11 de dezembro de 2020

A Sociedade Literária e a Torta de Casca de Batata - Mary Ann Shaffer e Annie Barrows


Literatura norte-americana
Título Original: The Guernsey Literary and Potato Peel Pie Society 
Tradutora: Léa Viveiros de Castro
Editora: Rocco
Edição de: 2009
Páginas:304

 69ª leitura de 2020 (60ª resenha do ano)

Sinopse: Janeiro de 1946: enquanto Londres deixa para trás a sombria realidade da Segunda Guerra Mundial, a escritora Juliet Ashton busca um novo tema para seu próximo livro. Quem poderia imaginar que o encontraria na carta enviada por um homem desconhecido?


Morador da longínqua Guernsey, ilha britânica ocupada pelos nazistas durante a guerra, Dawsey Adams havia se deparado com o nome de Juliet na folha de rosto de Seleção de ensaios de Elia. Foi assim que decidiu corresponder-se com a autora. Talvez ela o ajudasse a encontrar mais livros do ensaísta romântico Charles Lamb. 


Tem início, assim, uma correspondência intensa: na troca de cartas, Juliet toma conhecimento da Sociedade Literária de Guernsey, formada por Dawsey e seus amigos. De criadores de porcos a frenólogos, eles decidiram que um clube de livro seria o melhor álibi para não serem capturados pelos alemães. 


Nas cartas que recebe de Dawsey e, depois, dos outros membros da sociedade, Juliet passa a conhecer a ilha, o gosto literário de cada um e uma famosa receita de torta de casca de batata, além do impacto transformador que a recente Ocupação alemã teve na vida de todos. Cativada por suas histórias, ela parte para Guernsey, e o que lá encontra irá transformá-la para sempre. 


Escrito com senso de humor e delicadeza, este romance epistolar é uma celebração da palavra escrita em todas as suas formas. 



É sempre mais difícil falar de um livro que se torna um favorito do nosso coração. Parece que as palavras simplesmente somem, escapam, e não sabemos como expressar o imenso amor que sentimos por uma história, a forma como ela nos atingiu e nos arrancou muitas lágrimas e sorrisos... assim, bem misturado mesmo. Em alguns momentos eu realmente ria e chorava ao mesmo tempo. 


Histórias que possuem como tema a Segunda Guerra Mundial sempre são dolorosas, ainda que o escritor tente contar as coisas de forma mais leve, apelando para o humor para tornar menos pesados certos acontecimentos. Ainda assim, essas histórias machucam. Abrem feridas não totalmente cicatrizadas dentro de nós que nunca esquecemos o passado podre da humanidade. É o mesmo que se passa com livros que falam da escravidão, das ditaduras e diversas outras barbaridades que mancham de sangue o nosso mundo, que nós seres humanos insistimos em destruir ao mesmo tempo que destruímos uns aos outros. A Mary Ann Shaffer tenta muito tornar sua história bem leve, com muito humor, e embora eu tenha rido bastante com algumas cenas, eu também chorei muito. E o que mais me marcou neste livro foi justamente isso: o sofrimento que os personagens, por mais otimistas e corajosos que fossem, jamais seriam capazes de esquecer. Como um trecho do livro bem diz: "A guerra agora faz parte da história de nossas vidas, e não há como esquecê-la." 


Eu não vou fazer um resumo muito grande do livro, pois a sinopse é bastante completa e te dá uma clara noção do que encontrará na história. Aqui temos um início bem parecido com o de Querida Sue (outro livro que me arrancou muitas lágrimas), quando há uma troca de cartas entre um leitor e uma escritora que nunca tinham se visto na vida, mas que se conectam através das palavras escritas como se fossem amigos de longa data. 


Juliet, uma jovem escritora e jornalista de trinta e dois anos, não sabia sobre o que escrever agora que a guerra havia acabado e ela estava cansada da série de histórias que a tinha tornado famosa, mas que não lhe dava tanto prazer assim. Queria falar de algo diferente, mais profundo. Sua vida estava um tanto bagunçada, pois pouco antes do fim da guerra, seu apartamento foi bombardeado e ela perdeu tudo o que ali tinha, incluindo os livros que tanto amava. Mas o que lhe acontecera não era nada comparado com o que milhões de pessoas enfrentaram durante aquela sangrenta e desesperadora guerra. 


"Mas a verdade é que estou deprimida - mais deprimida do que jamais estive durante a guerra. Tudo está tão destruído, Sophie: as ruas, os prédios, as pessoas. Particularmente as pessoas."

 

A vida sem perspectiva de Juliet muda quando ela começa a se corresponder com Dawsey Adams, um morador das Ilhas do Canal, local invadido e ocupado pelos nazistas durante a guerra, cujos habitantes sentiram de perto o terror de conviver com os inimigos. Dawsey havia encontrado um antigo livro que tinha pertencido a Juliet (seu nome e seu antigo endereço estavam na contracapa), então ele lhe escreve para lhe pedir o favor de indicar alguma livraria em Londres, que pudesse lhe enviar mais livros do autor, pois embora os nazistas tivessem partido, já não existiam mais livrarias em Guernsey.


Através da troca de cartas, Juliet fica sabendo sobre a Sociedade Literária e Torta de Casca de Batata de Guernsey e a forma como ela surgiu. Assim, acaba decidindo escrever sobre os membros daquela sociedade e como a literatura desempenhou um papel importante para tornar mais suportável os cinco anos em que estiveram sob o domínio do exército nazista. As cartas que antes trocava apenas com Dawsey, se tornam ainda mais significativas quando diversos outros moradores de Guernsey passam a lhe escrever e compartilhar suas experiências de leitura e de vida. Não demora para que ela se sinta parte daquele lugar e deseje conhecer pessoalmente aquelas pessoas que já sentia serem suas amigas. 


E é assim que a narrativa é construída: por meio de cartas. Trata-se, portanto, de um romance epistolar, no qual a autora (e sua sobrinha Annie Barrows, que foi quem finalizou o livro, pois a tia adoeceu pouco antes de concluí-lo) mostra todo o seu talento. Sempre considerei a narrativa epistolar algo sensacional e muito difícil de funcionar se o autor não souber o que está fazendo. Tem que ter talento e tomar muito cuidado para não se perder e tornar a história algo sem nexo. Felizmente, as autoras fizeram um excelente trabalho, nos proporcionando uma leitura emocionante, fazendo com que nós leitores também nos sentíssemos parte de Guernsey e da vida dos personagens. Eu desejei muito me mudar para lá.rs Mas só se pudesse conhecer Dawsey, Amelia, Isola, Eli e seu avô, e a pequena Kit, o que é impossível, já que são todos fictícios (esta é a parte ruim da leitura, querermos que os personagens sejam reais). 


Os membros da sociedade literária de Guernsey são muito diferentes uns dos outros e a maioria não tinha o hábito de ler. Eles tinham se reunido uma noite para comer um porco que tinham conseguido esconder dos nazistas. Era um período muito difícil, em que havia pouco o comer, em que tudo faltava. Acontece que após o excelente e raro jantar, alguns deles acabaram sendo parados pelos soldados inimigos (tinham violado o toque de recolher) e Elizabeth, com bastante coragem, inventou a mentira sobre uma reunião literária e que tão distraídos com os livros acabaram não percebendo o tempo passar. Era uma mentira difícil de "colar", mas contra todas as probabilidades funcionou. Então, Elizabeth resolveu tornar a mentira real e fundou a sociedade literária. Algo que se tornou um refúgio para aquelas pessoas, que viram na literatura uma chance de escapar, mesmo que por poucas horas, do horror da guerra.


"Nós nos agarramos aos livros e aos nossos amigos; eles nos faziam lembrar que havia um outro lado em nós. Elizabeth costumava recitar um poema. Não me lembro dele todo, mas começava assim: 'Será algo tão insignificante ter apreciado o sol, ter se alegrado na primavera, ter amado, ter pensado, ter feito, ter cultivado amizades verdadeiras?' Não é. Eu espero que, onde quer que esteja, ela se lembre disso."

 

Eu não consigo falar da Elizabeth sem chorar. E não posso dar spoiler. Portanto, não me verão mencionando muito sobre ela. Só digo que é a personagem que mais me marcou neste livro. Aquela que tornou a leitura tão especial, tão emocionante. 


Como eu disse, o livro tem uma narrativa leve, divertida, que nos arranca sorrisos e até gargalhadas. Mas também não nos poupa das realidades brutais da guerra e é impossível segurar as lágrimas diante de certas lembranças dos personagens. Sentimos dor e sentimos ódio. Uma vontade enorme de matar aquelas pessoas cruéis, dignas de serem chamadas de monstros e que destruíram tantas vidas. 


