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27 de maio de 2020

O Último Dia de um Condenado - Victor Hugo

Literatura Francesa
Título Original: Le dernier jour d'un condamné
Tradutor: Paulo Neves
Editora: L&PM Pocket
Edição de: 2017
Páginas: 96
27ª leitura de 2020

Sinopse: Quais as sensações e os sentimentos de um prisioneiro que sabe que seu destino é ser executado? "Condenado à morte!" É assim que começa a história, narrada pelo próprio personagem, dos derradeiros dias de um homem que não nos diz seu nome, nem o crime que cometeu, mas que tem uma única certeza: a de que logo sua cabeça será ceifada. Ou caberá a ele um indulto? O condenado se vale da escrita como meio de escape, retratando a mudança psicológica, quase física, que vivencia no corredor da morte. Ao leitor, cabe prender o fôlego para acompanhar o que se passa na cabeça do protagonista. Autor de Os miseráveis, entre várias outras obras de grande envergadura, e um dos maiores nomes da literatura do século XIX, Victor Hugo mostra aqui sua faceta ativista e política, fazendo deste romance, publicado em 1829, um protesto contra a pena de morte.



Só o título desta história já te indica o que irá encontrar... Um livro que acompanha os últimos momentos de um homem que foi condenado à morte. Com a clara intenção de criticar a pena de morte, o autor nos possibilita mergulhar na mente do condenado, sentir com ele seu desespero, a angústia por saber que sua vida lhe seria arrancada por determinação da lei, da Justiça. 

"Condenado à morte! Há cinco semanas vivo com esse pensamento, sempre sozinho com ele, sempre gelado por sua presença, sempre curvado sob seu peso!"

Em nenhum momento ficamos sabendo qual foi o crime cometido pelo protagonista e nem mesmo qual é o seu nome. Mas ele próprio admite que é culpado, que é justo ser julgado pelo crime que cometeu, pelo sangue que derramou... o que nos indica que talvez ele tenha assassinado alguém, mas em que circunstâncias não fazemos ideia. 

Também somos informados que ele é um rapaz bem jovem, pai de uma menina de apenas três anos e responsável tanto por ela quanto pela esposa e pela mãe, e que as três ficariam desamparadas quando ele fosse executado. Mas a maior preocupação do condenado é com sua pequena menina, que pagaria para sempre por um erro dele, que seria desprezada pela sociedade, que talvez nem conseguisse chegar à idade adulta, por conta das privações pelas quais poderia passar, sem ele ali e com uma mãe que estava com a saúde muito debilitada. Isso consome o personagem. O medo pelo futuro de sua Marie. E é isso também que mais atormenta nós leitores: saber que aquela criança inocente estava marcada pelos crimes do pai, numa sociedade que não a perdoaria mesmo ela sendo inocente. Eu senti muito pela pequena Marie e isso me fez sentir raiva do protagonista, embora eu não saiba se ele realmente matou alguém e se não foi, por acaso, em legítima defesa. 

"Admito que sou justamente punido; mas essas inocentes, o que fizeram? Não importa; estão desonradas, arruinadas. É a justiça."

Embora soubesse que o julgamento tinha prosseguido de maneira "correta", foi um choque imenso para o protagonista receber a sentença de morte. Ele sabia que o risco era grande, mas seu advogado tinha esperanças e, no fundo, ele também imaginou que pudesse se salvar. Então, quando as horríveis palavras foram pronunciadas ele sentiu um imenso desespero, como se sufocasse. Porque até aquele momento não tinha entendido como tudo era definitivo, como sua vida jamais seria como antes. Estava com os dias contados. A guilhotina o esperava. 

"Até a sentença de morte, eu me sentia respirar, palpitar, viver no mesmo meio que os outros homens; agora, distinguia claramente como uma barreira a me separar do mundo."

Numa última tentativa de adiar o inevitável, mesmo sabendo que as sentenças dificilmente eram reformadas, o protagonista resolve recorrer e assim ganha mais seis semanas de vida. Período que ele passa dividido entre a angústia, a leve esperança de ser absolvido e a escrita... Como meio de colocar seus pensamentos no papel... de desabafar seu sofrimento, ele passa a escrever tudo o que está passando, como sofre por sua família, como pensa na morte... se irá doer, se será rápido... Enfim... Ele pensa em muita coisa... Relembra sua infância, sua adolescência... Momentos que não voltariam nunca mais. 

"E nesse registro por escrito do pensamento agonizante, nessa progressão sempre crescente de dores, nessa espécie de autópsia intelectual de um condenado, não haverá mais de uma lição para os que condenam?"

