30 de agosto de 2017

Um Artista da Fome e Carta ao Pai - Franz Kafka


... Este volume traz ainda o conto "Um artista da fome", que retrata um protagonista (um arquétipo de Kafka) marginalizado pela sociedade, e "Carta ao pai", obra autobiográfica sobre a relação conturbada do autor com o pai.



Palavras de uma leitora...


- Antes de tudo, não estou pensando direito hoje. Sinto que toda lucidez se afastou temporariamente. Sabe quando você tem a sensação de que uma manada de elefantes passou por cima de você seguida de perto por um trem desgovernado? É bem o que acredito que aconteceu comigo. Em outras palavras: uma gripe terrível me nocauteou. Já não sou a mesma.rs

Sério, gente! Gripe é uma das piores coisas do mundo. Sempre fico muito mal. Ela me pegou em cheio na segunda-feira e desde então não sei o que é respirar direito ou dormir por pelo menos cinco horas. Sem mencionar as marteladas na cabeça por quase todas as vinte e quatro horas do dia. É realmente insuportável. Mas vamos às histórias! 

Kafka de novo, Luna?! Sério isso? Sim, queridos.rs Como a edição que tenho de A Metamorfose vem com um conto e uma carta do mesmo autor, decidi dar uma chance a eles. Um artista da fome apenas confirma as suspeitas que eu tinha de que o autor não jogava com o baralho todo. Ele era bem doido. 

- O protagonista deste conto é um homem com uma profissão bem peculiar: ele é um jejuador. Ganha a vida passando fome. Segundo o que o autor dá a entender, nosso jejuador era de uma época em que tal profissão era valorizada, em que as pessoas se reuniam para admirar a determinação e talento de pessoas de mesmo ofício. Mas, com o passar dos anos, tal profissão foi perdendo espaço, sendo relegada ao esquecimento. 

Todavia, o protagonista não se deixa desanimar pela diminuição do seu público. Embora lhe entristecesse que muitos que antes paravam para assisti-lo, acompanhar os dias de seu jejum, já não aparecessem mais, nada era capaz de fazê-lo desistir. Seguia jejuando, dedicando-se de corpo e alma ao que fazia. Mesmo que muitos o humilhassem, mesmo que seu próprio "chefe" fizesse questão de pisar nele. Era aquilo que ele amava. Era a única coisa que sabia fazer. 

-  Como conseguimos perceber em A Metamorfose, o autor gostava de apelar para a extravagância para transmitir certa mensagem, fazer determinada crítica à sociedade em geral, às estruturas familiares, ao mundo em si. Não sou nenhuma crítica profissional, especialista neste tipo de literatura nem nada. Sou uma leitora normal (um tanto louca, é verdade.rs) e na minha opinião, que pode estar equivocada, o autor quis falar de duas coisas ao mesmo tempo: a hipocrisia e superioridade da sociedade diante dos mais fracos, dos menos favorecidos, de quem ela zombava, às custas de quem se divertia, como se tais pessoas não fossem humanas ou possuíssem sentimentos. E também quis falar das profissões desvalorizadas. De pessoas que dedicavam toda sua vida à determinada arte e não tinham seu valor reconhecido. Profissões que em algum momento foram importantes, mas que acabaram sendo "esquecidas", ficando à sombra de outras que surgiram. O texto nos faz pensar nos próprios escritores que dedicam-se tanto, que passam meses e até mesmo anos escrevendo um livro e que não são reconhecidos, que são sufocados por contratos, editoras e recebem como pagamento a indiferença dos leitores. Escritores que em alguma época foram adorados, mas que depois ninguém mais recordava, por estarem ocupados com outras coisas. E diversas outras profissões que também já tiveram destaque e hoje em dia nem são lembradas mais. O autor, por mais louco que seja o conto, faz com que a gente sinta compaixão do protagonista, que amava o que fazia, não importando que aquilo não tivesse valor para os outros. Ele ficava arrasado com o descaso, com a indiferença, com a sensação de que deixara de ser útil, mas nem isso o fez abandonar sua escolha. 

No fim, numa frase que é preciso ler com muita atenção para entender, ele diz que era jejuador porque não tinha opção. Porque era obrigado àquilo. O motivo? Jamais encontrou uma comida que realmente apreciasse. Que o fizesse desejar parar com o jejum. O que pude entender é que nada nunca o apaixonou como aquela profissão. Nada nunca o tocou. Que se ele tivesse tido a oportunidade de amar outro ofício, não hesitaria em abandonar aquele que era tão ingrato. 

- Carta ao Pai é um texto, realmente uma carta, em que o autor expõe de maneira bastante clara e por vezes chocante a relação complicada que tinha com o pai e que foi responsável pela sua formação como ser humano, como a pessoa que era. Nesta carta, ele fala do medo que o pai lhe provocava, dos maus-tratos, da sensação de ser uma completa decepção para aquele homem que o educava de maneira particular e agressiva. Fala da sensação de inferioridade, da insensibilidade do pai... Da solidão e da perda da capacidade de se comunicar com os outros por conta dos traumas sofridos na infância, por influência daquele que deveria tê-lo preparado para o futuro e não frustrado todas as suas chances. 

São realmente impactantes as palavras do autor. Pelo que pesquisei na internet, ele escreveu essa carta na intenção de entregá-la ao pai, mas nunca chegou a fazê-lo. A carta foi publicada apenas após sua morte, apesar de ter sido escrita por volta do ano de 1919 (Kafka morreu em 1924 e a carta foi publicada em 1952, segundo o que diz a internet). 

"Meus escritos tratavam de ti; neles, lamentava o que não podia lamentar sobre teu peito."

Conforme lemos essa longa e triste carta, é impossível não percebermos como realmente o pai influenciava as obras do autor. Como até mesmo em sua escrita ele não era capaz de libertar-se da influência e das mágoas que carregava desde a infância. A Metamorfose me veio à mente diversas vezes durante a leitura. Kafka, na minha opinião, amava o pai, embora por vezes o odiasse, e tudo o que queria era que aquele homem um dia retribuísse seus sentimentos, que se orgulhasse dele, que fosse o pai que ele sempre tinha desejado e que não encontrou. No lugar disso, era sempre bombardeado por críticas e não suportava o comportamento do pai, sua tirania, sua autoridade e insensibilidade.

Embora diga muitas vezes que não culpa o pai por nada, deixa mais do que claro que o responsabiliza por todos os seus fracassos. Porque a criação, a "educação" que recebeu o marcou de tal forma que ele nunca foi capaz de ir adiante. Tornou-se alguém introspectivo e de baixa autoestima, desejava casar-se e construir a própria família, mas jamais realizou seu sonho, pois até nisso via o pai como um obstáculo. 

É muito evidente que a turbulenta relação do autor com o pai marcou profundamente toda sua vida. E me pergunto se ele encontrou um pouco de paz pelo menos em seus últimos momentos. 

- Bem... É isso, gente! Com esse post encerro o único livro que tenho do autor e que contém A Metamorfose, Um Artista da Fome e Carta ao pai. Kafka é um autor que mexe com a gente, embora eu não tenha amado profundamente nenhuma das suas histórias. Todavia, Um Artista da Fome ficou na minha mente e prefiro este conto à novela A Metamorfose. Talvez, um dia, venha a dar uma chance aos outros escritos do autor. Quem sabe?rsrs

28 de agosto de 2017

A Metamorfose - Franz Kafka

(Título Original: Die Verwandlung
Tradutor: Torrieri Guimarães
Editora: Martin Claret
Edição de: 2012)


Em uma manhã qualquer, ao acordar mais uma vez para o trabalho, o caixeiro-viajante Gregor Samsa percebe que, durante o sono, transformou-se em um inseto com "dorso duro e inúmeras patas". O jovem passa a analisar sua mudança, à primeira vista, de forma prática mas, posteriormente, sua análise torna-se psicológica e densa. 

Em A Metamorfose, Kafka faz uma profunda análise da desesperança e da alienação do homem moderno, imerso num mundo que não consegue compreender. Uma crítica contundente à sociedade, que despreza as diferenças, os enfermos e as pessoas improdutivas.