O livro fala de literatura, amizade, recomeço, fé, esperança... bondade. Amor em suas mais diversas formas. Mas também fala de fome, perdas, tortura, desaparecimentos e assassinatos. Não dá para falar de Segunda Guerra Mundial sem mencionar toda essa dor. 


A história termina de forma engraçada e bonita, mas considerei um final tão abrupto! Eu cheguei a dar um grito aqui, chocada. Falei: "Não! Não acredito que elas terminaram o livro assim!"kkkkkk Fiquei frustrada?! Com certeza! Esperava um final diferente. Mesmo assim, isso em nada diminuiu o imenso amor que sinto por esta história. É uma querida do meu coração. 


P.S.: Eu pensei em assistir o filme baseado no livro, mas antes resolvi ver o trailer. Resultado: não gostei. Pelo trailer já percebi que fizeram várias mudanças, inclusive na personalidade dos personagens. E isso me fez tomar a decisão de não ver o filme. 



4 de dezembro de 2020

A Soma de Todos os Beijos - Julia Quinn


Literatura norte-americana
Título Original: The Sum of All Kisses
Tradutoras: Ana Rodrigues e Maria Clara de Biase
Editora: Arqueiro
Edição de: 2017
Páginas: 272
Quarteto Smythe-Smith - Livro 3

68ª leitura de 2020 (59ª resenha do ano)

Sinopse: Um brilhante matemático pode controlar tudo… A não ser que um dia exagere na bebida a ponto de desafiar o amigo para um duelo. Desde que quebrou essa regra de ouro, Hugh Prentice vive com as consequências daquela noite: uma perna aleijada e os olhares de reprovação de toda a sociedade. Não que ele se importe com o que pensam dele. Ou pelo menos com o que a maioria pensa, porque a bela Sarah Pleinsworth está começando a incomodá-lo. 


Lady Sarah nunca foi descrita como uma pessoa contida… Na verdade, a palavra que mais usam em relação a ela é “dramática” – seguida de perto por “teimosa”. Mas Sarah faz tudo guiada pelo bom coração. Até mesmo deixar bem claro para Hugh Prentice que ele quase destruiu sua família naquele bendito duelo e que ela jamais poderá perdoá-lo. 


Mas, ao serem forçados a passar uma semana na companhia um do outro, eles percebem que nem sempre convém confiar em primeiras impressões. E, quando um beijo leva a outro, e mais outro, e ainda outro, o matemático pode perder a conta e a donzela pode, pela primeira vez, ficar sem palavras. 

 


Mais de um ano se passou desde que li o segundo livro desta série. Com tantos livros para ler e tantos desafios dos quais resolvi participar (risos), algumas séries acabaram ficando incompletas e estou considerando ter como meta principal finalizá-las nos próximos meses. Vamos ver se consigo!rsrs

Em Uma Noite Como Esta, segundo livro do Quarteto Smythe-Smith, conhecemos a apaixonante história de Anne e Daniel e até agora segue sendo minha história preferida da série! Nela ficamos sabendo da grande besteira que Daniel e seu amigo Hugh fizeram, ao brigarem durante um jogo (quando ambos tinham bebido demais) e resolvido duelar. Nenhum dos dois tinha intenção de realmente atirar no outro, mas Hugh se distraiu e a arma disparou, atingindo o ombro de Daniel. Este, por sua vez, em choque, também deixou a arma disparar, mas o resultado foi mais dramático: o tiro atingiu a perna de Hugh, deixando-o à beira da morte por hemorragia e danificando para sempre a perna lesionada. 

Como Daniel teve o azar do pai do Hugh ser um homem completamente desequilibrado, teve que fugir do país, pois o indivíduo jurou que não descansaria enquanto não o matasse. Mesmo longe da Inglaterra e de sua família amada, Daniel vivia constantemente em perigo, pois o pai de Hugh era tão louco que mandou assassinos atrás dele. Sim, o mocinho da história anterior viveu grandes aventuras.rs

Uma Noite como Esta inicia com o retorno de Daniel, depois que Hugh vai atrás dele e diz que já não há necessidade para ele seguir fugindo, que conseguiu convencer o pai a parar com a perseguição. É quando ele conhece Anne, que também possuía seu próprio passado dramático e também estava fugindo. O amor surge de forma intensa e incontrolável. Só sabiam que precisavam ficar juntos, não importando diferença de classe social (Anne era governanta das primas de Daniel) ou os perigos que os ameaçavam. A história é linda, linda, linda! Minha preferida sem pensar duas vezes!

Então... Em A Soma de Todos os Beijos, conhecemos mais profundamente o Hugh, que marcou presença no livro anterior, e Sarah, prima de Daniel e de Honoria (esta aqui é a protagonista do primeiro livro). Os acontecimentos da outra história repercutem nesta, pois o pai do protagonista segue vivo e sendo louco, bem como Hugh ainda não conseguiu se perdoar por ter dado início a toda essa perturbação na vida do amigo... Do mesmo modo, Sarah, que é muito próxima dos primos e também foi atingida pelas consequências do duelo, não está disposta a facilitar a vida dele, pois jurou que jamais o perdoaria e faria questão de fazê-lo sentir todo o remorso merecido pela m*rda que vez. 

Sabe aquela coisa de inimigos que se apaixonam?!rsrs Sarah e Hugh não são exatamente inimigos, mas quase isso.kkkkk... Dramática como as mocinhas das minhas amadas novelas mexicanas (eu ri tanto com ela!), no seu primeiro encontro com o Hugh após o duelo, ela deixou mais do que claro o quanto a existência dele era um prejuízo para todo ser humano. E como ele tinha destruído a vida dela. É um encontro muito engraçado e depois disso, ambos chegaram à conclusão de que se odiavam profundamente. E preferiam ignorar a existência um do outro. 

Ocorre que com a volta de Daniel e seu iminente casamento com Anne, Sarah é obrigada a estabelecer uma relação "agradável" (ou fingir) com Hugh, pois seu primo e ele recuperaram a amizade perdida e todos querem que o mocinho se sinta bem durante os eventos que antecedem o casamento dos protagonistas do segundo livro. Honoria, então, encarrega Sarah de fazer companhia para o Hugh.kkkkkkkkkk Claro que ela não sabia que os dois quase tinham se matado meses antes, mas... Enfim...rs É óbvio que isso não dará muito certo.... Os dois correrão sérios riscos de se apaixonar! :D

Eu confesso que estava com muitas saudades das histórias da Julia Quinn! Porque mesmo contendo alguns dramas, são histórias leves, divertidas, do tipo que nos deixam sorrindo. Eu estava irritada com o fato da Arqueiro publicar um livro da autora atrás do outro (ainda estou irritada), pois isso acaba provocando uma overdose de histórias dela, o que pode fazer o leitor enjoar e isso não é desejado. Mas o que decidi é que eu própria vou controlar as doses que leio dos livros dela.kkkkkkkk... Depois deste aqui vou ler o quarto (e último) da série, mas darei um intervalo de alguns meses antes de finalizar a leitura de uma outra série dela que está em aberto no blog: a série Os Rokesbys (li os dois primeiros e preciso ler os demais). Justamente porque amo a autora e não quero de modo algum enjoar dos livros dela. Por isso, é saudável dar um tempo entre as histórias. 

Mas voltemos à Sarah e ao Hugh, os inimigos que irão se apaixonar.rs Eu me diverti muito com esses dois, em alguns momentos chegava a gargalhar e isso me fez bem. Todavia, nem tudo são rosas... existem os espinhos, claro. Que se manifestam na culpa que o Hugh sente, a tristeza por não ser mais o mesmo homem de antes (não pode andar normalmente e sim mancando, não pode dançar, cavalgar, carregar uma mulher no colo etc) e ainda o psicopata do pai dele, que deveria estar na prisão e não circulando normalmente entre as pessoas. 

O casal terá que enfrentar alguns problemas para ficarem juntos, mas queridos, este é um livro da Julia Quinn! Final feliz garantido! Não importa o que aconteça, o casal sempre é feliz no final. A autora ama os seus leitores.rs Não quer que fiquemos em lágrimas ao fechar um livro dela. 

Eu não tenho nada a criticar no livro. Mas existiu sim uma coisa que me impediu de dar cinco estrelas e favoritá-lo. Achei que demorou muito para o casal ter uma conexão maior, que a história ficou tempo demais girando em torno do passado e das reservas deles e foram poucas páginas de real aproximação. O final é maravilhoso, mas o fato de tantas páginas terem sido perdidas na história sem que fossem dedicadas a momentos deles dois juntos, me fez tirar uma estrela. :( O que de modo algum torna a história ruim. É linda e divertida. Sarah e Hugh nos conquistam por completo e torcemos muito pelos dois. 

