não sabe sequer explicar o que sente... é algo que toma conta do seu coração e te faz pensar e pensar em muitas coisas.

O que eu disse naquela época se aplica tambem ao livro Lírios de sangue, pois são crônicas e poemas baseados na experiência da autora como médica que lida diariamente com pacientes em estado grave, e tem a oportunidade de testemunhar diversas histórias, e de aprender muito com aqueles que estão quase de partida. 

"Saudades. Tenho de tudo. Do que foi, do que poderia ter sido e do que ainda será. Tenho saudades hoje dos que vejo todos os dias e daqueles que nunca mais verei."

Não sei dizer qual crônica me emocionou mais... Eram tantas realidades diferentes. Dores dos que vão, dos que ficam e precisam lidar com a saudade... Lutas diárias contra a depressão, contra o lúpus, contra o diabetes, o câncer... Perdas e vitórias. Sorrisos e lágrimas. Eu chorava até mesmo quando a autora terminava uma crônica com um "final feliz", quando determinado paciente conseguia sobreviver. Me dava uma emoção tão grande, pois era uma segunda chance. Era precioso saber que alguém tinha recebido uma segunda chance. 

Carmem O. tem o dom de nos tocar profundamente com suas palavras, de nos golpear com realidades duras e terríveis, ao mesmo tempo em que nos faz valorizar o sol, a chuva, o vento que bagunça nossos cabelos. Valorizar o fato de respirarmos. De ainda estarmos aqui, por mais difícil que seja a vida. 

Nunca vai ser fácil viver. Sempre existirão perdas. É inevitável. Mas o sol sempre nascerá depois da tempestade, não é verdade? Ainda que demore um pouco. Ele vai nascer. Belo, iluminando nossos dias cinzentos. 

"Viver é flertar constantemente com nossa fragilidade
Escancarada em nossa cara, luminosa, como um letreiro de motel. 
Não somos especiais. 
Super-heróis de ninguém
Carne
Ossos 
Dor.
Aproveite. 
Amanhã
Pode não chegar."

Ler este livro quando eu estava cheia de dor foi um presente da Vida, do Destino e, quem sabe, de Deus, por mais que meu relacionamento com Ele não esteja muito bom. Sei que este livro não surgiu em meu caminho à toa. Eu precisava dele. Precisava do seu conforto.

Escolhi o dia de hoje, 14 de dezembro, para publicar esta resenha. O motivo vocês podem imaginar: hoje completa um ano que minha princesa se foi. Que partiu deste mundo e me deixou sozinha. 

Sabe no que quero acreditar hoje? Que ela me vê do Céu. E que está feliz. Que não há nenhuma dor. Que ela brinca e pula com outros gatinhos enquanto Jesus olha sorrindo. Que ela dorme do lado dEle, como sempre dormiu do meu lado na cama. 

Há quem não entenda este amor todo que sinto pela minha princesa. "Era só uma gata, um animal, não era gente." Já ouvi muito isso. E eu não sinto raiva de ninguém que não compreende o que sinto. Não preciso que entendam. Não escolhi amar minha pequena filha. Ela me escolheu e preencheu minha vida com tanto amor, que seria impossível não amá-la com todas as minhas forças. Sempre irei amá-la. Sempre sentirei sua falta. Mas quero estar bem. Porque eu prometi, um ano atrás, enquanto ela partia, que ficaria bem. Que seria feliz para que ela pudesse estar em paz. E que um dia estaríamos juntas de novo. Sei que estaremos. Um dia, quando minha hora também chegar, eu irei para junto dela. E nunca mais haverá uma separação. Nunca mais haverá dor. 

Um ano sem você, minha filha... Apenas sem sua presença física. Porque dentro de mim você sempre estará viva. Nunca esquecerei os lindos momentos que vivemos juntas. Você sempre será o meu anjo. Te amo. Para sempre. 



30 de março de 2021

Um carinho na alma - Bráulio Bessa


Literatura Brasileira
Editora: Sextante
Edição de: 2019
Páginas: 157

9ª leitura de 2021 (9ª resenha do ano)

 Sinopse: Depois de conquistar o coração dos brasileiros com sua Poesia que transforma e passar mais de um ano entre os autores mais vendidos do país, Bráulio Bessa volta a nos brindar com poemas que, como de hábito, nos fazem pensar e nos fazem sentir.

Sempre fiel às suas raízes, mas trazendo novidades, em Um carinho na alma o poeta cearense amplia a gama da sua poesia, indo além do cordel tradicional mas sem jamais abandoná-lo. Seus versos falam sobre os temas que pontuam sua obra, como o amor, a esperança e a amizade, mas também a seca, a injustiça e a falsidade, produzindo as rimas inspiradas que nunca deixam de levar um sorriso aos lábios.

Além de poeta, Bráulio é também um grande contador de histórias. Por isso, além dos poemas, o livro traz relatos de sua infância em Alto Santo, da vivência com a família e os amigos, e de suas andanças de norte a sul do Brasil, abraçando e falando com o povo que tanto lhe prestigia.

 


Quando comecei a ler Um carinho na alma, não imaginei que o livro fosse me emocionar tanto. Que fosse me tocar tão profundamente. Foi um retorno ao meu passado. Ler estes poemas foi viajar para lugares tão bons e tão distantes! Foi visitar a saudade que, na verdade, nunca me deixa só. Saudade de um período muito diferente do que vivemos hoje. Saudade de infância, de pessoas que ficaram pelo caminho, mas que marcaram muito a minha vida. Estou escrevendo e chorando, pois foi isso que o poeta provocou: lágrimas. A cada poema. Foram raros os que não me fizeram chorar. Mas não trocaria estes momentos. Porque lê-los me fez bem. Lembrar de momentos que nunca retornarão dói muito, mas ao mesmo tempo faz bem para a alma. 


Difícil dizer qual dos poemas presentes neste livro mais me tocou. Todos me emocionaram! O poeta escreve com o coração, com tanto sentimento que é como se as emoções saltassem das páginas. E são poemas autobiográficos (parte deles são), que falam de seu próprio passado, da infância e juventude, de familiares amados, de momentos que passam por suas lembranças. 