Palavras de uma leitora...



- Ao fazer o post sobre os Clássicos que já li, falei muito mal de A Metamorfose.rs Tal fato me levou a uma releitura da história, na tentativa de ver se hoje em dia eu enxergaria o livro de outra maneira. E, de certo modo, isso realmente aconteceu. 

"Quando certa manhã Gregor Samsa despertou, depois de um sono intranquilo, achou-se em sua cama convertido em um monstruoso inseto".

Gregor odiava o seu trabalho, mas acostumara-se a levantar bem cedo e trabalhar longas horas para não decepcionar seu chefe e sustentar toda a sua família. Sonhava com o dia em que se libertaria daquele emprego e poderia dedicar-se ao que realmente gostasse, mas a dívida que seus pais tinham para com o seu chefe o condenava àquela situação pelos próximos anos. Algo de que ele não reclamava. Mais do que habituara-se a viver pelos que amava, entregando praticamente todo seu salário a eles e deixando para si uma quantia ínfima. 

"O costume, tanto na família, que recebia agradecida o dinheiro de Gregor, como neste, que o entregava com gosto, fez com que aquela primeira surpresa e primeira alegria não se tornasse a se reproduzir com o mesmo valor". 

Enquanto os três outros integrantes da família ficavam com as pernas para o alto, Gregor carregava sobre as costas o peso das responsabilidades por aquela família, desculpando-os ao dizer que seu pai estava velho e cansado, que sua mãe tinha problemas de saúde e sua irmã era jovem demais para trabalhar. Não lamentava o fato de mal ter tempo para si mesmo e um dos seus maiores sonhos era poder pagar os estudos da irmã no Conservatório de música, algo que anunciaria feliz no próximo Natal. Mas todos os seus planos e alegria chegaram ao fim numa certa manhã... quando ele acordou de um sonho perturbado para ver-se transformado numa criatura asquerosa. 

"Durante alguns momentos permaneceu deitado, imóvel e respirando calmo como se esperasse voltar em silêncio ao seu estado normal".

Muitos em seu lugar provavelmente surtariam ao sentir que seu corpo não era mais humano e sim bem semelhante ao de um inseto gigante. Mas a primeira preocupação de Gregor foi com o atraso para o trabalho. Porque ele precisava chegar cedo, não podia atrasar-se. Seu chefe se zangaria e sua família dependia dele. Custasse o que custasse, precisava sair daquela cama e seguir com sua rotina de sempre. Sua aparência física não poderia ser um obstáculo, ele não podia dar-se ao luxo de ficar parado naquele quarto. 

Mas todas as suas tentativas para mover-se eram difíceis e conforme o tempo passava e ele não aparecia, sua família começava a preocupar-se, temendo que algo sério tivesse acontecido com ele. Momentos mais tarde, quando Gregor consegue finalmente levantar-se e tentar se comunicar com seus pais e irmã, o choque de todos não poderia ser maior. E com ele, veio o medo e o desespero. 

"Nas primeiras horas da manhã, quando se encontrava fechada a porta, todos tinham se esforçado para entrar, e agora que ele tinha aberto uma porta e que as outras tinham sido abertas, já não vinha ninguém, e as chaves ficavam por fora nas fechaduras".

Após o choque inicial e de perceberem que aquela coisa era Gregor, rapidamente decidiram que deveriam mantê-lo trancado no quarto, sendo alimentado no momento que eles quisessem e condenado a uma existência silenciosa e escondida dos olhos do mundo. Até mesmo dos olhos de sua própria família, que recusava-se a continuar considerando-o um ser humano.  

Preferindo esquecer, durante boa parte do tempo, que ele ainda existia e que poderia possuir sentimentos, preocupavam-se com suas próprias vidas, com o jeito que teriam que dar para se sustentarem uma vez que o bom filho agora transformara-se num inútil que apenas atrapalhava a vida deles. Seu pai rapidamente aprendeu de novo a trabalhar, sua mãe começou a costurar para fora e sua irmã também deixou de ser nova demais para ter um emprego. 

Enquanto isso, Gregor permanecia trancado, privado de qualquer contato humano, sendo obrigado a fugir das vistas da irmã quando ela se dignava a entrar para limpar o quarto e levar-lhe comida, mesmo que não se importasse muito se ele comia ou não. 

"Esvaziavam o seu quarto, tiravam-lhe tudo quanto ele amava [...]"

Naquela manhã, ele perdeu tudo. Não só sua "humanidade", mas também o amor da sua família. Pensavam que ele não podia ouvir, mas Gregor ouvia. Acreditavam que ele já não possuía sentimentos, mas suas palavras e atitudes o feriam. Dependente de uma família que queria ver-se livre dele, existiria alguma esperança? 

- Na época que li este livro pela primeira vez, após o assombro inicial e de chegar à conclusão que o autor era louco, fiquei perturbada. Mesmo não tendo apreciado a leitura, não tendo sequer gostado da escrita do autor, eu pude compreender a "mensagem" da história. E desprezei os pais e a irmã do protagonista. O passar dos anos não diminuiu a minha repulsa por eles. 

É impossível não sentirmos compaixão pelo Gregor, não lamentarmos profundamente pelo que aconteceu com ele, por mais que seja surreal alguém acordar um dia transformado num inseto. Mas eu entendi que o autor quis mostrar, dessa maneira extravagante, a realidade de muitas pessoas que são "diferentes", que possuem alguma deficiência física ou mental, que têm algo que os torna dependentes dos outros e assim sujeitos a tratamentos desumanos. O protagonista era muito querido pela família enquanto era útil, enquanto levava dinheiro para casa, mas no momento que transformou-se em alguém que lhes dava trabalho e que os envergonhava diante dos outros, tornou-se um peso, algo que deveria ser escondido e tratado pior que um animal. Claro que eles tinham seus momentos de "bondade", mas até mesmo um psicopata seria capaz de tais gentilezas para com aqueles que pretendesse matar. Caridades como as deles são dispensáveis! Pessoas como os pais e a irmã do Gregor me dão asco. 

"Pensava com emoção e carinho nos seus. Achava-se, se era possível, ainda mais firmemente convencido do que sua irmã de que tinha de desaparecer."

- O mais triste é que em nenhum momento o Gregor condena sua família ou deixa de pensar nela. Não importava o que fizessem, o impossível que tornassem sua vida, a insensibilidade que demonstrassem, ele seguia amando-os e desejando que eles deixassem de sofrer. Desejou até mesmo desaparecer para não ser mais um peso nas costas daqueles que ele tanto tinha ajudado durante anos dedicados exclusivamente a eles. Isso é ainda mais revoltante! E o final não poderia nos causar fúria e tristeza maiores...

- Não volto atrás no que disse antes. Continuo não vendo nada de especial neste livro. A história mexe com a gente sim, nos emociona, revolta, provoca raiva e compaixão. Nos faz refletir. Mas existem livros bem melhores que tratam de assunto semelhante. A Doçura da Chuva e A Canção de Annie são apenas dois exemplos. Não consigo entender o motivo de A Metamorfose ser considerado um clássico tão importante, mas tudo bem. 

- Esta história é uma novela, bem curtinha mesmo, e dá para ler em pouquíssimas horas. Recomendo que deem uma chance ao livro, que se permitam chegar às suas próprias conclusões sobre ele. Vale a pena! :)

26 de agosto de 2017

A Viuvinha - José de Alencar


Jorge era um moço jovem e rico, que encantado pela vida na corte, perdeu muito do seu dinheiro com coisas mundanas. Mas conheceu Carolina, moça simples que o salvou da luxúria.


Palavras de uma leitora...


- Outra vez eu fui vencida pelo cansaço e não consegui fazer a resenha na sexta-feira. Assim, excepcionalmente, apareço aqui num sábado.rsrs

A Viuvinha é a segunda novela que faz parte deste livro. Ainda esta semana eu fiz a resenha de Cinco Minutos, minha história preferida do autor, aquela pela qual me apaixonei perdidamente. A segunda história é boa, mas não se compara à primeira. 