Foi muito bom reencontrar a Honoria e o Marcus, bem como meu casal querido: Anne e Daniel. Esta série é preciosa e já sinto uma certa tristeza, pois o próximo livro é o último.


-> DLL 20: Um livro de capa azul


Quarteto Smythe-Smith

1- Simplesmente o Paraíso (Honoria e Marcus)
2- Uma Noite como Esta (Anne e Daniel)
3- A Soma de Todos os Beijos (Sarah e Hugh)
4- Os Mistérios de Sir Richard (Iris e Richard)


26 de novembro de 2020

Legado de Lágrimas - Lynne Graham


Literatura Irlandesa 
Título Original: Claimed for the Leonelli Legacy
Editora: Harlequin
Edição de: 2018
Páginas: 125 (e-book)

67ª leitura de 2020 (58ª resenha do ano)

Sinopse: Una chica inocente… Tia Grayson no había salido nunca del convento brasileño en el que vivía, hasta que Max Leonelli fue a buscarla con la sorprendente noticia de que era la heredera de una gran fortuna en Inglaterra, y la hizo arder de deseo con tan solo tocarla.


Un multimillonario… El abuelo de Tia quería casar a su protegida con su heredero, pero Max no era de los que se casaban. Hasta que la belleza de Tia hizo que reconsiderase su decisión.

¿Y un bebé? Max debía llevar a Tia a casa, pero la atracción era tan fuerte entre ambos que no pudieron resistirse a una noche de placer. La posibilidad de que esa noche hubiese tenido consecuencias dio a Max la oportunidad perfecta de convencer a Tia de que se casase con él.



Não sei se rio ou choro, sinceramente!rs Creio que não foi lá uma boa ideia ter apostado nesta história... 

Ao longo dos meus anos como leitora, li todos os livros da Lynne Graham já publicados no Brasil (o que é muita, muita coisa!!!) e até mesmo alguns que não chegaram aqui. É uma das minhas autoras preferidas, mas seus livros, para quem bem os conhece, não são fáceis. O machismo reina na maioria das obras e a vontade que sentimos é de esganar os mocinhos, bem como certos parentes das mocinhas. Existem ocasiões em que desejamos esganar as mocinhas também por serem tão tapadas, tão imbecis ao permitirem que os outros façam delas o que bem quiserem. 

E por que amo tanto a autora se existem tantas coisas que me incomodam em suas obras?! Talvez por loucura, masoquismo ou algo do gênero.rsrs A verdade é que ela escreve muitíssimo bem e é uma daquelas escritoras que mexem bastante com nossas emoções durante a leitura ao ponto de, querendo ou não, "viciarmos" em suas obras.rs E do mesmo jeito que sabe criar ogros, ela também, QUANDO QUER, cria mocinhos maravilhosos, que nos chocam por serem tão diferentes do "padrão" de "mocinhos-vilões" da autora. 

Mas... Creio que alguma coisa mudou em mim. Antes, ao ler romances, eu conseguia separar ficção da realidade com uma facilidade enorme. Por mais que desprezasse certas atitudes dos personagens (não só os da autora, mas de livros de outros autores também) e dissesse isso com todas as letras nas resenhas (explodindo com frequência e até exagerando na minha fúria ao escrever), eu era capaz de separar. De não trazer com frequência para a realidade situações que algumas vezes "funcionam" na ficção, mas que jamais poderiam ser aceitáveis na vida real. Sempre considerei que o leitor tem que saber separar as coisas, quando isso é possível, quando não é um exercício intolerável para a experiêcia de leitura. 

Acontece que existem coisas que não dá mais para separar. E, infelizmente, isso atinge as obras da Lynne Graham, autora por quem sempre terei um carinho enorme. A vida inteira a amarei, porque ela escreve muito bem, me envolve, mexe com minhas emoções, me faz "enxergar" seus personagens e me conectar com eles mesmo em histórias que possuem menos de duzentas páginas. Só que... Não consigo mais tolerar atitudes machistas de seus personagens sendo consideradas "normais" e sendo sempre as mocinhas aquelas que precisam ceder para "serem felizes para sempre". 

São elas que precisam recuar, compreender, desistir de seus sonhos... tudo para satisfazer o machismo dos mocinhos que amam, tudo em nome da felicidade. Quando começamos a notar isso (pois existem vezes que ficamos tão envolvidas pelo "romance" que nem percebemos os absurdos das histórias) a leitura deixa de ser algo prazeroso, o romance deixa de nos fascinar... Eu, pelo menos, passo a me sentir "sufocada" ao notar a quantidade de opressão que as mocinhas suportam e aceitam como se só aceitando pudessem ser felizes. E é exatamente isso que encontramos em Legado de Lágrimas, livro que até onde eu sei ainda não foi publicado no Brasil. Ele está disponível em espanhol na Amazon, no formato e-book. 

Esta resenha terá SPOILER. A partir de agora!
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Em Legado de Lágrimas temos a história de Constancia (Tia) Grayson, uma jovem de vinte e dois anos que passou a vida inteira trancada num convento e que mesmo depois de adulta permanece sob a proteção de seus muros, pois não conhece outra realidade de vida, não possui recursos ou apoio para sair dali e realizar o sonho de ser professora, de fazer uma graduação e conquistar a independência que tanto desejava. 

Abandonada pela mãe ainda pequena, teve o azar de ser criada por um pai extremamente machista e insensível que quis ser missionário e "ajudar os outros", enquanto deixava a filha na segurança do convento, de onde não queria que ela saísse jamais. Seu objetivo era que a filha se tornasse freira, que se mantivesse pura para sempre, tivesse ou não vocação. Os sonhos dela não lhe importavam. Ela como ser humano não lhe interessava de modo algum.

Todavia, para mudar o destino da protagonista, existia um avô paterno que por mais de duas décadas fingiu que ela não existia, mas que ao se ver com pouco tempo de vida "se lembra" da existência dela e decide mandar que a procurem e a levem para morar com ele, com a promessa de que ela herdaria toda sua fortuna, o que era seu direito como única parente viva (o pai da mocinha tinha falecido). Ele, então, pede que seja Max, seu braço direito nos negócios, quem busque Tia e de preferência dê um jeito de convencê-la rapidamente a se casar com ele, pois como ela era uma mulher e que ainda por cima passou a vida inteira trancada, os negócios estariam ameaçados se ela herdasse tudo sem ser casada, sem ter alguém que cuidasse dela e de seus bens. 

Max Leonelli era um homem de vinte e oito anos com um passado traumático e que aos doze ou treze anos de idade foi adotado pela tia materna, após um acontecimento brutal, e passou a morar na propriedade do avô de Tia. Embora não morasse na casa principal, mas sim no alojamento dos funcionários, Andrew pagou pelos seus estudos e mesmo depois de adulto e de conquistar sua própria fortuna com muito esforço e sacrifícios, ele continuava a se sentir em dívida com aquele homem, o que será seu principal motivo para ceder quando Andrew pede que ele venha até o Brasil (onde ficava o convento em que Tia estava) para buscar sua neta. 

Ao se conhecerem, Tia e Max sentem atração à primeira vista. Ela nunca tinha tido contato com rapazes de sua idade, muito menos com um homem tão lindo e confiante, tão dono de si e que parecia dominar qualquer ambiente no qual estivesse. Era tudo uma novidade para ela e foi natural ceder à atração que ele despertou. Max, por sua vez, fica fascinado por conta da imensa beleza da mocinha. Em questão de poucas horas estão envolvidos e em poucos dias já são marido e mulher e de viagem marcada para a Inglaterra, onde a nova fase da vida da mocinha terá início... Tudo da maneira mais rápida... Como se estivessem na Fórmula 1. 

Vou desconsiderar o pai da mocinha, que é o machista mais óbvio do livro e que, felizmente, não precisamos aguentar, pois quando a história começa ele já está descansando em paz. Não falarei dele, pois pelo que mencionei acima já dá para perceber o caráter da criatura que a Tia teve o azar de ter como pai. 

O livro já começa nos provocando asco com a conversa entre Andrew (avô da protagonista) e o Max, quando dá para notar que o único interesse do "zeloso" avô pela neta há tanto tempo esquecida, é a questão do sangue, de querer que alguém do seu sangue fique com o império que ele construiu. Ele não a vê como um ser humano capaz, alguém que possa aprender a administrar o que vai herdar nem nada. Na verdade, ele nem quer isso, pois ela é mulher. Ele quer que o Max a seduza e se case com ela, o que seria fácil (ele dá a entender), pois a jovem cresceu no convento, enquanto Max tinha bastante experiência. Assim, através do casamento, sua neta seria "protegida" do mundo e seus bens estariam sob o controle de Max. Mas até aí, em nossa ingenuidade como leitores, nós acreditamos que Tia realmente vai herdar o que é seu direito, por mais que o avô fizesse aquele acordo nojento com o mocinho. Só que... na leitura do testamento percebemos até onde aquele avô era capaz de ir em seu comportamento repugnante. 