"Quando o tempo feroz acelerar
desviando da nossa juventude,
não há nada a fazer para que mude,
não há freio no mundo para frear.
O ponteiro insiste em não parar,
pro relógio todos nós somos iguais.
Pai e mãe são eternos, mas mortais,
é saudade que se torna oração."
[Trecho do poema Os cabelos prateados dos meus pais]

Talvez ler este livro no momento atual, com a pandemia tão grave e tantos recordes de mortes, tenha feito minhas emoções ficarem ainda mais à flor da pele. Ver as notícias tem me feito entrar em pânico. Em desespero. Hoje ao sentar para assistir o jornal eu não aguentei. É angustiante. Não sabemos o que o amanhã nos reserva, mas em nenhum outro momento da minha vida senti tanto medo do amanhã. Estamos vivendo um período muito incerto e isso faz eu me agarrar ainda mais à minha família, lembrar muito do passado. Teve um poema do autor que me rasgou o coração, pois ele falou de sua avó, de quando ela estava partindo. Que ela quis comer goiaba e isso me levou dezenove anos atrás, quando minha avó, que também estava indo embora por causa de um câncer, desejou a mesma fruta. E não podia comer. Ela foi embora com o desejo de comer goiaba. Este poema atingiu tão fundo em mim. E ainda por cima, no finalzinho dele, o autor fala do alívio de saber que sua avó teve várias pessoas para segurar sua mão na hora do fim. Isso nos destroça porque esse vírus maldito, que está levando milhões de pessoas no mundo, impede a despedida. Impede que você possa segurar a mão do seu ente querido, de estar com ele nesse momento tão doloroso. Talvez este tenha sido o poema que mais me fez em pedaços. 

"A dor foi terrível. A saudade é valente e latente. Mas saber que, no último suspiro de vida da vovó Maria, tanta gente segurou em sua mão, foi um pingo de felicidade naquela chuva de tristeza."
[Trecho do poema Goiaba tem cheio de vida]

Com palavras simples, mas que acertam em cheio o coração, Bráulio Bessa faz magia. Te faz reviver momentos. Como se eles de fato estivessem acontecendo. É uma viagem agridoce. Me entreguei totalmente à leitura, às emoções. No fim queria recomeçar. Ler tudo outra vez. E com certeza preciso ler tudo o que ele já publicou. Me tornei sua fã. Uma fã profundamente apaixonada por sua escrita tão simples e tão emocionante. 

Além dos poemas autobiográficos, o autor também fala de outros assuntos e "conta histórias", inclusive fechando com chave de ouro o livro com um poema intitulado A lição que a morte deu, que fala de um patrão muito cruel e um empregado que morreu para salvar a vida dele. E aí o poeta prossegue falando do que aconteceu após o fim deles na Terra e eu simplesmente amei este poema! Ele fala das injustiças deste mundo e da justiça de Deus. Me lembrou um pouco a parábola do Rico e Lázaro.

"Depois da viagem feita
pro mundo espiritual,
o lugar que deixa claro
quem é do bem ou do mal, 
fica tudo evidente, 
a justiça é transparente
e nunca é manipulada.
É a hora da verdade
em que toda a humanidade 
um dia será testada."
[Trecho do poema A lição que a morte deu]


Se recomendo este livro? Sem pensar duas vezes! Simplesmente leiam!!!



-> DLL 21: Um livro que termine em um dia 




23 de março de 2021

Sentimento do Mundo - Carlos Drummond de Andrade


Literatura Brasileira
Editora: Companhia das Letras
Edição de: 2012
Páginas: 95 (e-book)

7ª leitura de 2021 (7ª resenha do ano)

Sinopse: Publicado em 1940, Sentimento do mundo permanece, tantos anos depois, ainda um dos livros mais celebrados da carreira de Drummond. Não é para menos: o livro enfileira poemas clássicos como "Sentimento do mundo", "Confidência do Itabirano", "Poema da necessidade" - é possível que versos do livro inteiro tenham sido impressos no inconsciente literário brasileiro, tamanha é sua repercussão até hoje. Já estabelecido no Rio e observando o mundo (e a si mesmo) de uma perspectiva urbana, o Drummond de Sentimento do mundo oscila entre diversos polos: cidade x interior, atualidade x memórias, eu x mundo. Perfeita depuração dos livros anteriores, este é um verdadeiro marco - e como se isso não bastasse, é o livro que prepara o terreno para nada menos do que A rosa do povo (1945). Por isso a ênfase, ao longo de todo o livro, na vida presente.



É muito difícil escrever uma resenha sobre poesia; sempre foi. Mas é muito mais difícil eu não apreciar a leitura de um livro do gênero. Infelizmente, foi o que aconteceu com Sentimento do Mundo, primeiro livro que leio do Carlos Drummond de Andrade. 

Embora existam sim alguns trechos que me fizeram refletir, que li mais de uma, duas vezes por ter gostado muito, o livro como um todo não me cativou. E isso me surpreendeu bastante, pois lembro de já ter "esbarrado" em alguns poemas dele ao longo da vida e ter me sensibilizado, ter me emocionado com sua escrita. O que me faz pensar que escolhi o livro errado, já que Drummond possui "fases" e minha personalidade provavelmente teria amado ler um dos seus escritos de uma fase mais melancólica e introspectiva. 

Pelas resenhas de poesias que já fiz e o fato de minha poetisa preferida ser a Florbela Espanca, vocês podem ter uma noção de que amo poemas que "me rasgam o coração", que me fazem chorar, que tocam em feridas e me provocam identificação. O poema tem que tocar minha alma. Se isso não acontece, acaba sendo uma leitura perdida para mim. Tempo perdido. 

"Um verme principiou a roer as sobrecasacas indiferentes 
e roeu as páginas, as dedicatórias e
mesmo a poeira dos retratos. 
Só não roeu o imortal soluço de vida que rebentava
que rebentava daquelas páginas." 
[Trecho do poema Os Mortos de sobrecasaca]

Em Sentimento do Mundo, originalmente publicado em 1940, temos uma coletânea de 28 poemas do autor; poemas estes que passeiam por diversos assuntos, incluindo as guerras e as mortes causadas por elas; inquietações sobre o tempo e as transformações que estavam em andamento. O poeta aborda assuntos sim muito importantes e reflexivos, mas, como eu disse, seus poemas não conseguiram tocar minha alma, me atingir por completo. Existiam trechos que me tocavam, mas nunca um poema por inteiro, entende? Não existe um só entre os 28 que eu tenha amado do começo ao fim. 