"Mas eu não escrevo um romance, conto-lhe uma história. A verdade dispensa a verossimilhança."

Como vários jovens de sua idade que não se preocupavam com o amanhã, Jorge empenhava-se dia e noite em detonar a fortuna que possuía. Uma vez que seu pai não era mais vivo para controlar de alguma forma os seus excessos e que ele tinha herdado sozinho tudo o que pai construíra com esforços e sacrifícios, não demorou muito para ver-se praticamente sem nada. 

Finalmente cansado da vida desregrada que levava, com prazeres passageiros e sem sentido, encontrou numa jovem inocente de 15 anos, a esperança de algum futuro, de uma chance para mudar. Mudou-se para outra residência, largou por completo a vida como filho de pai rico e acostumou-se com um cotidiano mais humilde e feliz. 

Para Carolina foi fácil apaixonar-se por ele. Jorge a tratava como uma princesa, como a flor mais delicada e seu carinho acabou por conquistar também a mãe de sua amada, que consentiu com o romance e o casamento. 

Tudo era felicidade na vida dos dois enamorados e a véspera do dia em que uniriam para sempre suas vidas, deveria ser um dia especial, em que contariam as horas para que o grande dia chegasse. Todavia, para Jorge foi um momento de uma tristeza como a que jamais tinha conhecido. 

"Sentiu-se arrastar e teve medo.
 Teve medo de esquecer."

Ao receber uma notícia terrível, Jorge se vê diante de uma decisão impossível. Qualquer que fosse a sua escolha, o sofrimento seria inevitável. 

- Isso é o máximo que acredito que posso contar sem revelar a história inteira.kkkkkkk  Eu senti muita pena do protagonista. Ele cometeu alguns erros, fez besteira, mas não era uma má pessoa e estava realmente disposto a recomeçar. Estava apaixonado de verdade, sonhava em casar-se com Carolina e construir ao lado dela um futuro tranquilo e feliz, longe dos excessos do mundo. 

Consigo imaginar como ele deve ter se sentido diante daquelas acusações e das consequências de seu passado. A sensação de desespero, de não ter saída. Sentir por ele foi natural. E por Carolina também. 

- Ainda assim, A Viuvinha não me emocionou como Cinco Minutos. Não me causou aquela sensação tão boa. É uma história interessante, que não desejamos abandonar antes de terminar a leitura, mas não é inesquecível. 

A ligação entre as duas histórias é que o protagonista da primeira é o narrador da segunda. Ele conta a história de Jorge e Carolina através de uma carta que escreve para sua prima. 

Leia a resenha de Cinco Minutos clicando aqui! :) 

23 de agosto de 2017

Cinco Minutos - José de Alencar



Ele a conheceu no ônibus e só entrou naquele horário porque se atrasou cinco minutos. Sentou-se no banco ao lado dela, porém não pode ver seu rosto que estava escondido entre a grande seda que vestia. Mesmo assim, ali os iniciam seu romance. 



Palavras de uma leitora...



- Vocês sabem que tenho uma certa implicância com a escrita do autor, certo? Todavia, as "manias" que tanto critico nele estão totalmente ausentes nesta novela maravilhosa chamada Cinco Minutos. Deus do céu! Como não li este livro antes?! Como é possível que eu tenha adiado a leitura por tanto tempo?

Um dia, vários anos atrás, eu estava andando distraída quando passei por uma lojinha que vendia livros antigos, a maioria clássicos. Já tinha passado por ela antes, mas creio que aquela foi a primeira vez que dei atenção aos livros "antigos". Estavam custando tão baratinho que me atrevi a trazer alguns. Foi puro impulso, uma vez que tinha um pré-conceito enorme dos livros clássicos, sobretudo se fossem de autores nacionais.rs Mas já que custavam pouco isso me animou a trazê-los. E eis que um deles é o que resenho agora, que contém duas histórias do autor: Cinco Minutos e A Viuvinha. 

"É uma história curiosa a que lhe vou contar, minha prima.
Mas é uma história e não um romance."

Para ele, pontualidade não era uma qualidade e sim um defeito. Dos piores. Detestava ser pontual, permitir-se ser controlado pelo relógio. Assim sendo, naquele dia em especial, ele estava atrasado. Necessitava pegar o ônibus, mas por causa de cinco minutos o perdeu, tendo que resignar-se a esperar o próximo. E o que poderia ser motivo de impaciência e imprecações para muitos, para ele foi o início de toda a sua vida. Porque o que quer que tivesse sido antes daquele momento definitivamente não era mais. 

"Senti no meu braço o contato suave de um outro braço, que me parecia macio e aveludado como uma folha de rosa."

Sentando-se ao lado de uma desconhecida, de quem era impossível ver o rosto, que encontrava-se coberto, ele sentiu o que jamais havia sentido na vida. Uma atração incontrolável, um sentimento que o impulsionava a querer aproximar-se mais, descartando toda prudência ou bons costumes. Queria tocá-la, queria beijá-la, ainda que não a conhecesse... mesmo que não soubesse sequer o seu nome. 

Mas os momentos ao seu lado foram breves e quando ela desceu... ele não fazia ideia de como encontrá-la. Quem seria? Onde moraria? E o que quisera dizer com aquela frase tão impactante... com aquele "não me esqueças"? 

"[...] e continuava tristemente o meu caminho, atrás dessa sombra impalpável, que eu procurava havia quinze longos dias, isto é, um século para o pensamento de um amante."

Desesperado, sem saber bem o que fazer com o que sentia e com a impossibilidade de achá-la, ele seguiu procurando-a, pois a esperança não queria abandoná-lo. No fundo, acreditava que um dia voltaria a vê-la... 

Seria amor o que sentia? Era possível amar alguém após um simples toque, um fugaz som de sua voz? 

"O amor que é insaciável e exigente, e não se satisfaz com tudo quanto uma mulher pode dar, que deseja o impossível, às vezes contenta-se com um simples gozo d'alma, com uma dessas emoções delicadas, com um desses nadas, dos quais o coração faz um mundo novo e desconhecido."

- Não sei se estou muito romântica e sonhadora hoje, mas o certo é que amei profundamente esta história, gente! Como a amei! E olha que só comecei a lê-la porque estou lendo um livro mais longo e não tenho como resenhá-lo esta semana. Assim, para não deixá-los sem resenha, peguei este livro na estante, pois ele é curtinho. E a minha surpresa não poderia ser maior e nem mais agradável. Estou realmente encantada. 

A história é uma novela, pois é um pouco mais longa que um conto e bem mais curta que um romance. Desta forma, não há muito o que eu possa contar sem acabar soltando vários spoilers e contando o livro inteiro.rsrs 

Ele sempre foi fortemente indicado por algumas pessoas que conheço, mas nunca pude entender o fascínio que provocava, o que teria de tão forte para que fosse tão recomendado. Somente ao lê-lo pude compreender. E me arrepender amargamente por ter demorado tanto em dar-lhe uma chance! É uma daquelas histórias que lemos e não esquecemos. Que queremos reler. De novo e de novo. E outra vez novamente.rs

"Não era possível que continuasse a correr atrás de um fantasma que se esvaecia quando ia tocá-lo."

- Prefiro não falar muito dos personagens, pois penso que até mesmo dizer o que senti por eles pode acabar sendo spoiler. A história é escrita em forma de carta (já é o terceiro livro epistolar que leio este ano!kkkkk), endereçada a uma prima do protagonista principal, nosso querido impontual. Ele narra todos os acontecimentos que iniciaram-se com aquele atraso de cinco minutos. É uma narrativa que nos envolve desde as primeiras linhas e não queremos parar. Infelizmente, por conta das obrigações diárias, sobretudo o trabalho, tive que parar a leitura muitas vezes ao longo do dia; caso contrário teria lido em menos de meia hora, uma vez que ele possui apenas 53 páginas. 