Sim, já adianto que ele não deixará praticamente nada para a neta, apenas uma de suas casas e o dinheiro suficiente para a manutenção da referida propriedade. Casa esta que ela sequer poderá vender, pois deverá ficar para os seus filhos. Todos os demais bens ficam para o Max, numa clara tentativa de manter a mocinha constantemente sob o controle de um homem: primeiro do pai, depois do avô e por último do Max. Ela não teria nada que o Max não quisesse, exceto a casa, claro! E mesmo que ocorresse um divórcio, o testamento autorizava que o Max decidisse o que ela teria ou não após a separação. Tudo estaria nas mãos dele, pois Tia tinha sido entregue aos seus cuidados. 

Mas voltemos ao casamento relâmpago e a desistência, por parte da mocinha, dos seus sonhos, que não incluíam casamento e maternidade. Pelo menos num futuro próximo. A autora deixa claro que Tia queria independência, queria experimentar a liberdade que nunca teve. Que não pensava em se casar e nem ter filhos tão cedo. Mas aí o mocinho a seduz e "esquece" de usar preservativo. Ele nunca antes na vida tinha esquecido, nem mesmo quando adolescente!!! Mas aí com a mocinha ele teve amnésia, se esqueceu, coitadinho, de usar camisinha. Não foi sua culpa, claro que não! E aí imediatamente ele DECIDE que eles têm que se casar, e bem rápido, pois a mocinha pode ter ficado grávida. E aí não podemos esquecer que a garota em questão, apesar de ter vinte e dois anos, não conhecia nada da vida. Obviamente ela não usava anticoncepcional e se viu diante de uma situação que com certeza a assustou, que era a possibilidade de ficar grávida e sozinha no mundo se não aceitasse a "generosa" oferta de casamento. Claro que ela não pensou em contraceptivo de emergência (a chamada pílula do dia seguinte), pois nunca sequer tinha ouvido falar disso. Ou seja, tudo cooperava para o bem do mocinho.

Tia não fica animada com a ideia de casamento e gravidez, pois isso ia contra o que ela sonhava para sua vida naquele momento, ainda mais considerando que seria um casamento com um desconhecido. O que ela sabia do Max? Nada. Mas ela acaba se casando, com medo de ficar sozinha com um bebê. Ela até sugere que eles esperem um tempo, para ver se ela realmente ficou grávida, e assim talvez fosse desnecessário se casar. Mas o Max vem com a desculpa que seria uma DECEPÇÃO para o avô dela se eles tivessem que se casar quando todos pudessem fazer as contas e perceber que ela engravidou antes do casamento. Mocinha criada no convento, lembram? Religião, costumes, tudo era importante para ela. E apelar para isso era uma ótima forma de convencê-la a tudo que ele quisesse. 

E claro que as coisas não serão um mar de rosas para a mocinha. Porque quando de fato ela descobrir que está grávida, poucos meses depois do casamento, a reação do Max será péssima. Como se ela o tivesse colocado numa armadilha (sim, ele é muito engraçadinho, não acham?!), já que ele não quer ser pai. O apoio que ela deveria receber não chega. É como se ela fosse culpada da gravidez, como se a responsabilidade fosse unicamente dela. E tudo isso por causa dos traumas do passado dele. Que sim, são fortes. Realmente ele teve uma infância de horror, mas a mocinha não tinha nada a ver com isso, nem o bebê que ela esperava. Enfim...

Quando percebemos o quanto este livro é problemático não conseguimos sequer enxergar o romance, o amor entre os personagens. Não acreditei no amor deles. Não acreditei no dela porque ela foi levada ao casamento, porque em tudo foi muito bem manipulada. E não houve momento naquela relação desigual e confusa no qual pudesse ter surgido o amor. Nem trabalhar ela podia porque era algo que desagradaria o marido. Quando ela menciona que quer trabalhar, ele já trata de deixar "no ar" (mas não de maneira explícita) o quanto ficaria decepcionado com aquilo e a mocinha recua, diz para si mesma que está apenas adiando por um tempo... E da parte dele também não pude acreditar, pois suas atitudes não falavam de amor. Ele "cuidava" dela, nunca a maltratou, nem física ou psicologicamente. Nada era explícito. Nem mesmo a acusação sobre a gravidez foi explícita. Foram seus olhares, sua evidente "decepção". Seu silêncio, seu afastamento. Ao ponto da mocinha fugir, com medo de ter que criar uma criança num lar em que teria uma constante "tensão", onde a criança sempre sentiria que existia algo errado, embora não ficasse claro o quê. 

Não contarei como o livro termina, mas posso dizer que não, a mocinha não irá conquistar a independência que sonhou. Recuar, ceder... É o que sempre acontece nestes casos para que a mocinha tenha o seu "felizes para sempre". É a mocinha quem abre mão de tudo para agradar o mocinho. Não consigo mais enxergar romance em algo assim. Não consigo mais deixar "passar" tantos absurdos. Mesmo que ame a autora, mesmo que seja uma escritora muito querida por mim.

Recomendo a história?! Claro que não. A escrita da Lynne é maravilhosa, a história é envolvente se você deixa "passar" tudo o que mencionei. Mas não tenho como recomendar um livro que fez eu me sentir sufocada, que lamentei profundamente por tudo o que a mocinha aceitou. Quando minha vontade era dizer que ela não precisava daquele tipo de relação para ser feliz. Que estava na hora de não permitir mais que homem algum tomasse decisões por ela. Que não deveria voltar para ele, muito menos quando ele deixou claro que tudo continuaria sendo do jeito dele. 

Os romances, as histórias de amor, sempre serão o meu gênero preferido, pois sou uma eterna romântica e amo demais estes livros cheios de paixão, que me arrebatam e encantam! Mas... histórias absurdas como Legado de Lágrimas eu dispenso. Não quero ler livros assim, não. Nem para passar raiva!rs


-> DLL 20: Do seu gênero favorito

11 de novembro de 2020

Fique Comigo - Ayòbámi Adébáyò


Literatura Nigeriana
Tradutora: Marina Vargas
Tradução de: Stay with me
Editora: Harper Collins 
Edição de: 2018
Páginas: 240

66ª leitura de 2020 (57ª resenha do ano)

Sinopse: Finalista do Baileys Women’s Prize for Fiction, este romance de estreia inesquecível ambientado na Nigéria dá voz a marido e esposa enquanto eles contam a história de seu casamento ― e as forças que ameaçam destruí-lo.

Yejide e Akin se apaixonaram na faculdade e logo se casaram. Apesar de muitos terem esperado que Akin tivesse várias esposas, ele e Yejide sempre concordaram que o marido não seria poligâmico. Porém, após quatro anos de casamento ― e de se consultar com médicos especialistas em fertilidade e curandeiros, tomar chás estranhos e buscar outras curas improváveis ―, Yejide não consegue engravidar. Ela está certa de que ainda há tempo, mas então a família do marido aparece na sua casa com uma jovem moça que eles apresentam como a segunda esposa de Akin. Furiosa, chocada e lívida de ciúmes, Yejide sabe que o único modo de salvar seu casamento é engravidar. O que, enfim, ela consegue ― mas a um custo muito maior do que poderia ter imaginado. 

Um romance eletrizante e de enorme poder emocional, Fique comigo não apenas debate as questões familiares da sociedade nigeriana, como também demostra com realismo as mazelas e as dificuldades políticas enfrentadas pela população desse país nos anos 1980. No entanto, acima de tudo, o livro faz a pergunta: o quanto estamos dispostos a sacrificar em nome da nossa família?



Ela sempre desejou ser amada... Ter alguém que procuraria por ela se desaparecesse... Que sentiria a sua falta, que se importaria. Filha da segunda esposa de seu pai, que era polígamo e teve quatro ou cinco esposas aos mesmo tempo, mesmo numa família grande Yejide se sentia sozinha, uma intrusa dentro do seu próprio lar e tendo como único "aliado" apenas um pai que insistia em fazê-la recordar que seu nascimento lhe arrancara o grande amor da vida dele. 

Tendo perdido a mãe logo ao nascer, Yejide nunca conseguiu chamar nenhuma de suas madrastas de mãe, sabia que era desprezada por todas elas, que seus próprios meio-irmãos eram ensinados a excluí-la, a fazê-la se sentir sozinha. Pelas costas do pai sempre a tratavam muito mal e tudo o que ela mais desejava era fugir daquela vida. Em seu coração ainda acreditava que teria sua própria família. Que conheceria um homem que se contentaria em ter somente a ela como esposa, que juntos teriam três, quatro filhos e seriam muito felizes. Era o seu sonho. Sua esperança. 