"Também a vida é sem importância. 
Os homens não me repetem
nem me prolongo até eles,
A vida é tênue, tênue. 
O grito mais alto ainda é suspiro, 
os oceanos calaram-se há muito."
[Trecho do poema Canção de berço]


Tenho outros livros do poeta em meu Kindle e pretendo dar uma chance a outro de seus escritos ainda este ano. Não desisti do autor. Tenho certeza que vou encontrar o livro dele que me conquistará e se tornará um favorito. 



-> DLL 21: Um livro de literatura nacional 

 

17 de fevereiro de 2021

O Navio Negreiro e outros poemas - Castro Alves

 


Literatura Brasileira
Editora: Melhoramentos
Edição de: 2013
Páginas: 163 (e-book)

4ª leitura de 2021 (4ª resenha do ano)

Sinopse: Como principal representante da poesia condoreira no Brasil, Castro Alves se utiliza de uma linguagem eloquente e grandiosa para denunciar os horrores da escravidão e lutar pela liberdade dos escravos. Nesta coletânea, destaca-se “O navio negreiro”, poema épico-dramático que narra o tráfico de negros trazidos da África para trabalhar como escravos no país. As atrocidades do sistema escravista ganham vida nestes poemas e transmitem toda a sensação de dor e privação das vítimas desse sistema.



Eu amo poesias, mas tenho uma dificuldade enorme para fazer resenhas sobre elas. Porque a experiência de lê-las é muito única, é um sentir que não dá para colocar em palavras. Sempre que mergulho num livro de poemas eu viajo para bem longe "do real", me perco em sentimentos e sensações... vou para bem longe de mim mesma. Me entrego ao que o poeta escreveu e me imagino na situação do eu lírico. O que nem sempre é uma experiência agradável.... Ainda mais quando lemos poemas que tratam da escravidão. 


Ler O Navio Negreiro e outros poemas foi muito desgastante emocionalmente. Eu fiquei abalada, inquieta, viajei para aquele período que marcou com sangue, tortura e muita dor a História do nosso país e do mundo. Não era capaz de ler muitos poemas por dia, pois sentia como se existisse um peso sobre mim, algo sufocante. E é admirável o talento e a sensibilidade do poeta para conseguir tornar tão vívidos os acontecimentos através de seus poemas. 


Castro Alves foi um jovem poeta da terceira geração do Romantismo e também um abolicionista, conhecido como "poeta dos escravos" ou poeta social, segundo informações que encontrei em pesquisas na internet. Teve uma vida bastante curta, falecendo aos 24 anos de idade, mas contribuiu de maneira importantíssima para sensibilizar outras pessoas a se envolverem com as causas sociais, humanitárias e abolicionistas. Me pergunto como pude passar pela escola e pela universidade sem jamais ter lido nem que fosse um dos seus poemas! Não acredito que tenha lido, pois teria sido impossível esquecê-los. Eles nos tocam profundamente, de uma maneira que tira o fôlego, que angustia. 


"Senhor, não deixes que se manche a tela
Onde traçaste a criação mais bela
De tua inspiração. 
O sol de tua glória foi toldado...
Teu poema da América manchado,
Manchou-o a escravidão." 
[Trecho do poema Ao romper d'alva]


Esta coletânea reúne 33 poemas que abordam temas imensamente dolorosos, que falam das mais diversas formas de violência praticadas ao longo dos séculos de escravidão. Da dor, fé e profunda tristeza de pessoas que apenas por sua cor de pele eram tratadas como objetos, como mercadorias, como algo sem sentimento. Que não eram vistas como seres humanos. Que foram roubadas de tudo... de sua liberdade, sua intimidade, sua família, sua vida... Tudo. Absolutamente tudo. A dívida que a sociedade possui não poderá ser paga nunca. 


Dói muito pensar nas pessoas que viveram e foram torturadas, subjugadas e mortas conforme a vontade de seus "senhores". Que foram separadas de suas famílias, que tiveram todos os seus direitos violados. É comum pensarmos, em momentos de grande desesperança, que "hoje em dia" falta amor no mundo. Que a ausência de amor é que provoca tanta violência, tanta crueldade. Mas não. Não é algo de "hoje em dia". Simplesmente sempre faltou amor no mundo. As pessoas, de maneira bastante seletiva, escolhem quem vão considerar seu "próximo", seu semelhante. Não é raro eu ter a dolorosa sensação de que tudo o que Jesus passou foi em vão. Não aprendemos nada. 


"Agora adota a escravidão por filha, 
Amolando nas páginas da Bíblia
O cutelo do algoz...
Sinto não ter um raio em cada verso
Para escrever na fronte do perverso:
'Maldição sobre vós!"

[Trecho do poema Confidência]



Quase todos os poemas me tocaram de alguma forma, me deixaram triste e revoltada, mas aquele que mais me abalou foi Tragédia no lar. Nossa! Apenas lembrar da história contada nele, a mãe que tem seu filho arrancado dos seus braços, pois seu "senhor" o vendeu... é de nos destroçar por dentro. É um poema de muita dor, as palavras dela, seus gritos, seu desespero... Nunca vou conseguir esquecer. 

A mãe, no poema Tragédia no lar, implora que aquele homem não leve o seu filho, que é apenas um bebê, inocente, que é tudo o que ela tem, que é sua única alegria. Suplica que ele se coloque em seu lugar, pois também tem filhos. O que ele sentiria se quisessem vender seus filhos? Se os levassem para serem escravos? Mas nada do que ela dissesse, suas súplicas... nada era capaz de comover aquele homem. E o poeta prossegue dizendo o motivo de tanta crueldade: 

"Porém nada comove homens de pedra, 
Sepulcros onde é morto o coração."