- Não lembro de todas as pessoas que me indicaram esta história ao longo dos anos. E vocês lembram o que aconteceu com minhas listas de indicações, certo? Ainda estou tentando reorganizá-las e recuperar o máximo de recomendações possível. Um dia consigo!rs Enfim... Duas pessoas que sei com certeza que me indicaram Cinco Minutos foram: A querida Renata Cristina, do saudoso blog Mil Suspiros, e a Tati, uma amiga que não vejo há muito tempo e sinto imensa saudade. Finalmente li o livro, meninas! Muito obrigada pela indicação! :D

E o livro longo que estou lendo é a Parte 1 de O Resgate no Mar - Diana Gabaldon. Jamie, Jamie, Jamie! Suspiros... 

21 de agosto de 2017

Carta Anônima [Escrevendo sem Medo]


Eu gosto tanto de você, que até prefiro esconder.


Te amar não estava nos meus planos. Na verdade, a minha intenção sempre foi desprezá-lo. Como amar alguém como você? Um ser que não deveria ser considerado humano. Cruel, mesquinho, egoísta. Alguém que quase destruiu quem eu amava. Quem sempre amarei. Como perdoá-lo pelo que fez? Achei que nunca conseguiria. 

Durante os primeiros meses após conhecê-lo... Após você surgir em minha vida abruptamente... Eu te odiei com todas as minhas forças. Tudo o que queria era que você tivesse o fim merecido. Que existisse um pouco de justiça neste mundo. Jurei que não choraria. Que ficaria até mesmo feliz quando a vida cobrasse o preço por suas atitudes. Mas quando me vi diante do seu final... não pude suportar! Simplesmente não pude. Precisei fazer alguma coisa. Alterar tudo. Suplicar para que você tivesse uma segunda chance. E a verdade é que não me arrependo. 

Toda vez que revisitar o seu passado, eu chorarei. Sofrerei terrivelmente por cada um dos seus erros, por aquilo que não tem volta ou conserto. Com suas próprias mãos, você destruiu uma parte de si. Do seu futuro. Descontou a raiva do mundo em uma pessoa inocente. Quantas vezes ela te implorou para mudar? Quantas vezes disse "por favor"? Valeu a pena tudo o que fez? Se sente melhor sendo o que é? 

A verdade é que não. Mesmo que não diga com todas as palavras, sei que se arrepende. Sei que o coração que você acreditava não possuir hoje te lembra, a cada batida, tudo o que perdeu... e quanta dor provocou. Sua consciência está pesada. Não há uma noite em que possa dormir um sono tranquilo. Procura em todos os lugares aquilo que só encontrará no momento em que puder perdoar a si mesmo. Não é só do perdão dela que necessita. Mais do que tudo, precisa absolver-se. Todavia, você é seu mais severo juiz. E com o tempo, os outros perceberão que não há por que odiá-lo se todo o ódio que sente por si mesmo já é mais do que suficiente. 

Quando olho em seus olhos, sinto vontade de consolá-lo. E nesses momentos, mais do que em todos os outros, uma enorme angústia toma conta de mim. Porque parece errado amá-lo. E, no fundo, gostaria de poder evitar. Não quero confortá-lo. Não quero entendê-lo. Não poderia perdoá-lo. É por ela que tenho que sentir. Como sentir compaixão do seu maior algoz? Não posso traí-la assim. Ela não merece que eu te ame. Nem você merece, não importa todo o seu arrependimento. Porque nada, absolutamente nada, vai trazer de volta o tempo perdido. Nada pode apagar o que você fez. Sofrer não consertará as coisas. É impossível. 

Já faz dez anos que te conheço. Ou quase isso. Eu também a conheci no mesmo dia, embora alguns minutos antes. Estava ouvindo Nada es para Siempre, daquele cantor que você sabe que amo. Talvez tivesse que me sentir responsável por tudo o que você fez contra ela. Porque se ela te conheceu foi por minha causa. Foi minha culpa. Mas até você, mesmo nos seus momentos mais egoístas, teria que admitir que nunca tive nenhum controle sobre suas atitudes. Era mil vezes mais forte que eu. Não podia pará-lo. 

Toda vez que eu chorava por ela me confortava dizendo que poderia ao menos influenciar o seu fim. Que poderia contribuir para que você pagasse. Era o meu maior conforto. Antecipava o momento. Cheguei a dizer que comemoraria. Dançaria, gritaria de felicidade, abriria uma champanhe. Mas quando o dia chegou.... Bem... Você já sabe o que aconteceu. Eu te estendi a mão. Te dei mais uma chance. 

Mas eu te dei apenas uma possibilidade de recomeço. O resto é com você... Às vezes me pergunto como será o fim da sua história. Espero sinceramente que saiba aproveitar essa oportunidade...

Te amo. Demais. Dolorosamente. E sim, tenho vergonha de admitir. Prefiro esconder. De você e de todo o mundo. Um dia, quando você for realmente digno do meu amor, te direi o que sinto. Sem hesitação. Sem vergonha. Por enquanto... é o meu segredo. Um amor que não quis sentir. Que detesto sentir. Um amor que me machuca. 


- Este é meu oitavo texto para o Projeto Escrevendo sem Medo. O tema de agosto parecia fácil. Só parecia!kkkkkkk... Quando parei para pensar... cheguei à conclusão que não existia ninguém que eu amasse e não tivesse coragem de admitir. Todas as pessoas que amo, sabem que são amadas, que são queridas por mim. Existiria alguém que eu tivesse vergonha de amar? E aí eu descobri que sim. Uma pessoa. Se considerarmos que um dos significados de "pessoa" é personagem. :D

Como já contei aqui, eu escrevo. De maneira bem amadora, é verdade, mas escrevo!kkkkkk... E entre os personagens que já criei, existe um que me dói reconhecer que amo. Um personagem que me magoou demais e mesmo assim não pude matar. Na primeira versão dessa história que escrevi, ele morreria. Era minha vingança, minha justiça. Só que muita coisa aconteceu ao longo do tempo... e não consegui. Simplesmente não pude matá-lo. E me senti muito mal na época (até hoje me sinto) porque era como se eu tivesse traído a minha protagonista. Depois de tudo o que ela passou por causa dele, ele tinha que morrer. Mas não mando em meu coração. :( 

Este projeto foi criado pela Thamiris do blog Historiar. Clique aqui para conhecê-lo melhor. 

19 de agosto de 2017

Rei Édipo - Sófocles

(Título Original: Oidípous Tyrannos
Tradutor: Ordep Serra
Editora: Peixoto Neto 
Edição de: 2004)

Sófocles foi um dos três grandes escritores de tragédias da Antiguidade grega. Embora tenha escrito mais de cem peças, somente sete delas foram conservadas na íntegra. Rei Édipo é a mais conhecida. 

O mito do rei tebano era muito antigo e fora usado por outros escritores gregos antes de Sófocles. Tomando-o como tema, ele criou uma das maiores obras da dramaturgia ocidental, apontada por Aristóteles, em a Arte poética, como o modelo do gênero trágico. O médico vienense Freud a transformou numa alegoria de suas ideais, utilizando-a para explicar a mais influente teoria psicológica já elaborada: a psicanálise. 



Palavras de uma leitora...



- Pensem numa pessoa que estava tentando fazer esta resenha ontem, mas dormiu ao lado do computador.kkkkk... Peço perdão, queridos! Sei que deveria fazer este post na sexta-feira, porém eu estava tão cansada, mas tão cansada que apaguei!rsrs 

Será que já contei aqui que não sou muito fã de peças teatrais? Pois bem. Nunca fui ao teatro e nem tive vontade de ir. Já assisti algumas peças em outros lugares, como igrejas, centros culturais e até já fiz parte de algumas peças. Foram peças da igreja.rsrs Lembro especialmente de duas. Numa delas, interpretei Maria, mãe de Jesus, e chorei muito. Foi um momento forte, pois todos nós nos envolvemos muito com a apresentação. Parecia que estávamos vivendo aquele momento, anterior à crucificação. Numa outra peça, interpretei uma vilã, Herodias, que influenciava a filha a pedir a cabeça de João Batista. Também foi forte fazer esse papel, pois eu detestava aquela mulher.kkkkkk... No momento crucial, quando ela ordenava à Salomé que fizesse tal pedido, minha boca falava o que minha mente gritava para eu não dizer, porém era necessário seguir o roteiro. Enfim... Ao longo dos anos, participei de outras peças, pois era bem ativa na Igreja, até mesmo como coreógrafa.kkkkkkk... Sempre fui muito tímida, mas amava participar de peças e coreografias e nesses momentos esquecia toda timidez. Eu apenas vivia o momento. 