"As coisas que importam estão dentro de mim, encerradas em meu peito como em um túmulo, onde permanecerão para sempre, meu baú de tesouros sepultados."

Ela o conheceu quando estava na faculdade. Como suas madrastas e todo o resto da família acreditavam que ela seria uma fracassada, que nunca conseguiria nada, Yejide lutou para cursar a faculdade. Como a viam como uma "perdida", ela decidiu que se casaria virgem. Sua existência se baseava em provar aos outros que ela não seria o que eles queriam. E Akin se mostrou compreensivo desde o primeiro instante. Eles se apaixonaram praticamente à primeira vista. Ela já tinha sido beijada por outros rapazes, mas somente os beijos dele a atingiam, a faziam sentir coisas que nunca antes experimentara. Ao seu lado ela se sentia amada. Era possível partilhar todos os seus segredos e inseguranças, seus sonhos e medos. 

Em pouco tempo estavam casados. Tudo era perfeito. Ela tinha sua profissão e ele também era bem-sucedido. Tinham seu lar, eram compatíveis de muitas formas e se divertiam com as tentativas de seus parentes de interferirem em suas vidas. Eram cúmplices, verdadeiros companheiros... pelo menos era nisso que Yejide acreditava. Foi nisso que ela acreditou por quatro anos. Que ninguém seria capaz de separá-los, que não existiam segredos entre os dois, que sempre poderia confiar no homem com quem se casara. Isso até aquela mulher ser levada até sua casa e apresentada como a segunda esposa de Akin.

"Hoje digo a mim mesma que foi por isso que me esforcei para aceitar cada nova humilhação: para ter alguém que procurasse por mim caso eu desaparecesse." 

O golpe foi forte demais. O choque, a descrença, a angústia... Não. Akin jamais teria a coragem de fazer aquilo com ela. Ele sabia o que ela tinha passado na infância, como odiava a poligamia, que não se casaria com um homem que quisesse ter mais de uma esposa. Ele sabia. Então, não podia ser verdade. Akin não poderia ter se casado com outra mulher, muito menos pelas suas costas. Devia ser uma brincadeira. Uma piada de mau gosto. 

Mas era verdade. De um momento para o outro, a vida de Yejide vira um inferno. Tudo o que ela dava como certo desmorona. Ela lutava desde o início do seu casamento para poder engravidar. Tinha tentado de tudo e os exames diziam que não havia nada de errado em seu corpo, que nada a impedia de engravidar. Então, embora sofresse por ainda não ter conseguido dar um filho a Akin, nunca passou pela sua cabeça que ele buscaria outra mulher. Que apenas por ela não ter engravidado nos quatro primeiros anos de casamento, ele se acharia no direito de quebrar todas as promessas e traí-la daquela forma. E o pior era vê-lo agindo como se tudo estivesse bem. Como se o que fez fosse algo absolutamente normal e aceitável. Como se ela não tivesse motivos para se sentir traída e em pedaços. 

"Não me sentiria melhor durante muito tempo. Já estava me desfazendo, como um lenço amarrado às pressas que se afrouxa e cai no chão antes que o dono perceba."

No entanto, mesmo destroçada ela ainda o amava. E precisava salvar seu casamento. A única maneira de impedir que a segunda esposa roubasse de maneira definitiva o homem que ela escolhera para estar ao seu lado por toda a vida... era engravidar. Ela precisava dar-lhe um filho. Deus teria piedade dela. Ele lhe daria o seu milagre, o seu bebê. Desistir não era uma opção. Ela salvaria seu casamento. 

Apenas lembrar deste livro já me deixa péssima. Com um aperto no peito, uma angústia enorme. Me arrependo muito de tê-lo lido, confesso. Preferia nunca ter conhecido esta história. Nunca ter mergulhado na dor da Yejide e em toda a violência que é cometida contra ela. 

Não. Não darei spoiler. Dizer que a protagonsta sofre violência em diversos níveis não é spoiler. Vocês precisariam ler para compreender, pois as coisas não são explícitas. E a autora cria um drama tão forte, "pinta" alguns personagens como pobres coitados que se "sacrificavam" por amor, que somente com muita atenção é que conseguimos perceber a violência... em suas mais diversas formas. Eu chorei muito com e pela Yejide. Sua dor atingiu um ponto vulnerável dentro de mim, de alguma maneira me identifiquei com ela... com sua solidão, seu desejo de ser amada e a traição que ela sofre daqueles que deveriam protegê-la. Em muitos momentos eu desejei sacudi-la, fazê-la acordar, parar de acreditar que as pessoas mudariam, que ainda era possível salvar o que estava perdido desde o começo. O sofrimento dela me marcou demais. Sinto como se eu própria mergulhasse num abismo quando recordo tudo o que se passou neste livro. É uma história que me fez muito mal. Que me deixou apenas dor. E por isso eu preferia nem ter lido. 

"Quando o fardo é pesado demais e o carregamos por muito tempo, até mesmo o amor se verga, racha, fica prestes a se despedaçar, e às vezes se despedaça de fato."

Já li muitos livros pesados, de fazer os olhos ficarem inchados de tanto chorar, mas a maioria deles, como O Caçador de Pipas e Corações Feridos, por exemplo, me deixou algo de bom, mesmo no meio de todo o inferno que os personagens viveram. São livros que me acrescentaram de alguma maneira, que me deixaram lições, que mesmo me fazendo mal também me fizeram bem. Fique Comigo não me deixou nada de positivo. Eu fiquei depressiva depois de concluir a leitura, chorando de um jeito como se eu própria tivesse sentido tudo no lugar da protagonista. Fiquei péssima, com um mal estar muito forte, como se estivesse ficando doente. Cheguei a decidir que não faria resenha, que não suportaria sequer falar deste livro. Mas mudei de ideia hoje, pois desde que terminei de lê-lo não consigo me concentrar em nenhum outro livro. Então, resolvi fazer a resenha na tentativa de me libertar um pouco da Yejide, da sua dor e todos os acontecimentos de sua vida. 

A história é contada em forma de carta. Na verdade, não são cartas trocadas entre os personagens nem nada, mas a narrativa nos faz sentir como se os protagonistas Yejide e Akin estivessem escrevendo um para o outro, entende? Eles estão contando a história deles para nós leitores, mas a sensação que fica é que estão falando um com o outro, que é algo particular, íntimo, que nos exclui. Em alguns momentos, também parece uma conversa com eles mesmos. Sabe quando falamos sozinhos?rsrs Ou quando escrevemos num diário, confessando coisas para nós mesmos. É uma narrativa diferente. Bem íntima e muito intensa. Mergulhamos profundamente nos sentimentos dos protagonistas, como se estivéssemos passando por tudo aquilo. Quer dizer... Mergulhamos nos sentimentos da Yejide. Nos do Akin, não. Sobre este personagem me recuso a falar senão vou começar a explodir aqui e não conseguirei parar. Apenas digo isso: eu o odeio. Com todas as minhas forças. 

"Talvez, quando pedimos ao Senhor que nos livre do mal, estejamos na verdade pedindo que nos livre de nós mesmos."

O livro começa pelo ano de 2008 e o que é narrado neste início nos confunde e preocupa. Já começamos a leitura em tensão, imaginando o que aconteceu para que as coisas chegassem àquele ponto. Então, logo em seguida a autora nos leva ao ano de 1985 para nos contar o que deu errado, para nos contar a história dos dois do ponto de vista deles. 

É uma história que nos rouba a energia. Eram dementadores, certo? Os monstros que provocavam pavor no Harry Potter? Que tiravam a felicidade e deixavam somente escuridão e desespero. É meio assim que me sentia enquanto lia este livro. Que ele estava me roubando o ânimo, a alegria e deixando somente dor. Só isso já mostra o talento da autora. Porque um autor conseguir envolver tanto assim os leitores é muito difícil. Não é qualquer autor que consegue fazer você sentir tanto assim uma história. 

Mas mesmo reconhecendo o talento da autora, a escrita maravilhosa e envolvente, vai demorar muito até eu ter coragem de ler outra história dela. Não quero ficar tão destroçada como fiquei com este livro. Tudo o que quero agora é conseguir esquecer que o li. Mas já sei que será impossível. 