E eu concordo completamente. É preciso ser morto por dentro para fazer algo assim. Para arrancar um filho de sua mãe, para vender seres humanos, para escravizar pessoas. Este poema me abalou muito, me deixou em prantos, com tanta, tanta angústia. Porque não é um simples poema. Foi a realidade de muitas pessoas. Separadas de suas famílias... tratadas como se fossem nada. 

Eu recomendo os poemas deste livro, mas que leiam sabendo que vão se revoltar, que vão chorar, que ficarão com um sentimento muito ruim de desesperança, de tristeza por um passado que não podemos mudar. E um presente que ainda reflete esse passado. 

Quero ler tudo o que o Castro Alves teve a oportunidade de escrever, mas darei um intervalo de alguns meses, pois não tenho o emocional forte para ler muitos de seus poemas em sequência. Não tenho estrutura emocional para isso. As palavras dele são muito fortes. Sua escrita transborda sentimentos e nos inunda. Eu não estava preparada para tantos sentimentos dolorosos. Não estava preparada para a força de sua escrita. Mas já é um dos meus autores preferidos, com certeza! Só lamento ter demorado tanto para conhecê-lo. 



-> DLL 21: Um livro de autor brasileiro nunca lido. 




23 de junho de 2020

Antologia Poética - Florbela Espanca

Literatura Portuguesa
Editora: Martin Claret
Edição de: 2015
Páginas: 298

32ª leitura de 2020 
(releitura)

Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada.. a dolorida... (...)
Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...
Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!...




Este é um livro que eu já tinha lido e relido algumas vezes. Tenho uma grande conexão com os poemas da Florbela, como não acontece quando leio nenhum outro poeta. Então, sempre que me sinto bem triste ou ansiosa tenho dois refúgios: o livro O Morro dos Ventos Uivantes (meu preferido da vida!), da autora Emily Brontë e os poemas da Flor.

Foi o que aconteceu em abril deste ano. Com essa pandemia provocando tantas tragédias e mexendo profundamente com nossas vidas e emoções, eu precisei mais do que nunca recorrer aos escritos da Florbela, aos seus versos tão tocantes, seus sonetos que me arrebatam. Precisei tocar, abraçar o livro, ler cada soneto em voz alta, na tentativa de calar o mundo por uns momentos. De esquecer a realidade.

Em abril eu li até a metade e depois fui lendo um poema vez ou outra, sempre quando me sentia "sufocada", angustiada. Mas agora em junho eu peguei o livro novamente e o li por inteiro. Porque se em abril estava desesperada, agora em junho, quando o Brasil ultrapassou mais de um milhão de pessoas infectadas pelo coronavírus e mais de 50 mil mortes, "desespero" seria um eufemismo. Estou para além disso... me sinto destroçada. Nem sei expressar o que sinto. Lamento muito por cada vida perdida, cada família que está atravessando esse luto tão insuportável. Só posso pedir que Deus conforte cada coração. E que tenha misericórdia de todos nós.

Me refugiar nos poemas da Flor era uma das melhores coisas que poderia fazer para não afundar numa crise de ansiedade. Vocês sabem que já falei desta minha querida poetisa aqui no blog outras vezes. Falei especificamente sobre ela no post Minha poetisa querida: Florbela Espanca, falei do soneto A Um Livro e ainda fiz resenha sobre um de seus livros, o meu preferido Livro de Mágoas. Mas esta é a primeira vez que falarei da Antologia Poética completa, que reúne seis livros da autora.

A Antologia Poética é o trabalho mais caprichado que já vi uma editora fazer dos livros da minha poetisa amada. Publicada pela editora Martin Claret, ela é em capa dura, com detalhes delicados, com uma página em azul abrindo cada um dos livros presentes na antologia. Reúne todos os livros de poemas publicados pela Flor em vida, bem como aqueles que só se tornaram de conhecimento dos leitores após sua morte.

Como abertura do livro, temos as duas únicas coletâneas de poemas publicadas enquanto a autora era viva: Livro de Mágoas, que eu considero o mais profundo, aquele que me toca como nenhum outro; e Livro de Sóror Saudade, que também traz sonetos que falam com a gente, como se a autora dissesse que sentia exatamente o que sentimos, que compreende nosso coração. Sim, quando falo de poesia eu sou assim sentimental mesmo! E com orgulho!rs

Dos 33 poemas presentes em Livro de Mágoas, dezessete são meus preferidos. Entre eles:

"Este livro é de mágoas. Desgraçados
Que no mundo passais, chorai ao lê-lo!
Somente a vossa dor de Torturados
Pode, talvez, senti-lo... e compreendê-lo."

[Trecho do soneto Este Livro...; página 17]


Já o Livro de Sóror Saudade possui 37 poemas e entre eles tenho como um dos mais queridos:

"A luz desmaia num fulgor d' aurora, 
Diz-nos adeus religiosamente...
E eu que não creio em nada, sou mais crente
Do que em menina, um dia, o fui... outrora...

[Trecho do soneto Anoitecer; página 69]


Os quatro outros livros que fazem parte da antologia só vieram a ser publicados postumamente. Muitos dos poemas que fazem parte deles foram escritos pela autora vários anos antes de ela falecer, mas que por um motivo ou outro acabaram não sendo lançados. Charneca em Flor, por exemplo, ela estava tentando publicar quando sua vida chegou ao fim. Ela morreu aos 36 anos, exatamente no dia do seu aniversário. Charneca em Flor foi publicado meses depois. Ele possui 47 poemas, entre eles tenho como um dos meus favoritos:

"Quem me dirá se, lá no alto, o céu
Também é para o mau, para o perjúrio?
Para onde vai a alma, que morreu?
Queria encontrar Deus! Tanto o procuro!"

[Trecho do soneto Quem Sabe?; página 131]


Os outros livros de poemas da autora, presentes nesta antologia da Martin Claret são: Reliquiae (com 34 poemas); Trocando Olhares que possui 53 poemas e a curiosidade é que muitos deles não são sonetos (regra geral, a autora seguia a estrutura dos sonetos); e O Livro D'Ele, com 31 poemas. De todos os seis, o único que posso dizer que não gosto tanto assim é justamente este último. Do Livro D'Ele eu só tenho um poema que amei, mas ironicamente é um dos meus preferidos de toda a obra poética da autora:

"Versos! Versos! Sei lá o que são versos...
Pedaços de sorriso, branca espuma, 
Gargalhadas de luz, cantos dispersos.
Ou pétalas que caem uma a uma..."