Quando digo que não sou muito fã de peças, estou falando das demais, sem ser as bíblicas. Sempre amei assistir peças cristãs, mas não tenho paciência alguma com as outras.rs E se não gosto de vê-las, imagine lê-las!rsrs

- Todavia, há anos ouço falar de Édipo Rei e Antígona. Desde a metade do ensino fundamental, na verdade. Mas no ensino médio isso se intensificou. Ao me apaixonar por mitologia grega, acabei esbarrando em algumas histórias e tive um professor de História da Arte que também tocava em assuntos referentes a mitos antigos. Professores de Literatura também gostavam de falar de lendas, mitos e histórias clássicas. Assim sendo, eu já conhecia a história inteira antes mesmo de lê-la!rs 

No meu primeiro período na faculdade, na disciplina de Introdução ao estudo do meu curso (que não direi qual é.rs), o meu professor, que era maravilhoso (e sinto muitas saudades dele), falou mais de uma vez e de maneira apaixonada da história de Antígona. Como eu disse, eu já conhecia a história, mas nunca pude esquecer a forma intensa como ele falou dessa tragédia. Na época, eu quis lê-la, mas outros livros acabaram por me prender e adiar a leitura. 

Ainda no meu primeiro período, na disciplina Psicologia aplicada ao meu curso, houve uma menção ao "Complexo de Édipo" num dos livros que tive que ler, que falavam sobre Freud, sobre o desenvolvimento do ser humano e tudo mais. Lembro que franzi a testa diante da teoria dele e não gostei muito dele ter retirado tal "interpretação" da história de Édipo. 

Em resumo: foram muitas as vezes em que "passei" por essas duas histórias antigas, interligadas, uma vez que Édipo é o pai de Antígona e ambos tiveram uma vida bem difícil e realmente trágica. Não dá para esquecer de Laio, pai de Édipo, que foi o meu primeiro contato com esse mito. 

Esta resenha terá spoiler. 

"Que você, tendo a vista, não vê o próprio mal, 
Não enxerga onde mora, nem com quem."

- Tudo começa com o desespero em que se veem os cidadãos de Tebas, pois uma praga terrível assola sua gente, causando diversas mortes. Sendo uma maldição enviada pelos deuses, o povo somente seria poupado se descobrisse quem era o assassino do antigo rei, Laio, e o matasse ou expulsasse da cidade, o que considerasse mais justo. Nesse momento, Édipo já era rei de Tebas e marido de Jocasta, que era a viúva de Laio. Muito tempo tinha se passado desde a morte do outro rei e Édipo não fazia ideia de quem era o assassino, mas decide investigar, pois lhe atormentava a praga que estava destruindo o seu povo e era sua responsabilidade livrá-lo. 

Durante sua investigação, ele consulta um adivinho, que o trata de maneira bem hostil, acusando-o de ser o assassino de Laio. Indignado, Édipo manda o homem desaparecer de sua frente, pois sabia que aquilo era uma grande mentira, uma vez que ele sequer estava na cidade quando da morte do rei. Nem mesmo o conhecia! Desconfiando que o vidente poderia ter se unido a Creonte, seu cunhado, para armar contra ele e roubar-lhe o trono, Édipo trava uma séria discussão com o irmão de sua esposa e nenhum argumento do cunhado é suficiente para afastar o ódio e a desconfiança. 

Cada vez mais transtornado e surdo aos pedidos dos outros para que ele pare com as perguntas e deixe o passado para trás, Édipo não desiste, determinado a parar somente quando obtivesse todas as respostas e encontrasse o maldito assassino.

Mas quando toda a verdade finalmente é revelada... as consequências são as piores possíveis. Porque, às vezes, o melhor é não saber. 

"A todo mundo vai, a uma vez, revelar-se, 
Irmão e pai daqueles que gerou
Marido da mulher de que é filho, e do pai
Sócio no dar semente de si - e matador."

- O trecho acima já nos revela todos os segredos do livro. Vários anos antes, uma maldição terrível atormentou o rei Laio e sua mulher. Segundo o Oráculo, o filho do casal mataria o próprio pai e se casaria com sua mãe. Temendo que algo assim se concretizasse, os pais da criança decidem matá-la, entregando-a a um servo que deveria levá-la até um monte, onde então ela seria deixada à morte. 

Ocorre que o tal servo teve pena da pobre criança inocente e não cumpriu as ordens recebidas. Resolveu entregar o menino para outra pessoa, orientando o homem a levá-lo para o mais longe possível, onde não pudesse ser atingido pela maldição que marcou seu nascimento e a vida de seus pais. 

Criado com carinho por seus pais adotivos, reis de Corinto, e acreditando serem eles seus pais biológicos, Édipo foge da cidade ao receber a mesma previsão que um dia fez seus pais decidirem matá-lo: que ele assassinaria o pai e se casaria com a mãe. Não imaginando que as pessoas que o criaram eram seus pais adotivos, ele fica desesperado e durante a fuga acaba por esbarrar num homem desconhecido a quem mata num momento de raiva. Somente muito tempo depois viria a saber que aquele homem que matara na estrada tratava-se do rei Laio, aquele que também era seu pai...

Após derrotar a Esfinge que causava terror em Tebas, Édipo torna-se rei da cidade e casa-se com Jocasta, a viúva de Laio, com quem tem quatro filhos, sendo um deles Antígona, a protagonista da história de mesmo nome. 

- Este resumo já lhes disse tudo, verdade? Toda a desgraça que atingiu as gerações de Laio começou com a previsão do Oráculo. Se o referido rei e sua esposa não tivessem aberto mão do próprio filho e decidido matá-lo, sendo ele ainda um bebê inocente e indefeso, toda a tragédia que os atingiu seria evitada. Porque Édipo não matou o pai e se casou com a mãe de livre e espontânea vontade, sabendo quem eles eram. Não. Tudo aconteceu porque ele foi criado por outras pessoas, desconhecendo quem eram seus verdadeiros pais e a maneira como tinham se desfeito dele. 

- Há uma forte questão de "destino" neste livro. É triste observar que Édipo fez de tudo para fugir das previsões que o apavoraram. Ele amava as pessoas que o criaram e por isso mesmo decidiu ir embora, sabendo que sofreria, que sentiria falta deles. Ma não queria de modo algum ser a causa da ruína de sua família e cometer o terrível pecado de casar e ter filhos com a própria mãe. Antes preferia a morte. 

Jamais passou por sua cabeça que o homem que ele matou após ser provocado pelo mesmo na estrada, era o rei da cidade para a qual ele estava indo. E muito menos que era seu pai. Ao casar-se com Jocasta, também seguia desconhecendo quem era aquela mulher. Tudo o que sabia era que ela era a viúva de Laio, nada mais. E mesmo durante suas investigações, demora bastante a juntar as peças. Não só porque fosse difícil imaginar tal absurdo, mas também porque ele negava-se a encarar a verdade. Quando tudo começa a empurrá-lo para tal revelação, ele prefere ter esperança de que no fim a verdade revele-se outra e não algo tão terrível como a concretização de uma antiga maldição. 

Todas as tentativas do protagonista para fugir do destino mostram-se em vão. Justamente ao tentar escapar daquele pesadelo é que ele segue na direção dele. E isso fica nítido quando terminamos a leitura. Como se a história nos quisesse dizer que é impossível evitar o destino. Que aquilo que está escrito irá acontecer e ponto final, independente do quanto lutemos contra isso. Felizmente, não acredito tanto assim em predestinação. 

"Revelei-me que vim dos que não me convinha,
Vivo com quem não devo, matei quem não podia!"