-> DLL 20: Um livro de autor africano



3 de novembro de 2020

Frankenstein - Mary Shelley



Literatura Inglesa
Título Original: Frankenstein, or, The Modern Prometheus
Tradutor: Christian Schwartz
Editora: Penguin & Companhia das Letras
Edição de: 2015
Páginas: 424

62ª leitura de 2020 (56ª resenha do ano)

Sinopse: O arrepiante romance gótico de Mary Shelley foi concebido quando a autora tinha apenas dezoito anos. A história, que se tornaria a mais célebre ficção de horror, continua sendo uma incursão devastadora pelos limites da invenção humana. Obcecado pela criação da vida, Victor Frankenstein saqueia cemitérios em busca de materiais para construir um novo ser. Mas, quando ganha vida, a estranha criatura é rejeitada por Frankenstein e lança-se com afinco à destruição de seu criador. Este volume inclui todas as revisões feitas por Mary Shelley, uma introdução da autora e textos críticos de Percy B. Shelley e Ruy Castro. Há ainda um apêndice com textos de Lorde Byron e do dr. John Polidori.



Observe-se que esta leitura consta como a 62ª do ano, mas a de E Não Sobrou Nenhum consta como 63ª. Isso ocorre porque Frankenstein foi minha última leitura de outubro E Não Sobrou Nenhum foi a primeira de novembro.rs Eu só inverti a ordem das resenhas. 

Na resenha do livro da Agatha Christie (resenha aqui) eu comentei que recentemente tinha lido dois livros nos quais existiam personagens brincando de Deus. No da referida autora era um psicopata que tinha decidido julgar e condenar pessoas por seus pecados, aplicando a pena que ele considerava adequada. Só que se você pensar bem, a crueldade do assassino e seus jogos eram tão doentios, que não era bem "brincar de Deus", mas sim brincar de diabo.

Já em Frankenstein as coisas são bem diferentes. Não se trata de ninguém querendo "fazer justiça" com as próprias mãos, mas sim de um cientista que se considera o máximo, o "escolhido" para descobrir os mistérios da vida e decide que vai criar outro ser humano.... no laboratório. Que vai descobrir o que "dá vida", qual é essa essência que faz um ser humano surgir do nada e "respirar", como Adão, lá no livro de Gênese, na Bíblia Sagrada. Não estou mencionando religião porque sou cristã, mas sim porque o próprio livro vai fazer tais comparações, principalmente quando conhecemos o ponto de vista da Criatura feita por Victor Frankenstein. 

"[...] seguindo as pegadas já deixadas, serei o pioneiro de um novo método, explorarei forças desconhecidas e revelarei ao mundo os mais profundos mistérios da criação."

Só que na Bíblia, Deus criou Adão do pó da terra e "soprou o fôlego da vida em suas narinas, e o homem se tornou ser vivo." (Gênese 2, versículo 7). O Dr. Victor Frankenstein não pretendia criar nenhum novo ser humano do pó da terra, mas sim de restos de cadáveres que ele pegava em cemitérios, por mais horror que sua própria atitude lhe provocasse. Ele queria satisfazer seu desejo pessoal, seu ego, ao conseguir dar vida a alguém, e não lhe importava (naquele momento) que estivesse fazendo seu experimento com restos de corpos de outras pessoas, que tinham vivido e mereciam respeito, que ele estava violando os restos mortais de seus semelhantes. Ele chega a pensar o seguinte, como justificativa para o que estava fazendo: "Para examinar as causas da vida, devemos antes recorrer à morte." E logo através desse egoísmo e loucura do protagonista, percebemos que aquela experiência estava fadada desde o princípio a provocar resultados monstruosos. Que se ele realmente conseguisse dar vida ao que ele estava criando, os resultados seriam os piores possíveis. E que, definitivamente, ele estava mexendo com o que não devia, estava ultrapassando limites, sem ter a capacidade de lidar com as consequências

"O que poderá deter o coração determinado e o desejo resoluto de um homem?"

E eis que ele trabalha loucamente durante dois anos (creio que foram dois anos, já não lembro bem), se tornando irreconhecível para as pessoas ao seu redor, tão focado em seu experimento que já não se importava com nada mais, nem com a família que há muito não recebia notícias suas. Ele então cria um ser mais alto e forte do que qualquer outro ser humano, mais resistente aos climas, com capacidade de ser mais veloz, só que com a aparência de um monstro. Uma aparência capaz de provocar repulsa e pavor em qualquer pessoa. Só que sua criatura ainda não "respirava" e o livro não deixa claro qual é o "segredo da vida" que o Dr. Victor Frankenstein descobriu capaz de fazer alguém começar a respirar, ter vida. Já ouvi falar que em filmes inspirados no livro, isso ocorre através de eletricidade, raios, sei lá.rs Nunca vi nenhum filme sobre esta história, então não sei como é feito nos filmes. Mas no livro, quando eu passei pela cena, não entendi como aconteceu, pela minha leitura da cena eu digo que não ficou claro. Enfim... 

"Depois de dias e noites de esforço e cansaço inimagináveis, logrei descobrir a causa da geração da vida; e, mais importante, tornei-me capaz de reanimar matéria morta."

Depois de muitos esforços, ele finalmente consegue o que tanto queria: sua criação estava viva. Ele tinha se tornado o Criador de um ser humano único (ou algo próximo de um ser humano), tinha realizado o seu sonho. E o que ele faz quando a Criatura abre os olhos e sorri para ele?! Foge desesperado.

Sim, sabíamos desde o princípio que Victor era um covarde, um homem fraco e mimado, acostumado a ter o que queria, mas que não tinha maturidade nenhuma para lidar com suas próprias atitudes. Enquanto sua Criatura ainda não respirava, tudo estava perfeito. Ele estava feliz da vida, todo orgulhoso de si, com a certeza que a faria viver. Mas quando consegue que a Criatura tenha "fôlego de vida", se desespera. Percebe o que fez e foge, deixando à própria sorte o pobre coitado que não pediu para existir. Alguém que embora já fosse tecnicamente "adulto" em tudo era como uma criança inocente, jogada num mundo desconhecido, abandonada pelo pai, pelo seu Criador. É claro que ele iria colher as consequências de suas atitudes, embora pensasse que fugindo e se recusando a encarar o que tinha feito tudo ficaria perfeitamente bem. 

"E tu, no entanto, meu criador, detestas e rejeitas esta tua criatura, à qual tua arte te liga por laços que somente é possível romper pelo aniquilamento de um de nós. Estás disposto a me matar. Como te atreves a brincar assim com a vida?"

E o livro vai girar em torno justamente das consequências do que o Dr. Victor Frankenstein tinha feito, ao brincar de Deus e fugir de suas responsabilidades, abandonando seu "filho", fingindo que ele não existia. A história já começa anos depois, através das cartas trocadas entre um jovem aventureiro chamado Walton e sua irmã Margaret. Durante uma viagem, Walton e sua tripulação acabam encontrando um homem quase morto e o aceitam em seu navio, dando a ele todo o cuidado necessário na tentativa de que ele se recupere. Este homem doente é Victor. Logo, Walton começa a ver o desconhecido como um amigo e os dois se aproximam muito. Tudo isso ficamos sabendo através das cartas que Walton escreve para a irmã. 

Atormentado por seu passado, pelo terror que ele provocou e ao ver no amigo alguém muito parecido com ele em suas ambições de mexer com os mistérios da natureza, Victor decide contar toda a sua história e implora para o amigo não cometer os mesmos erros que ele cometeu. Assim, somos levados ao passado e descobrimos tudo o que aconteceu...

"Lembras que sou tua criatura; deveria ter sido teu Adão, mas parece que acabei como o anjo caído do qual tiraste a felicidade por pecado nenhum."

No trecho acima, um dos que mais me impactou, a criatura, atormentada por toda rejeição sofrida e pela forma como seu próprio criador queria sua morte, faz uma comparação com a história bíblica. Reflete sobre o fato que ele deveria ter sido para Victor como Adão foi para Deus, mas em vez disso acabou condenado como Lúcifer, o anjo caído que se transformou em demônio após ter desejado ser como Deus, ter tentado ocupar o lugar de Deus. Só que a diferença entre a criatura e o anjo caído é que ela não tinha cometido nenhum pecado. É essa injustiça, essa dor que mais machuca a criatura. Saber que não tinha feito nada para merecer a maneira como Victor a tratou e como queria sua destruição.

Claro que não vou contar tudo o que se passou entre criador e criatura porque seria spoiler, mas digo que essa é uma história que se fixa em nós por todas as reflexões que ela provoca, pela revolta que sentimos por todas as injustiças cometidas contra a Criatura e contra outros personagens no livro. A sensação de impotência, de não poder mudar coisas que até nos dias de hoje se repetem, como falhas do Poder Judiciário, preconceitos, descaso, a falta de empatia de muitos... O livro vai ter como tema central as questões referentes a relação entre um criador egoísta e irresponsável e sua criatura abandonada, mas também vai trazer muito da responsabilidade da sociedade pelas pessoas que ela rejeitou. O livro nos faz refletir sobre crianças abandonadas por suas famílias, pessoas humilhadas e seriamente afetadas pela sociedade... Enfim... Nós acabamos pensando em muitos assuntos e o que fica  ao término da leitura é uma sensação de tristeza. É algo parecido com o que sentimos quando lemos Capitães da Areia, do Jorge Amado.