[Trecho do soneto Versos; página 298]


Eu recomendo muito, muito, muito esta antologia! Porém, os poemas da Flor são quase sempre melancólicos, carregados de sentimentos intensos, de dor, de angústia... são como montanha-russa, ora você encontra versos cheios de alegria, ora cheios de lágrimas (na maior parte das vezes falam de sofrimento ou saudade). Como sinto uma forte conexão com a escrita da autora, com a maioria dos seus versos, eles acabam provocando sentimentos positivos em mim, me consolam, me acalmam... Mas não posso afirmar que você sentirá o mesmo ao lê-los, claro.

O que quero muito é conhecer os contos da autora. Sim! Ela não escreveu apenas poesia. Ficou mais conhecida por conta delas, mas também é autora de contos. E ainda não li nenhum. Preciso corrigir isso logo! :D



-> DLL 20: Um livro de autor português



25 de fevereiro de 2020

Inferno (A Divina Comédia) - Dante Alighieri


Literatura Italiana
Título Original: La Divina Commedia - Inferno
Tradutor: Italo Eugenio Mauro
Editora 34
Edição de: 2017
Páginas: 232 
11ª leitura de 2020
A Divina Comédia - 1ª Parte

Sinopse: A meio do caminho, ou seja, da duração expectável de sua vida, Dante, consciente de se haver desviado do reto procedimento, encontra-se perdido numa alegórica "Selva Escura". Encontra aí a figura de Virgílio, o poeta latino que, a pedido da alma beata de Beatriz, o grande amor da juventude de Dante, vem se lhe oferecer como guia para o Inferno e o Purgatório onde, pelo exemplo dos pecadores e de suas penas, Dante poderá encontrar o caminho da sua salvação. Dante aceita, e os dois iniciam sua viagem. Antes da entrada para o Inferno eles passam por seu Vestíbulo: o "Limbo", onde não há castigo, porém a possibilidade de salvação, que abriga as almas dos infantes falecidos antes da instituição do batismo e alguns grandes personagens do passado anterior a Cristo. O Inferno, que eles então adentram, é constituído por uma imensa cratera escavada nas profundezas do globo terrestre na queda do corpo do anjo rebelde expulso do Paraíso. Começa nas proximidades da "selva selvagem" essa ampla cratera e vai se afinando até o centro da Terra onde se encontra o próprio Lúcifer que aí tem o encargo de Rei do Inferno.




Não tem como alguém passar por esta vida sem nunca ter ouvido alguma referência ao inferno de Dante. Por diversas vezes vi pessoas dizerem que tal coisa era "dantesca", que tal horror lembrava o inferno do autor, além de ter visto muitas menções a um famoso livro chamado A Divina Comédia. Só que eu demorei muito tempo para perceber que o inferno dantesco tinha ligação com esse tal livro, sendo na verdade "Inferno" nada mais, nada menos que o primeiro volume de A Divina Comédia, um dos maiores clássicos da literatura mundial. Clássico este que muitas pessoas passam a vida toda estudando (para terem uma ideia do peso desse livro!). 

Houve menções deste livro até mesmo nas aulas que assisti antes da minha Crisma, algo que me deixou muito curiosa, aumentando o desejo que eu já tinha de conhecer a obra. Mas quando surgiu o desejo de ler essa trilogia? A culpa foi toda do Dan Brown! Sim! Embora existam "pseudointelectuais" que torcem o nariz para os best-sellers, considerando-os literatura "inferior" por serem livros populares, tais livros muitas vezes nos despertam para os clássicos, conseguindo o que muitos professores lutam para despertar em seus alunos e não conseguem, vez que há aquela ideia de que clássicos são "chatos". A saga Crepúsculo é um belo exemplo, já que fez muita gente desejar loucamente conhecer livros como O Morro dos Ventos Uivantes, Romeu e Julieta, Orgulho e Preconceito, isto porque estou citando apenas alguns. Muitos foram os livros contemporâneos que me fizeram ansiar por mergulhar em histórias que nunca antes eu sequer tinha cogitado ler. O Inferno de Dan Brown fez exatamente isso comigo: me deixou louca para conferir a grande obra que não serviu apenas de inspiração para o livro do autor, mas guiou a história do início ao fim. 

20 de janeiro de 2020

Mensagem - Fernando Pessoa

Literatura Portuguesa
Editora: Novo Século
Edição de: 2018
Páginas: 79

4ª leitura de 2020

Sinopse: Obra repleta de símbolos enigmáticos, Mensagem é um mergulho no passado de Portugal por meio de alusões míticas que compõem o período de glória marítimo e o de declínio que a nação transpirava na época em que o livro foi escrito. Em tom muitas vezes apoteótico, Fernando Pessoa busca um sentido que explique a ascensão e a decadência de sua terra natal. 
Mensagem é o único livro do poeta editado em vida, e nos põe em contato com poemas sublimes em sua forma e conteúdo. Nele vemos, sobretudo, emergir a importância da memória do mito e da memória coletiva. 





Eu ouvi falar deste autor praticamente a minha vida toda, mas nunca antes tive a oportunidade de conhecer suas obras. Somente no final de 2018 ao receber um cartão presente de uma amiga é que resolvi aproveitá-lo para adquirir o box com três livros do autor, pois morria de vontade de ler, sobretudo, o Livro do Desassossego

Mensagem, publicado originalmente em 1934, é um dos livros que fazem parte do box e por ser o mais curto decidi começar por ele.rs O que não foi necessariamente uma boa ideia

"Os Deuses vendem quando dão.
Compra-se a glória com desgraça.
Ai dos felizes, porque são 
Só o que passa!"