No fim de tudo, a tragédia chega ao seu apogeu: Jocasta, ao perceber que o homem com o qual casara-se era o filho que um dia tentou matar, se suicida. Édipo, ao encontrar o corpo de sua mãe e esposa e destroçado por todo aquele horror, fura os próprios olhos, para nada mais ver e terminar seus dias em tormento, como punição por seus pecados. 

- E não, gente! Eu não tenho paciência e estômago para essas tragédias gregas. Nem para as que não são gregas, como as de Shakespeare, só para registrar.rs Reconheço a importância delas, que são clássicos mundiais, estudadas até hoje em diversas áreas, mas não irei me habituar a lê-las. Pararei em Antígona, que é uma das minhas próximas leituras. 

- E o que achei da estrutura do livro, já que trata-se de uma peça, algo que afirmei não apreciar muito? Para falar a verdade, gostei da construção da história, ainda que em forma de peça. É uma leitura fácil. Porém não é o que mais gosto de ler.rs



Rei Édipo foi minha escolha para o tema deste mês do Desafio 12 Meses Literários. Na verdade, eu tinha escolhido Vingança Arriscada - Sara Craven, mas acabei lendo o livro bem antes.kkkkkk... Assim, tive que escolher um livro novo. O tema de agosto é: um livro com menos de 200 páginas

16 de agosto de 2017

Mariana - Machado de Assis (conto)


Contos Escolhidos - 8/30

Machado de Assis é um dos mais renomados contistas da literatura brasileira. Transitando entre os diversos tipos de contos - do tradicional ao moderno -, seus textos são originais e complexos. São contos cheios de acontecimentos intensos - quase sempre envolvidos num clima de tensão -, repletos de personagens polêmicos e ambíguos e de jogos e armadilhas textuais que induzem à dúvida, relativizando a maior parte das ideias e levando o leitor a refletir sobre suas "certezas". 



Palavras de uma leitora... 


- A última vez que fiz resenha de um conto foi no dia 05 de julho. Sim, faz bastante tempo.rsrs Mas a culpa não foi minha. Foi da Maratona Literária de Inverno 2017 e da correria que foi o mês passado. As coisas ainda estão bem agitadas este mês e cheguei tão esgotada em casa que mal consigo manter os olhos abertos, mas para que o dia de hoje não ficasse sem postagem, peguei um conto do meu querido Machado de Assis pra ler. Se a resenha não tiver muita coerência, a culpa é do meu cansaço e não do conto.rsrs

"Crescera-lhe o desejo de ver Mariana. Que olhos teriam um para o outro? Que visões antigas viriam transformar a realidade presente?"

Evaristo fugiu do Brasil no ano de 1872, tendo permanecido longe durante dezoito anos. Fizera de tudo para sequer pensar em seu país e no passado que desejava enterrar, fazer de conta que nunca existira. Todavia, em 1890, já tendo ocorrido a proclamação da República no Brasil, um repórter lhe faz diversas perguntas sobre sua pátria e ele, então, decide voltar... Não definitivamente, mas apenas pelo tempo necessário para obter as informações que precisa e rever uma pessoa em especial. Justamente a mulher que o fez partir tantos anos antes... 

Era impossível pensar em seu país sem lembrar-se dela...  e do amor que um dia ele acreditou que os unia. Como será que ela estaria? Ainda viveria? Recordaria o homem pelo qual quase perdera tudo? Ainda que soubesse que era um erro, Evaristo não pôde resistir à saudade... A veria, por apenas um instante, e depois partiria outra vez... 

- Diferentemente dos outros contos que já li do autor, este é bem mais simples. Envolvente, mas comum. Daqueles para lermos sem grandes pretensões. 

Senti pena do protagonista, do fato dele nunca ter conseguido livrar-se de um amor do passado, de alguém que ele não teve outra opção senão deixar para trás. Quando amamos de verdade alguém é muito difícil esquecer tal sentimento. Não há como simplesmente apagar a pessoa dos pensamentos e do coração. Por isso, entendo o que ele sentia.


Contos anteriores:

Missa do Galo
Conto de Escola
Cantiga de Esponsais
Teoria do Medalhão
O Espelho

A Cartomante
A Causa Secreta

14 de agosto de 2017

As Relações Perigosas - Choderlos de Laclos

(Título Original: Les Liaisons Dangereuses
Tradutor: Sérgio Milliet
Editora: Nova Cultural 
Edição de: 2002)

Você está prestes a ler uma obra 'diabólica'. A crítica, que não poupou adjetivos para desclassificar As ligações perigosas quando do seu lançamento, em 1782, não chegou nem perto de captar a poderosa ambiguidade deste marco da literatura epistolar. Choderlos de Laclos (1741-1803) construiu um romance em cujo primeiro plano se destacam as relações amorosas, a perda da inocência e a traição, mas cujo pano de fundo é um dos mais sofisticados e ferinos retratos da aristocracia pré-Revolução Francesa e uma sofisticada reflexão sobre a hipocrisia do poder. Além disso, o livro teve inúmeras adaptações para o teatro e para o cinema.

A Marquesa de Merteuil e o Visconde de Valmont, apesar de todo o luxo que os rodeia e da extrema cortesia e sofisticação que aparentam, personificam o que há de mais vil na humanidade. Ex-amantes, os protagonistas destas 175 cartas fingem e manipulam as pessoas a seu bel-prazer. Talvez para testar seu poder, talvez para passar o tempo, tecem um plano de sedução e vingança para provar que não são manipuláveis e descartáveis como os outros. Esse plano é descrito com requintes de perversidade por eles em cartas nas quais revelam seus mais íntimos pensamentos - e o fazem com tanta precisão que na época imaginou-se que o romance era, na verdade, uma reunião de cartas verídicas sobre fatos que realmente aconteceram.



Palavras de uma leitora...


- No início do ano passado, eu assisti uma minissérie em 10 capítulos da Globo chamada Ligações Perigosas. Seduzida pelas chamadas da emissora e pelo fato de contar com atores dos quais gosto muito, resolvi ver o primeiro capítulo. Fiquei imediatamente presa ainda que pudesse prever que nada terminaria bem. Naquela época, ainda não conhecia o livro. Não fazia ideia do que se tratava, mas toda a perversidade que transparecia em Isabel e Augusto, protagonistas e antagonistas dessa história, deixou mais do que claro que o final seria trágico. Não foi com surpresa que vi a sucessão de desgraças que ocorrem nos últimos episódios. Mesmo assim, o fim de uma personagem em especial me marcou bastante. 

Quando falei da minissérie aqui, disse: "É uma história forte, sensual e sombria. Mostra o lado escuro do amor, da paixão e das relações humanas." E o mesmo, é claro, se aplica ao livro. Creio que nunca li um clássico (depois de O Morro dos Ventos Uivantes) que me impactasse como esta história. Heathcliff é um anjo perto da marquesa de Merteuil e do visconde de Valmont. Eles sim podem ser chamados de demônios. Mas ela... muito mais que ele. 

"Quem deixaria de estremecer pensando nas desgraças que pode causar uma só relação perigosa!"

A senhora de Volanges não poderia prever os perigos que ameaçariam a vida de sua filha ao tirá-la do convento no qual a menina passara toda sua vida. Aos 15 anos de idade, nada conhecia do mundo ou das perversidades humanas. Crescera protegida de tudo, sendo tirada da segurança daqueles muros apenas para casar-se, conforme ocorria com várias moças de boa família. Embora sua mãe não tivesse deixado claro que a casaria, Cécile sabia que não teria sido autorizada a ir para casa por outro motivo. Assim, de certa forma ansiosa pelos acontecimentos do seu futuro, não deixa de ficar deslumbrada pela vida diferente da que até então tivera no convento, ainda que seguisse tendo que obedecer à regras e à autoridade de sua mãe que a mantinha constantemente vigiada. Mas a amizade carinhosa de uma parente distante de sua mãe, a marquesa de Merteuil, que não a tratava como criança, assim como os sentimentos que começaram a surgir em seu coração pelo cavaleiro Danceny seriam o início da sua perdição. Guiada por aquela mulher, que aparece em sua vida como a amiga compreensiva que tanto necessitava naquele momento, Cécile segue por um caminho sem volta, perdendo muito mais do que a inocência... 