O autor foi muito claro ao criticar a pena de morte, bem como os trabalhos forçados perpétuos, deixando evidente que não queria simplesmente que os criminosos fosse inocentados, mas sim que as penas não fossem cruéis, desumanas. Criticou a sociedade da época que vibrava de felicidade com cada execução, ficando insensível para o fato de que era um ser humano que estava sendo executado. Criticou as leis e a maneira como mesmo ao cumprir suas penas (no caso daqueles que eram condenados a trabalhos forçados por alguns anos e depois eram libertados), a pessoa não tinha a oportunidade de recomeçar, pois todas as portas de emprego ficavam fechadas para ela e era preciso escolher entre passar fome ou fazer qualquer coisa para sobreviver. 

É um livro duro. Muito difícil de ler, pois ficamos mergulhados nas dores de uma pessoa que sabe que vai morrer, que vai ser executada por causa das leis de sua época. Sua tristeza toma conta de nós e tudo que desejamos é que um milagre aconteça e sua pena seja substituída por uma mais humana. Se ele era culpado, então que pagasse por seus crimes, mas a pena de morte era cruel, desumana. E era isso que o autor queria mostrar. Acredito que ele foi bem-sucedido, pois é impossível ficar indiferente aos sofrimentos do personagem. Impossível não refletir sobre a crueldade de uma pena que tirava a vida de alguém. 

Lembrando que no livro O Corcunda de Notre Dame, o autor volta a abordar o mesmo assunto só que, diferentemente de O último dia de um condenado, na história de Quasímodo e Esmeralda inocentes eram condenados à morte, forçados por tortura a confessar crimes que não cometeram



-> DLL 20: Um livro com duas cores na capa


31 de março de 2020

A Dama das Camélias - Alexandre Dumas Filho

Literatura Francesa
Título Original: La dame aux camélias
Tradutora: Caroline Chang
Editora: L&PM Pocket
Edição de: 2004
Páginas: 224
16ª leitura de 2020

*Lido no Kindle Unlimited

Sinopse: Armand Duval é um jovem estudante de Direito na Paris de meados do século XIX. Jovem recatado, vindo de uma respeitável família burguesa interiorana, apaixona-se por Marguerite Gautier, nada mais nada menos que a mais cobiçada cortesã dos salões e teatros parisienses. Marguerite – vendida, corrompida, perdulária, amante de vários homens – corresponde ao amor do jovem, que provoca uma reviravolta na vida da jovem prostituta. Mas o futuro dos dois amantes enfrenta os mais rígidos obstáculos.
Escrito pelo francês Alexandre Dumas filho a partir da sua experiência autobiográfica com a cortesã Marie Duplessis, A dama das camélias é uma das mais célebres narrativas longas do século XIX – o próprio século de ouro do romance europeu. No livro, lançado em 1848 com enorme sucesso, assim como em toda a sua obra, Alexandre Dumas filho – filho bastardo do autor de O conde de Monte Cristo, Os três mosqueteiros – faz um ajuste de contas com a sociedade que o humilhara. A dama das camélias foi adaptado para o cinema e teatro inúmeras vezes, entre as quais na ópera La Traviata, de Giuseppe Verdi. A engenhosidade da estrutura, a limpidez e beleza do estilo, a honestidade no tratamento de uma das mais antigas facetas da sociedade humana – a prostituição – e a pungência com que desvenda as hipocrisias humanas fazem-na a obra-prima de Alexandre Dumas filho, que ainda hoje se lê de um fôlego só.



Não sei nem como começar a falar deste livro que mexeu tanto com as minhas emoções e me fez ficar um longo tempo refletindo, "viajando" para bem longe do "agora". Fiquei perdida em pensamentos ao final desta leitura, tentando entender como a vida pode nos levar para tão longe dos nossos sonhos. É comum dizerem que a vida é feita de escolhas, que você colhe o que plantou. Mas... Nem sempre isso é verdade. Muitas vezes o destino, ou seja lá que nome você prefira dar, nos aprisiona numa realidade na qual "escolha" é utopia, na qual colhemos não o que plantamos, mas as consequências do que foi plantado por outras pessoas. 

"Exorto o leitor a se convencer da veracidade desta história, da qual todos os personagens, com exceção da heroína, ainda vivem."