"Tu, que és meu criador, serias capaz de destroçar-me em pedaços, triunfante; lembra disso e então me diz por que deveria eu apiedar-me do homem mais do que ele se apieda de mim?"


A autora aborda a seguinte discusão: é possível alguém nascer bom e ser corrompido pela sociedade? Se tornar cruel a partir da forma como é tratado pelos outros? E ela própria dá a resposta através do desenvolvimento da história: sim, é possível. Depois de apanhar tanto, de só receber ódio e agressão, um ser humano pode sim se revoltar e romper com a bondade que levava no coração e devolver aos outros exatamente o que estava recebendo deles. 

Frankenstein não é um livro de terror, embora seja considerado um. É muito mais um livro filosófico, creio. Uma história com o objetivo de fazer o leitor refletir... parar para pensar em questões sobre existência, injustiças, discriminação, abandono... A Criatura feita por Victor vai fazer várias coisas horríveis que vão sim nos revoltar, mas são as cenas em que ela conta a versão dela, o que se passou depois que foi abandonada por seu Criador, que nos fazem sentir vontade de chorar, que nos atingem a alma. Por uma coisa chamada empatia. Ao nos colocarmos no lugar dela, nos imaginando abandonados à própria sorte e recebendo de TODO MUNDO apenas ódio e violência, conseguimos compreender o que a levou a se tornar o que se tornou. Eu odiei a Criatura?! Sim, a odiei pelas coisas horríveis que ela fez. Mas também sofri muito por tudo o que ela passou. Eu pude compreender sua dor. E meu maior desprezo era pelo Victor e por aqueles que contribuíram para destruir aquela Criatura, destruir sua essência, os sentimentos bons que ela tinha. Eu senti muita tristeza e revolta com esta história. 

É fácil falarmos que não faríamos isso ou aquilo quando não passamos pelo que o outro passou. É muito fácil julgarmos de fora. Falta muito no mundo a capacidade de sentir empatia, de se colocar no lugar do outro. Se as pessoas pensassem mais no seu próximo, se refletissem antes de tomar uma atitude que pode causar mal ao outro, afetar a vida da outra pessoa... O mundo com certeza não seria o caos que é. Não seria um lugar perfeito e livre da maldade, claro. Não sou ingênua. Mas com certeza não seria o que é hoje. 


2 de novembro de 2020

E Não Sobrou Nenhum - Agatha Christie



Literatura Inglesa
Título Original: And Then There Were None
Tradutor: Renato Marques de Oliveira
Editora: Globo
Edição de: 2014
Páginas: 400

63ª leitura de 2020 (55ª resenha do ano)

Sinopse: Uma ilha misteriosa, um poema infantil, dez soldadinhos de porcelana e muito suspense são os ingredientes com que Agatha Christie constrói seu romance mais importante. Na ilha do Soldado, antiga propriedade de um milionário norte-americano, dez pessoas sem nenhuma ligação aparente são confrontadas por uma voz misteriosa com fatos marcantes de seus passados.

Convidados pelo misterioso mr. Owen, nenhum dos presentes tem muita certeza de por que estão ali, a despeito de conjecturas pouco convincentes que os leva a crer que passariam um agradável período de descanso em mordomia. Entretanto, já na primeira noite, o mistério e o suspense se abatem sobre eles e, num instante, todos são suspeitos, todos são vítimas e todos são culpados.

É neste clima de tensão e desconforto que as mortes inexplicáveis começam e, sem comunicação com o continente devido a uma forte tempestade, a estadia transforma-se em um pesadelo. Todos se perguntam: quem é o misterioso anfitrião, mr. Owen? Existe mais alguém na ilha? O assassino pode ser um dos convidados? Que mente ardilosa teria preparado um crime tão complexo? E, sobretudo, por quê?

São essas e outras perguntas que o leitor será desafiado a resolver neste fabuloso romance de Agatha Christie, que envolve os espíritos mais perspicazes num complexo emaranhado de situações, lembranças e acusações na busca deste sagaz assassino. Medo, confinamento e angústia: que o leitor descubra por si mesmo porque E não sobrou nenhum foi eleito o melhor romance policial de todos os tempos.




Uau!!! Pensem num livro simplesmente MARAVILHOSO!!! Em relação à leitura, novembro começou muito bem, com uma história cinco estrelas (mas que merecia MUITO MAIS!!!) e favoritada!!! Eu não imaginava! De modo algum poderia imaginar que E Não Sobrou Nenhum se tornaria o meu livro preferido da Agatha Christie. Depois de ter lido alguns livros dela que me decepcionaram, eu desanimei, acreditando que dificilmente uma outra história que eu viesse a ler da autora conseguiria chegar aos pés de Assassinato no Expresso do Oriente ou O Misterioso Caso de Styles. Todavia, este livro sobre o qual agora escrevo conseguiu superá-los e de maneira brilhante! Que livro!!!

Eu ainda estou um pouco em choque.rsrs Não que o final tenha sido uma completa surpresa, mas ainda assim eu não passei perto de saber como o assassino (quando falo "assassino" não significa que não possa ser uma assassina, ok?) fez tudo ou tive certeza absoluta de quem era ele. Cheguei a suspeitar dessa pessoa, mas fui tola em descartá-la. Todavia, me deixa um tanto feliz ter descoberto uma parte importante do jogo doentio que ele planejou. Pelo menos aquilo eu acertei!kkkkkkkkk

Não sei como falar de um livro tão sensacional como este! Não sei mesmo! Fiquei aqui literalmente de boca aberta, chocada em como o psicopata do livro era inteligente, como estava sempre dez passos a frente, como prendeu todos em sua teia. Foi cruel?! Sim! Mas inegavelmente brilhante. Este é um dos livros mais maravilhosos que já li! Eis um fato!rsrs

Tudo começa com um misterioso convite. Dez pessoas, muito diferentes umas das outras e sem nenhuma aparente conexão, são atraídas até uma ilha conhecida como a Ilha do Soldado, um lugar isolado e perfeito para os planos do assassino. A maioria recebeu uma carta suspostamente escrita por pessoas que a conheciam ou oferecendo uma oportunidade de emprego irrecusável. O juiz Wargrave, por exemplo, recebe uma carta de uma amiga do seu passado, alguém que ele não via há muitos anos, o convidando para passar uns dias na ilha. Vera Claythorne queria muito um emprego melhor (algo que o assassino parecia saber) e recebe uma carta de uma suposta senhora Una Nancy Owen lhe oferecendo uma vaga como secretária. O General Macarthur recebe uma carta de alguém que desejava recordar os velhos tempos; o remetente assinava como Owen. Um casal recebe o convite para trabalhar na ilha, o marido como mordomo e a esposa como cozinheira. E assim prossegue... Cada uma das dez pessoas é atraída de uma maneira diferente, e o remetente nem sempre assinava ou se "apresentava" (através de terceiros) com o mesmo nome. 

Quando todos chegam à ilha ficam um tanto perturbados pela maneira como ela fica no meio do nada, bem afastada do resto da população, sendo impossível sair dali sem um barco... só que não havia nenhum barco ali. Apenas um morador do povoado mais próximo ia até a ilha e levava mantimentos e tudo o que fosse necessário, tendo sido contratado para isso. Foi ele quem transportou todos os hóspedes do suposto senhor Owen. E deveria aparecer toda manhã... o que não acontece

Os hóspedes ficam intrigados ao descobrirem que nenhum dos dez convidados tinha visto o senhor Owen pessoalmente e que alguns nem sequer tinham recebido um convite dele, mas de alguém que assinou com outro nome. Tudo fica mais misterioso quando são comunicados do "atraso" de seu anfitrião, que por um imprevisto ainda não tinha chegado na ilha. 

Logo na primeira noite, após o jantar, uma Voz acusa todos os presentes de crimes do passado. Uma Voz que parecia saber tudo sobre suas vidas... De onde ela estava vindo?! Que absurdo era aquilo?! Uma brincadeira de mau gosto? Sim... Uma brincadeira letal... Um dos dez morre bem diante dos olhos dos outros. Na mesma noite. Imediatamente depois do choque provocado pela voz misteriosa. Teria a pessoa, por algum motivo desconhecido, envenenado a si mesma?! Mas quando um segundo cadáver é encontrado na manhã seguinte, os oito sobreviventes percebem que aquele era um jogo planejado por alguém louco e cruel e que tentar sobreviver era tudo o que poderiam fazer. 

Não havia maneira de escapar da ilha. Quando uma tempestade se aproxima, até mesmo enviar sinais buscando atrair o socorro de alguém se torna impossível. O tempo estava contra eles. A qualquer momento outra morte poderia acontecer. Quem seria o próximo?! Sobraria alguém?! 