"Chamar-me-ia pérfida, e esta palavra 'pérfida', sempre me deu prazer."

Desejando vingar-se de alguém do seu passado, o homem escolhido pela senhora de Volanges para desposar sua filha, a marquesa de Merteuil decide recorrer ao seu leal amante e cúmplice nas crueldades. Ambos possuíam uma longa história juntos e ela sabia que somente a ele poderia confiar o seu pequeno projeto. Quem melhor do que o sedutor mais notório de toda a França, alguém que dedicava-se intensamente à missão de arruinar uma mulher? Quem melhor do que ele para fazer com que Cécile chegasse ao casamento sem a pureza que o seu inimigo desejava possuir? Jamais lhe daria o prazer de encontrar em sua cama uma jovem inocente e ingênua. Não. Era sua missão fazer dela a sua pupila e ensinar-lhe, ao lado de Valmont, tudo o que alguém como ela merecia saber... 

"[...] Como se não fosse nada arrebatar numa noite uma jovem e seu bem-amado, usá-la, em seguida, à vontade, como uma propriedade, sem maiores precauções, obter dela o que não se ousa sequer exigir das profissionais."

De início, Valmont recusa-se a participar dos planos da marquesa. Não porque possuísse algum escrúpulo e não desejasse corromper uma menina de 15 anos, mas porque estava ocupado com seus próprios projetos... Os de seduzir e dominar uma jovem senhora casada, devota e amiga querida de sua tia. Embora a tivesse conhecido antes, foi somente ao tê-la bem próxima, enquanto ambos passavam uma temporada na casa de campo de sua tia, que ele percebeu que seria muito prazeroso destruir a fé e os princípios daquela mulher, fazer com que ela se submetesse às suas vontades e não fosse mais do que o seu objeto de prazer até que, satisfeito e cansado, ele a abandonaria para que ela lidasse sozinha com os seus pecados. Sabia que seria capaz de destruir sua resistência, de usar seus bons sentimentos contra ela e rendê-la aos seus desejos. 

"Terei essa mulher; roubá-la-ei ao marido que a profana; ousarei roubá-la ao próprio Deus a quem adora. Que delícia ser ora o objeto ora o vencedor de seus remorsos! Longe de mim a ideia de destruir os preconceitos que a obsedam: aumentarão minha felicidade e minha glória. Que acredite na virtude, mas que a sacrifique a mim."

Só que o que parecia fácil, torna-se mais complicado quando a senhora de Volanges trata de aconselhar sua jovem amiga dos perigos de deixar-se acreditar nas palavras mentirosas que saíam dos lábios de Valmont. Embora a presidenta de Tourvel, a quem Valmont desejava conquistar, não se imaginasse capaz de cair nas garras dele ou de homem algum, pois era fiel ao marido e ao Deus que amava, seu coração bondoso se deixava enternecer pelo arrependimento que aquele homem de péssima reputação aparentava sentir por sua vida desregrada. Ela acreditava que toda pessoa era capaz de arrepender-se de seus pecados e mudar e acaba por ver naquele homem alguém com potencial para ser convertido. Mas os avisos de sua amiga, por quem tinha enorme carinho, fortalecem suas defesas e a fazem afastá-lo dela. Embora acreditasse sinceramente que poderia trazê-lo de volta para o bom caminho, não desejava expor-se a perigos desnecessários, o que só serve para provocar a fúria de Valmont contra a mulher que a preveniu contra ele e aumentar, por sua vez, a obsessão que ele sentia por ela. 

"Ah, sem dúvida, cumpre seduzir-lhe a filha; mas não basta: é preciso desmoralizá-la; e, já que a idade dessa maldita mulher a coloca ao abrigo de meus golpes, cabe feri-la no objeto de suas afeições."

Assim, ao descobrir quem era a mulher que estava atrapalhando seus planos, Valmont percebe que seria uma vingança perfeita ceder ao projeto da marquesa e fazer daquela menina, filha de sua inimiga, uma jovem bastante versada nas artes do sexo e do prazer. A tomaria como aluna e amaria ser seu professor. 

Desta forma, iniciam-se as cartas que contariam a história de diversas vidas destruídas pelo jogo de poder e crueldade de dois amantes que, entediados com a vida de luxo e riqueza que levavam, divertiam-se jogando com as pessoas e as arrastando para um mundo sórdido do qual nem todas escapariam com vida. 

"Em verdade, quanto mais vivo, mais sou levado a crer que só há nós dois neste mundo valendo alguma coisa."

- Não tenham dúvidas de que esta resenha terá spoiler. Será impossível falar de certas coisas sem contar demais. Por isso, se não quiserem conhecer certos segredos sobre o livro, parem de ler esta resenha imediatamente! 

- Acho que foi a curiosidade (por vezes minha inimiga) que me levou a ler esta história. Ela não estava em meus planos, não fazia parte de minhas metas de leituras nem nada. Todavia, depois que assisti a minissérie, vez e outra me pegava lembrando dela e sentindo uma curiosidade enorme acerca do livro. Ao mesmo tempo que desejava lê-lo sentia medo. Sabia que nada terminava bem, sabia que era uma história recheada de crueldades e jogos desprezíveis, protagonizada por dois seres humanos que mais mereciam ser chamados de demônios. De verdade, gente! Eles são de uma maldade que arrepia e nos choca. Não que eu nunca tenha lido algo pior. Realmente já li livros bem terríveis: suspenses, thrillers psicológicos, dramas... Histórias nas quais seres humanos torturam e assassinam outras pessoas por puro prazer, por simples perversidade. Mas no livro As Relações Perigosas não vemos uma maldade tão explícita e imediata assim. O que acompanhamos, através das cartas que constroem a história, é algo mais profundo e duradouro... São pessoas tecendo cuidadosamente a trama que destruiria a vida de duas mulheres que nada lhes tinham feito, que eles desejavam arruinar por puro prazer. Mas não com atitudes claras, não com um ataque direto. Mas com um jogo lento e certeiro, no qual ambos eram mestres. Sabiam como ninguém como usar as palavras, como manipular, envolver os outros de tal forma que quando fossem capazes de perceber o que tinha acontecido, já seria tarde demais. Uma adolescente de 15 anos que absolutamente nada conhecia do mundo e uma devota inocente e crédula realmente não possuíam nenhuma chance contra eles. 

"Que Deus ousava invocar? Haverá algum bastante poderoso contra o amor? Em vão procura ela agora socorros estranhos; sou eu quem decidirá de sua sorte."

- Conhecemos tudo o que se passou através das cartas trocadas entre vários personagens. Os principais, obviamente, sendo a marquesa de Merteuil e o visconde de Valmont. Mas também temos a oportunidade de conhecer os pensamentos e sentimentos da menina Cécile, da presidenta de Tourvel (nunca ficamos sabendo seu primeiro nome), da senhora de Volanges, da tia de Valmont e do jovem que se apaixona pela Cécile e também tem uma participação importante nos acontecimentos desta história. Assim, são vários os pontos de vista, o que nos permite amarmos ou odiarmos determinados personagens, pois os conhecemos diretamente, através de suas próprias palavras. 

É angustiante observar a maneira como o Valmont invade a vida daquela mulher, como a usa, como a manipula, como a faz acreditar nele. E como ela não acreditaria? Talvez seja fácil julgar e condená-la estando de fora da situação, mas eu não fui capaz de fazer tal coisa. Ao me permitir entrar na história, viver tudo com os personagens, eu tinha total noção de como Valmont era habilidoso no seu jogo e como seria fácil para qualquer pessoa acreditar em suas palavras. Ele dizia tudo de tal maneira, com tanta verdade, que ele próprio por vezes acreditava no que dizia! Sabe essas pessoas que mentem ao ponto de acreditar na própria mentira? Assim era ele. 