Dividida em três partes (Brasão, Mar português, O encoberto) esta é uma coletânea de poemas com um forte nacionalismo, que relembra antigas glórias portuguesas e lamenta a sua decadência. E é aí que surge o problema: para compreender todos o simbolismo presente na obra e as menções a antigos reis e heróis nacionais é preciso possuir certo conhecimento da História de Portugal, buscar lá na memória coisas que talvez tenha aprendido na escola, sendo que da maioria delas é possível que, na realidade, nunca sequer tenha ouvido falar. 

"Volve a nós teu rosto sério,
Princesa do Santo Graal, 
Humano ventre do Império, 
Madrinha de Portugal!"

Foram poucos os nomes mencionados nos poemas dos quais eu consegui lembrar de ter aprendido algo muitos anos atrás, nas aulas de história. A maioria dos nomes nada significou para mim, por não saber nada sobre eles, mas é perceptível que para o autor significavam muito. 

Apesar de sentir falta de saber mais da história de Portugal para entender melhor o livro, isso não me impediu de ser impactada por alguns versos, além de o ar saudoso do autor ao relembrar o período dos descobrimentos, ter me levado de volta à sala de aula, quando eu ficava sentada escrevendo o que o professor ditava, com uma grande vontade de aprender. Faz tanto tempo que não sou aquela criança tão inocente, que passava a maior parte do tempo estudando, imaginando e sonhando, que a nostalgia dos poemas do autor realmente me deixaram nostálgica também.

" 'Screvo meu livro à beira-mágoa. 
Meu coração não tem que ter. 
Tenho meus olhos quentes de água. 
Só tu, Senhor, me dás viver."

Esta é uma coletânea de poemas bem curtinha, nesta edição possui apenas 79 páginas, e dá para ler em mais ou menos uma hora, até menos, e seria uma leitura bem fácil se não fosse todo o simbolismo e história do país que exigem de nós leitores uma pesquisa mais profunda para entender de verdade cada um dos poemas. 

Como um todo, foi uma leitura válida e apreciei a escrita do autor, tão cheia de sentimentos e amor por seu país. Apreciei como uma porta de entrada para as tantas obras dele. O próximo livro que lerei do autor, sem dúvidas, será o Livro do desassossego, para assim mergulhar um pouco mais nas profundezas dessa alma artística. 

"Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem, 
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro. 
Ó Portugal, hoje és nevoeiro..."


-> DLL 20: Um livro de poesia

23 de dezembro de 2019

O que o Sol faz com as Flores - Rupi Kaur


Título Original: The sun and her flowers
Tradutora: Ana Guadalupe
Editora: Planeta
Edição de: 2018
Páginas: 256

Sinopse: o que o sol faz com as flores é uma coletânea de poemas arrebatadores sobre crescimento e cura. ancestralidade e honrar as raízes. expatriação e o amadurecimento até encontrar um lar dentro de você. 
organizado em cinco partes e ilustrado por rupi kaur, o livro percorre uma extraordinária jornada dividida em murchar, cair, enraizar, crescer, florescer. uma celebração do amor em todas as suas formas.


Desde que li Outros jeitos de usar a boca desejei mergulhar em outros textos da autora, tão tocantes, profundos, que atingem um ponto especial dentro de nós. E logo adquiri O que o sol faz com as flores

por que será 
que só quando uma história acaba
a gente começa a sentir cada página [Página 54]

Seguindo mais ou menos a mesma estrutura do livro anterior, O que o sol faz com as flores é dividido em cinco partes: murchar, cair, enraizar, crescer, florescer. Em cada uma delas encontramos poemas que "conversam" com a gente, que nos dão choques de realidade, tocam em feridas, mexem em temas que às vezes preferimos evitar, verdades que queremos ignorar. 

sim
é possível
odiar e amar alguém 
ao mesmo tempo
é o que faço comigo mesma
todo dia [Página 101]

Falando de diversos assuntos diferentes, e de certa forma interligados, a autora, com toda a delicadeza e simplicidade, típicas de seus textos (por mais diretos e crus que alguns sejam, há sempre aquela delicadeza marcante, que passa por toda sua escrita), trata de depressão, perda, términos, dependência emocional, amor-próprio, aceitação, imigração, família, feminismo, recomeços, filhos, natureza... são muitos os temas e até mesmo aqueles que menos esperamos mexem com algo em nós. 

a forma como você fala de si mesma
a forma como você se humilha
até ficar minúscula
é abuso [Página 103]

São poemas/textos que me tocaram muito, alguns me fizeram fechar o livro e ficar pensando por longos minutos em assuntos que eu própria tento não encarar para "fugir" de certas dores. Existem poemas dolorosos aqui, que nos machucam, mas o que predomina neste livro é o amor. A autora nos chama a nos aceitarmos, para aprendermos a nos amarmos como somos, nos libertando da prisão na qual a sociedade tenta nos fechar, que percebamos que juntas as mulheres podem muito mais do que poderiam fazer sozinhas, que não precisamos competir, que não temos que ser inimigas. 

o que pode ser mais forte
que o coração da gente
que se quebra em tantas partes
e ainda bate [Página 109]

São belíssimos os poemas dedicados à mãe, à família. Foram os que mais me emocionaram, que fizeram meus olhos se encherem de lágrimas. Os sacrifícios de uma mãe, de um pai, buscando dar um futuro aos filhos em terra estranha, num lugar desconhecido onde não tinham nada e precisavam recomeçar do zero. 

minha mãe sacrificou seus sonhos
para que eu sonhasse [Página 148]

Há um poema neste livro do qual transborda um amor lindíssimo, de uma filha por sua mãe. Ela se pergunta, ou melhor, pergunta aos céus, se seria possível, se ela implorasse, que quando sua mãe morresse sua alma pudesse regressar num bebê que ela gerasse. Que a alma de sua mãe retornasse num filho seu, para que ela pudesse recompensar tudo o que sua mãe fez por ela. Eu chorei com este poema. Me tocou especialmente.

É um livro que recomendo sem pensar duas vezes. Depois de uma leitura tão pesada como A Rosa Branca, eu precisava MUITO de um livro que me fizesse sentir mais leve, mais tranquila... em paz. 

2 de setembro de 2019

Tardes de Maio - Carmen O.