Determinados a sobreviverem, eles decidem encontrar o assassino antes que fosse tarde demais. Mas depois de revirarem a ilha inteira (que não era grande e tinha apenas a casa e um pouco de natureza em volta) percebem algo extremamente assustador: não havia ninguém na ilha além dos oito ainda vivos e os dois corpos. O que significava... que o assassino era um dos oito. 

Quem seria?! Quais eram os seus motivos? Desesperados, com medo uns dos outros, os convidados terão que encarar os pecados do seu passado e tentar não pagarem com a própria vida por erros que jamais poderiam consertar. 

Está aí a primeira questão: algo que descobrimos logo no início da história é que ninguém ali era inocente. Todos tinham feito alguma coisa bem grave no passado e tinham escapado impunes. Ou a lei tinha falhado em puni-los ou eram situações que iam além da lei. Mas simplesmente não havia nenhum anjinho entre os convidados, ninguém isento de culpa. Logo, é possível perceber que o assassino (ou assassina) queria se fazer de Deus (é o segundo livro que leio recentemente e que tem alguém brincando de Deus: o outro foi Frankenstein) e sentenciar todos os seus hóspedes à morte. Na verdade, no momento em que foram atraídos até ali eles já estavam sentenciados. Na ilha ocorreria a execução da pena. Sim, todos tinham sido convidados para morrer (por isso que parece que em outros países o livro foi lançado até com o título de Convite para a Morte) e para sobreviver será necessário ser muito mais esperto do que o psicopata. 

Na história existem os suspeitos mais óbvios e aqueles que consideramos capazes de cometer tais crimes, mas não imaginamos como eles poderiam fazer. Ao longo da história vamos descartando muitos deles, até que percebemos uma coisinha que eu tinha deixado passar durante parte da leitura. E que não posso comentar para não correr o risco de dar spoilers. Mas foi ali que acabei descobrindo um dos segredos do final e fiquei muito feliz por isso.kkkkkkk. Já que não acertei quem era o assassino (ou assassina) era um conforto pelo menos ter adivinhado parte do jogo dele, de suas estratégias.rs

A Agatha Christie brinca com a gente como o assassino brinca com suas vítimas. Quando temos certeza de algo percebemos que não temos certeza é de coisa alguma!kkkkkk Vocês sabem como sou exigente com romances policiais e livros de suspense. Que minhas duas leituras recentes do gênero (leituras de outubro) foram completas decepções, histórias que considerei muito fracas e óbvias demais. E existiram livros da própria autora que apenas me entediaram. Então, dá para imaginar minha felicidade ao ler esta obra-prima!!! Um livro tão bem escrito, com uma trama complexa e perfeitamente desenvolvida, com um final capaz de nos deixar chocados. Se fosse possível eu dava muitíssimas mais estrelas à história. O triste é que dificilmente lerei outro livro da autora ou de outros autores do gênero que consiga superar E Não Sobrou Nenhum

Ah! Eu já estava esquecendo! Sabem aquelas cantigas infantis, que passam de geração em geração?! O assassino, que ama jogar com o psicológico de suas vítimas, vai utilizar uma cantiga infantil para dar pistas aos seus convidados de como ocorrerá cada morte. Assustador, não é mesmo? Eu fiquei horrorizada! Toda vez que lia a cantiga (pois precisava voltar sempre nela para tentar adivnhar como seria a próxima morte), eu sentia medo. Nunca antes a tinha escutado, não a conhecia, mas depois deste livro será impossível esquecê-la. Segue um trechinho dela:

"Dez soldadinhos saem para jantar, a fome os move;
Um deles se engasgou, e então sobraram nove.

Nove soldadinhos acordados até tarde, mas nenhum está afoito;
Um deles dormiu demais, e então sobraram oito."

E a cantiga vai até o final que dá título ao livro: E não sobrou nenhum. A cantiga termina com essa frase. E isso nos faz pensar no massacre que vai ser se os oito sobreviventes não conseguirem parar o assassino a tempo (pois conforme o título, a intenção do assassino é que não sobre ninguém). Uma vez que ele já tem preparada para cada um, uma morte "especial", sempre seguindo o passo a passo da cantiga infantil. 

Nem preciso dizer o quanto recomendo esta história, certo? Se você nunca leu nada da Agatha Christie, comece por este livro!!! Eu queria poder voltar no tempo e lê-lo todo outra vez! Comecei a leiura ontem à noite e terminei hoje de manhã, ou seja, levei menos de vinte e quatro horas para concluir a leitura, algo que dificilmente estava ocorrendo até com livros curtinhos. É que eu simplesmente não conseguia parar de ler esta história!

Era para eu estar publicando a resenha de Frankenstein, que foi minha última leitura do mês de outubro, mas ainda nem a escrevi.rs Quando comecei a ler E Não Sobrou Nenhum imaginei que levaria alguns dias para concluir a leitura e nesse meio tempo escreveria a resenha de Frankenstein, mas como terminei o livro rapidamente e precisava muito falar sobre ele, a resenha do outro livro acabou tendo que esperar.rs

Não deixem de ler este livro, queridos!!! Recomendo demais!




-> DLL 20: Um livro policial



 

27 de outubro de 2020

O Fantasma de Canterville - Oscar Wilde



Literatura Irlandesa
Tradutor: J. F. Stacul
Editora: POE
Edição de: 2020
Páginas: 42

60ª leitura de 2020 (54ª resenha do ano)

Sinopse: Oscar Wilde foi um dos principais nomes da literatura mundial, responsável por uma produção literária que refletia sobre a sociedade inglesa do século XIX, a partir de um rico universo ficcional. Em O fantasma de Canterville, o autor desenvolve uma sátira bem humorada da aristocracia inglesa e um debate profícuo sobre as diversidades culturais existentes entre os Estados Unidos e a Inglaterra. Além disso, Wilde reconstrói as narrativas de terror, por meio de uma divertida paródia.




Vocês já devem ter percebido que este mês resolvi fazer leituras mais temáticas, tanto pelo mês das crianças quanto pelo mês das bruxas. E nada melhor do que encerrar o mês com uma boa história sobre fantasmas, né?! (se bem que pretendo, se der tempo, publicar a resenha de Frankenstein no dia 31) Só que esta história de fantasma é um tanto diferente.rs

Aqui não temos um conto com o intuito de assustar o leitor, mas sim fazê-lo rir com uma divertida paródia das típicas histórias de terror. O "terrível" fantasma de Canterville, que durante séculos aterrorizava os moradores daquela propriedade e seus visitantes, acaba provando do próprio veneno quando uma peculiar família americana compra a propriedade, com fantasma e tudo, e não demonstra um pingo de medo das diversas tentativas do perverso de transformar suas vidas num inferno. Pelo contrário! Cansados das "gracinhas" do intruso, eles decidem dar-lhe umas tantas lições. 

O Sr. Otis, um americano de posses, decide comprar Canterville Chase, mesmo contra os conselhos de seus amigos, que achavam aquilo uma grande tolice, já que a propriedade era conhecida por ser assombrada. Na verdade, o antigo dono também tentara deixar claro que existia um fantasma habitando aqueles cômodos e que nem mesmo ele e seus parentes conseguiram viver no local. Mas o Sr. Otis não se importou, pois não tinha medo de coisas sobrenaturais. 

Logo, ele se muda com toda sua família, e o fantasma não demora a começar o seu "trabalho", mas é surpreendido pelo comportamento inacreditável dos novos moradores. Nunca, em todos os seus séculos de morto, tinha sido tão ofendido! Sempre conseguira enlouquecer as pessoas de medo, levando-as muitas vezes à morte, mas agora se via ridicularizado e atormentado, sem saber o que fazer de sua morte e sem ter para onde ir.

O conto é bem engraçado em diversos momentos e somente numa determinada cena sentimos um pouco de tristeza, quando descobrimos as circunstâncias da morte do homem que agora era aquele fantasma. Mas não pensem que ele era um pobre coitado, um inocente injustiçado! Ele tinha sido um homem perverso, que assassinou a própria esposa e depois de alguns anos "desapareceu". Mas mesmo enquanto fantasma, seguia sendo cruel, fazendo as pessoas sofrerem e ficando satisfeito quando conseguia fazê-las se matar ou as levava a completa loucura. 

O final é bem satisfatório, algo que eu não esperava, mas que fazia sentido. A personagem Virgínia, filha do Sr. Otis, no início parece que não terá um papel muito importante na história, mas ela tem destaque nos acontecimentos finais. 

É um conto bem curtinho e que recomendo! Nos traz um outro lado do escritor famoso por sua perturbadora obra O Retrato de Dorian Gray



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