"Ah, virá cedo demais o tempo em que, degradada pela sua queda, ela não será mais para mim senão uma mulher comum."

- Ela era uma pessoa feliz com a vida que levava. Amada de maneira tranquila e confiante pelo marido, querida pelos amigos e pela sociedade que a admirava, encontrava prazer em ajudar os outros e dedicar-se ao Deus no qual acreditava. Nunca experimentara a intensidade da paixão e não desejava para si nenhum sentimento que pudesse perturbá-la. Não é fácil para Valmont seduzi-la, por isso ele recorre à sua religião, pois ali encontrava uma porta para acessar sua vida e aproximar-se dela. 

Mas quando ela percebe que começava a sentir por ele coisas que antes desconhecia, luta com todas as suas forças para resistir, para afastá-lo, para fugir dos sentimentos que a confundiam. E quanto mais ela lutava com mais determinação ele aproximava-se, excitando-se com suas lágrimas, com suas súplicas, com suas tentativas de evitá-lo. Até mesmo em seu desespero ele encontrava prazer e estava empenhado em esperar o tempo que fosse necessário para vencê-la pelo cansaço e tê-la exatamente onde desejava. 

"Que ela se renda, mas que lute; que, sem ter a força de vencer, tenha a de resistir; que saboreie longamente o sentimento de sua fraqueza e seja constrangida a confessar sua derrota."

- Ela não era uma mulher fácil que apenas estivesse fingindo "resistir" e Valmont sabia bem disso, o que o satisfazia ainda mais. É muito triste observar a luta dela, torcendo para que ela não caísse, para que lutasse contra o amor que acreditava estar começando a sentir por ele, torcendo para que ele não conseguisse destruí-la. Nós conhecíamos seus planos, sabíamos tudo o que ele pretendia fazer com ela e era desesperador não poder fazê-la enxergar isso, não sermos capazes de evitar a tragédia que se seguiria. 

Embora ela aguente durante meses, Valmont era realmente muito bom em sua sedução. Interpretou com maestria o papel de jovem apaixonado e destroçado por tal amor. Ele merecia um prêmio pela maravilhosa interpretação, sem sombra de dúvidas. E, em determinado momento, ela não suporta mais lutar. Acaba cedendo aos desejos dele e conhecendo a felicidade que antecederia a maior tristeza de sua vida. Uma tristeza que lhe roubaria tudo. 

"Eu era inocente e tranquila; foi por te ter visto que perdi o repouso; foi escutando-te que me tornei criminosa. Autor de minhas faltas, que direito tens de me punir?"

- Para mim, o trecho acima é um dos mais marcantes do livro. Que nos mostra toda a desesperança e dor dessa personagem. De uma mulher cujo crime foi se apaixonar pela pessoa errada. Uma mulher que lutou com todas as suas forças, que se afastou, que foi para bem longe dele, mas que acabou vencida por alguém muito mais experiente e ardiloso como ela jamais conseguiria ser. É de partir o coração o seu sofrimento. Foi a única personagem que me fez chorar. Foi a única por quem senti realmente. Ela não merecia tudo o que lhe aconteceu. Era uma pessoa boa, ingênua, feliz. Alguém que despertou sem mesmo tentar o interesse de alguém perigoso que não sossegou enquanto não destruiu a sua vida. O fim dela é triste e doloroso demais. Vocês não têm noção do quanto chorei, ainda que tivesse visto o mesmo final na minissérie. Eu sabia como terminaria sua história, mesmo assim ler foi pior que assistir. Não consigo aceitar algo tão injusto. Uma fala da amiga dela também me marcou bastante. Foi numa carta que a amiga escreveu à outra, após o final da minha personagem preferida. Nesse trecho da carta, ela lembrava do passado, de um ano antes, quando ambas conversavam sobre essa moça, sobre a certeza de que ela sempre seria uma pessoa feliz, daquelas raras que eram abençoadas com tudo o que uma pessoa poderia desejar. A senhora Volanges mostra o quanto estava inconformada que alguém como a presidenta, uma pessoa tão querida como ela, pudesse terminar daquela maneira. É algo que eu também não sou capaz de aceitar ou suportar. 

"Não há mais felicidade para mim, nem repouso, senão com a posse dessa mulher que odeio e amo com igual furor."

- É possível que muitas pessoas acreditem que o Valmont chegou a amar a mulher por quem ficou obcecado. Que tudo o que ele fez foi por amá-la loucamente. Mas nem por um segundo eu acredito em tal amor. Até mesmo a minissérie tentou nos fazer acreditar no amor dele e mesmo o autor do livro tenta redimi-lo no final, mas nada poderia me convencer. Tudo o que esse canalha faz... Não. Aquilo não era amor. Era obsessão sim, era maldade, ódio por encontrar em alguém as qualidades que ele jamais possuiria. Despeito por ver uma mulher tentar resistir aos seus avanços, uma vez que nenhuma jamais se atreveu a isso. Mas amor?! Nunca foi amor. Nem por um instante! Ele a empurrou para a morte. Ele a destruiu sem piedade. Espero que ele tenha queimado no inferno. A minha compaixão ele jamais irá encontrar. 

"Visconde, quando uma mulher golpeia o coração de outra, raramente deixa de encontrar o lugar sensível, e a ferida é incurável."

- E o que falar da nossa tão "querida" marquesa?! Se Valmont desempenhava com perfeição um papel, ela era a mente por traz de muitas das desgraças desta história. Profundamente perversa, era um perigo para todos os que a cercavam. Alguém que não hesitaria antes de fazer o que julgasse necessário para ter o que queria. Que seria capaz das piores crueldades para satisfazer seus desejos. Ela era muito inteligente, astuta, a única capaz de jogar com seu cúmplice, de fazer dele sua marionete. Ela controlava as vontades dele, seus passos, até seus pensamentos. Ele podia ser mau, mas ela era sua mentora e sua dona. E quando Valmont decide livrar-se de suas garras... As consequências são as piores possíveis. Ninguém a contrariava sem pagar caro por isso. Se ela era capaz de planejar, incentivar e aplaudir o estupro de uma adolescente e ainda empenhar-se em prostituí-la do que mais não seria capaz, não é mesmo? Esses dois amantes malditos realmente se mereciam. No fim, é uma certa justiça que tenha um acabado com o outro. Mas nem mesmo esse castigo foi suficiente para mim. Eles mereciam muito mais. 

"A humanidade não é perfeita em nenhum gênero, tanto no mal como no bem."

Publicado originalmente em 1782, este livro causou grande impacto na sociedade hipócrita da época. Muita gente chegou a acreditar que tratava-se realmente de uma coletânea de cartas verdadeiras, trocadas entre pessoas reais. E o autor dá a entender isso, de propósito. O livro mostra um outro lado da nobreza francesa. Um lado bastante obscuro e desumano. Eu fico aqui tentando imaginar como as pessoas devem ter reagido após ler tudo o que encontra-se nas páginas deste livro.rs Adoraria ter podido observar tais reações, as caras de choque, a indignação que sentiram... Mas o autor não criticou e atacou apenas a nobreza ou a sociedade de sua época. Não. Esta obra-prima vai muito além disso. Ele criticou a natureza humana de maneira geral, mostrando um lado vil que há em muitas pessoas por aí, em qualquer época ou lugar. Pessoas manipuladoras e que se divertem com o sofrimento dos outros existem aos montes por aí. Mesmo hoje existem relações perigosas. O livro Cuco é um exemplo disso. 

- Na minha opinião, muitos livros são considerados clássicos sem merecerem. Mas isso não se passa no caso de As Relações Perigosas. Este livro é realmente um clássico mundial, um livro muito importante que não me arrependo nem por um instante de ter lido. É verdade que ele mexe profundamente com nossos sentimentos, que um acontecimento é pior que o outro, que sofremos por aqueles que não mereciam um final tão terrível. Porém, mesmo assim é um livro que ninguém deveria perder a oportunidade de ler. 

"Vejo em tudo isso os maus castigados; mas não encontro consolo algum para suas desgraçadas vítimas."
Topo