Literatura Brasileira
Editora: Novo Século
Edição de: 2017
Páginas: 240
Selo: Talentos da Literatura Brasileira

Sinopse: Tardes de Maio é um livro que conta de maneira suave, seja "cronificando" ou poetizando, a vida/morte das pessoas nos seus momentos mais caros. O que poderia ser mais significativo do que os instantes finais daqueles que amamos? Como você se imaginaria vivenciando um processo de entrega e desprendimento da vida? O que mudaria para você? Sua vida faria mais sentido? São essas questões que nos permeiam e nunca temos tempo (ou temos medo) para refletir. A vida nos é dada para momentos de pura beleza e significado. A morte, também. Carmen O. nos apresenta uma miscelânea de crônicas e poemas de uma forma leve e solta. Palavras jogadas ao vento para que cheguem ao coração de cada um que estiver disposto a sentir.



Já experimentou ler um livro simplesmente por ler? Não porque é do seu gênero ou autor preferido. Não porque foi publicado por aquela editora que ama. Ou porque foi fortemente recomendado por um amigo ou alguém com gostos literários parecidos. Não porque todo mundo estava lendo e falando do livro. Mas sim ler simplesmente por ler. Uma história da qual nunca ouviu falar. Recomendada por ninguém. De um autor que você nunca leu. Apenas deixar o livro te escolher. Foi o que eu fiz. 

Tardes de Maio me escolheu numa feira de livros. Existiam vários livros conhecidos, histórias que já me foram indicadas, que eram famosas e tudo o mais. Porém, naquele dia em particular, meu estado emocional pedia por algo diferente. Não queria livro famoso. Não queria história que estivesse na minha lista de desejados. Eu queria apenas deixar que algum livro "falasse comigo". Foi quando a capa dele chamou a minha atenção. Não sabia quem era Carmen O. e ninguém nunca tinha me recomendado o livro. Ele estava embalado, então, não tinha como folheá-lo, mas li a sinopse e foi o suficiente para confirmar as minhas suspeitas de que Tardes de Maio estava me chamando, querendo que o trouxesse para casa, que lhe desse uma chance. Eu não podia decepcioná-lo. Afinal de contas, não é todo dia que um livro escolhe você.rs 

14 de abril de 2019

Poemas Escolhidos - Emily Dickinson

Seleção e tradução dos poemas: Ivo Bender
Editora: Folha de São Paulo
Edição de: 2017
Páginas: 104
Coleção Folha Mulheres na Literatura #2
Sinopse: Nascida em Amherst, nos arredores de Boston e numa das regiões mais puritanas dos EUA, Emily Dickinson passou praticamente metade da vida em reclusão autoimposta. Quando a escritora morreu, em 1886, aos 55 anos, sua irmã encontrou em seu quarto alguns cadernos que, costurados à mão, continham mais de 1.700 poemas, dos quais apenas uma dezena havia sido publicada em vida por Dickinson - e, ainda assim, sob anonimato. Desde então, sucessivas edições de sua obra fizeram com que ela atingisse o epicentro da poesia norte-americana, ao lado de Walt Whitman. Da mesma maneira, os poemas amorosos misteriosamente intensos dessa ermitã alimentaram a lenda de que seriam dirigidos a uma paixão secreta (supostamente, o pastor Charles Wadsworth). Pouco importam, porém, os eventuais traços biográficos que porventura estejam por trás dessa poesia, em que o sentimento de um vazio essencial sublima seus temas recorrentes - natureza, amor, solidão, fé e morte - por meio de profundidade reflexiva e complexidade linguística prodigiosas.    [Manuel da Costa Pinto - Crítico literário e colunista da Folha]



Eu não sabia praticamente nada sobre esta poetisa antes de começar a ler o livro. Lembrava vagamente de já ter visto pessoas mencionarem seus escritos, mas nunca tinha parado para prestar atenção, para querer conhecê-la. Foi só porque comprei o livro da Clarice Lispector (Perto do Coração Selvagem) que este livro veio parar nas minhas mãos, uma vez que na compra do anterior a pessoa ganhava o Poemas Escolhidos, da Emily Dickinson.

29 de setembro de 2018

O Vento da Noite - Emily Brontë

(Tradução de: Lúcio Cardoso
Editora: Civilização Brasileira
Edição de: 2016)

Único livro no país que reúne exclusivamente a poesia de Emily Brontë - mais conhecida como a autora de O morro dos ventos uivantes -, este volume traz 33 poemas da escritora inglesa. 

Publicado no Brasil originalmente em 1944, como parte da primorosa Coleção Rubáiyát, da editora José Olympio, O vento da noite, traduzido por Lúcio Cardoso, retorna em edição bilíngue pela Civilização Brasileira. 

É uma bela oportunidade de reviver o encontro entre dois grandes nomes da literatura e de observar as especificidades que permeiam os processos de criação do autor e do tradutor - uma relação marcada pela sensibilidade, intimidade, escuta e delicadeza.



Palavras de uma leitora...



- Quem aqui ainda não sabe que um dos meus livros preferidos é O Morro dos Ventos Uivantes? E que já o li quatro ou cinco vezes (começo a perder a conta)? Minha mais recente releitura aconteceu alguns meses atrás durante o projeto Leitura Coletiva e foi uma experiência única. Sinto muitas saudades das conversas, das discussões sobre a história, de todas as impressões partilhadas, de ouvir a música inspirada no livro, de falar sobre os filmes também. Enfim... Foi tudo maravilhoso! E gostaria de voltar no tempo para reviver tudo. Suspiros...

E foi justamente no período da leitura coletiva que eu soube por uma das leitoras que a Emily Brontë também tinha poemas publicados e que existia a possibilidade de eu encontrá-los traduzidos. Eu fiquei louca para conhecê-los, pois vocês sabem que a Emily só escreveu um romance e sua vida foi muito curta. Ela morreu pouco tempo depois da publicação de O morro dos ventos uivantes e nem chegou a ver o sucesso que sua história faria, após a rejeição inicial da sociedade da época. Em muitos aspectos eu me identifico com ela. Quanto mais a conheço, procuro saber de sua vida, mais sinto que seríamos boas amigas se tivéssemos nos conhecido.rs Eu viajo toda vez que ouço a música, muitas vezes volto ao livro para reler meus trechos mais amados. Respiro essa história. Portanto vir a ler seus poemas era inevitável. Destino. :D

A Lauren Harris, que também participou da leitura com a gente, compartilhou algum tempo atrás um vídeo de uma canção chamada Lullaby, inspirada em um dos poemas da Emily. E achei a letra tão linda, mas tão linda que soube que não suportaria passar muito tempo longe dos escritos da minha autora. E fui à procura dos poemas.kkkkkkkkk... 

Assim descobri o livro O Vento da Noite, que não fazia a menor ideia que tinha sido publicado aqui. Consegui uma baita promoção na Americanas e hoje o tenho em destaque na minha estante. Um livro que abraço, beijo, aperto forte. E muitas vezes imagino a Emily escrevendo... consigo vê-la sentada com os pensamentos longe... tentando voar. 



Lullaby (é o poema da Emily cantado)
Música de Aylona


- Este poema faz parte da coletânea O Vento da Noite? Não!kkkkkkk... Confesso que eu fiquei triste quando percebi que não o encontraria neste livro, mas logo pensei nos 33 outros poemas que tinha a oportunidade de ler e me vi de novo emocionada por ter o privilégio de conhecer um pouco mais de uma autora tão querida. De sentir um pouco do que ela tentou transmitir com suas palavras. E foi maravilhoso! Simplesmente perfeito! Amei todos os poemas, embora tenha sim os meus preferidos. Aqueles que me impactaram. Que me atingiram com força, sobretudo num determinado dia em que eu era só lágrimas. Que tinha perdido um pouco da minha esperança, da vontade de insistir. 

"Diante de mim a noite se torna mais escura, 
As rajadas do vento são mais frias e selvagens. 
E eu, aprisionada a este sortilégio, 
Não posso mais partir. " [Trecho de A noite se torna mais escura...]

- A Emily gostava das rimas em seus versos, mas quando os mesmos foram traduzidos pelo Lúcio Cardoso ele optou por abrir mão delas para manter a essência dos poemas. Sua maior preocupação era conectar-se com os poemas e retirar deles o que a Emily queria dizer e que se traduzidos ao pé da letra para o português talvez não passassem a mesma emoção. Mas para aqueles que não gostam dessa espécie de tradução que é chamada de "tradução livre" não precisam ficar preocupados: os textos são integrais no idioma original, ou seja, de um lado você tem o texto em inglês do jeito que ela escreveu e do outro a tradução do Lúcio. :)

Eu compreendo bem o que o tradutor fez. Não entendo nada de inglês, mas de espanhol sim. E muitas vezes quando quero traduzir um trecho emocionante de um livro para uma pessoa tenho a necessidade de não fazer a tradução literal, de escolher outras palavras por saber que a magia se perderia com a tradução. 

"As lágrimas me perseguiam até em sonhos, 
A noite como o dia me enchia de terror." [Trecho de Agora está acabado]

- Se eu já me sentia próxima da autora lendo O morro dos ventos uivantes e vivendo cada momento com os personagens maior foi essa sensação ao ler seus poemas. Eu me sentia realmente transportada para o momento em que ela estava escrevendo e me pegava refletindo em como a vida é misteriosa. Duzentos anos atrás, no dia 30 de julho de 1818, a Emily nascia. E no dia 19 de dezembro de 1848 seu coração parou de bater, com apenas trinta anos. Em 1994 eu nasci, cento e quarenta e seis anos após a morte dela. Nunca nos conhecemos, cerca de um século e meio nos separa, mas suas palavras são importantíssimas para mim. Me provocam um bem que ela nem poderia imaginar. Os escritos dela a eternizaram, mas nunca poderei dizer isso para ela. Porque a história dela terminou muito tempo antes da minha começar. :(

"Qual o destino que te pode aguardar, 
Não quero, não ouso dizê-lo." [Trecho de A noite brilhante do infinito]

- A escrita da Emily era muito intensa e seus poemas falam sobre diversos momentos de nossa própria existência. Falam de infância e a saudade deixada, da juventude perdida, da amizade esquecida, de família, de amores, de tristeza, solidão, morte. Sim, os poemas dela tem aquele tom dos da Florbela Espanca (outra poetisa que amo), aquele ar sombrio, nostálgico. Mas suas palavras nos atingem em algum ponto necessário. Pelo menos, foi assim comigo. As coisas das quais ela fala... eu sei o que é sentir boa parte delas. 

"Lanço-me de joelhos nesta fria pedra,
E convido ao adeus os sentimentos passados;
Deixo contigo minhas lágrimas e minhas penas, 
Para voltar apressadamente às coisas deste mundo." [Trecho de Oh! Não me retenhas]

- É uma coletânea que deixa aquele gostinho de quero mais, sabe. E realmente existe mais. Eu queria que O Vento da Noite reunisse todos os poemas da Emily, mas infelizmente não foi assim. Espero ter a chance de encontrar os outros na internet. Sei que irei relê-los muitas vezes ao longo da minha vida. Sobretudo quando estiver triste, necessitando sentir que alguém me compreende. E sei que a Emily sim.rs

"E eu sentia meu coração, angústia de meus olhos, 
Abandonar-se de repente à doçura de um sonho. 
Tremia à ideia de saber seu nome,
E no entanto eu me inclinava e esperava sua voz, 
Esta voz que eu jamais tinha ouvido, 
Que me falava docemente dos antigos anos, 
E parecia despertar uma imagem longínqua. 
Lágrimas subiam, e queimavam os meus olhos." [Trecho de Onde pois estavas tu]

- Quando chegamos ao último poema desta coletânea, poema esse intitulado Minha alma não teme coisa alguma, temos uma mensagem da Charlotte Brontë, irmã mais velha da Emily e escritora como ela, na qual ela diz: "Estes versos foram os últimos que minha irmã Emily escreveu." E vocês podem ter uma ideia da tristeza que senti nesse momento. :( 

É um livro que eu recomendo a todos os fãs da autora e também aqueles que mesmo não conhecendo sua obra são apaixonados por poesia. Vale muito a pena dar uma chance a esses versos. São incríveis! Eu me apaixonei por quase todos.rsrs
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