Filho bastardo do grande escritor de O Conde de Monte Cristo, Alexandre Dumas filho foi afastado da mãe ainda pequeno e matriculado em ótimas instituições de ensino para que lhe fosse assegurada uma boa educação. Se por um lado a dor de sua mãe lhe serviu de inspiração para a criação de suas personagens femininas, por outro lado, o talento de seu pai e os círculos aos quais teve acesso o incentivaram a tornar-se escritor. Em sua juventude, apaixonou-se por uma famosa cortesã com quem manteve um relacionamento por alguns poucos anos, até perceber que seria impossível continuar. Pouco tempo mais tarde, ainda muito jovem, ela veio a falecer de tuberculose e o impacto de sua morte serviu de fonte de inspiração para que o autor escrevesse aquela que se tornaria a sua mais famosa obra: A Dama das Camélias, romance de cunho autobiográfico, que até hoje emociona milhares e milhares de leitores no mundo todo. 

4 de novembro de 2019

O Corcunda de Notre Dame - Victor Hugo

Literatura Francesa
Título Original: Notre-Dame de Paris
Tradutor: Jorge Bastos
Editora: Zahar
Edição de: 2015
Páginas: 624


Sinopse: Na Paris do século XV, a cigana Esmeralda dança em frente à catedral de Notre Dame. Diante da beleza da jovem, curvam-se o poeta Pierre Gringoire, o arquidiácono Claude Frollo, o disforme sineiro Quasímodo e o capitão Phoebus de Chânteaupers. Neste grande clássico do romantismo francês, Victor Hugo vai muito além de um amor impossível, não correspondido e trágico, O corcunda de Notre Dame retrata uma Paris ainda gótica que testemunha o fim de uma época e o início de outra. 



Estou aqui sentada na frente do computador sem saber por onde começar a falar deste livro. Minhas emoções ainda estão bagunçadas. Estou perdida entre o ódio, a revolta, a dor, o amor pelos personagens e uma horrível sensação de injustiça. Não imaginava que o livro fosse mexer tanto comigo. 

"Desde os seus primeiros passos entre as pessoas, ele se viu e se sentiu conspurcado, machucado, rejeitado. A palavra humana, para Quasímodo, sempre fora de deboche ou de maldição. À medida que crescia, ele encontrava apenas ódio à sua volta."

Não tenho dúvidas de que O Corcunda de Notre Dame provocou (e ainda provoca) os mais diversos debates, estudos e pesquisas. São muitas as interpretações possíveis para esta história e fica evidente para qualquer leitor que ao escrever este livro o autor, Victor Hugo, tinha todo o objetivo de chamar a atenção dos leitores da época para a Catedral de Notre Dame de Paris, embora seja possível perceber também que ele não tocou em certos temas sociais e fez críticas políticas à toa. Mas deixo que os especialistas, os críticos literários, se aprofundem em tais assuntos. Nesta resenha falarei apenas dos personagens e como suas histórias de vida mexeram com meus sentimentos, me marcaram de uma forma que é praticamente impossível colocar em palavras. 

"Adquiriu a maldade ambiente. Apossou-se da arma com que o feriam."

Neste livro temos três personagens principais: Claude Frollo (que eu chamo "carinhosamente" de demônio em forma de gente), Quasímodo e Esmeralda. O destino desses três personagens se entrelaça de tal forma ao longo da história que até mesmo o leitor mais distraído consegue perceber que nada de bom poderia sair dali. Sentimos que uma grande tragédia acabaria por marcar suas vidas, por mais que no fundo do nosso coração torcêssemos para que houvesse uma esperança. Uma saída. 

12 de julho de 2019

O Estrangeiro - Albert Camus


Título Original: L'Étranger
Páginas: 125
eBook Kindle
Onde comprar: Amazon

*Lido no Kindle Unlimited


Sinopse: O Estrangeiro é um romance de 1942 de Albert Camus, frequentemente citado como um excelente exemplo da filosofia do absurdo e existencialismo de Camus. É uma obra exemplar de arte literária que apresenta um amálgama de apatia e humanidade, de uma maneira que é paradoxal, mas profundamente satisfatória. Esta escritura louvável explora as inúmeras possibilidades da vida humana, reconhecendo seus absurdos.




Pense num livro perturbador... Comecei a ler esta história no dia 27/05, mas logo em seguida deixei de lado para me dedicar a outras leituras. Todavia, ontem eu decidi que retornaria ao livro e o melhor seria voltar do início. E foi o que fiz. Como resultado fui dormir bem tarde e quase concluí a leitura toda ontem. Sobraram apenas poucos capítulos que li hoje, dia 07/07 (mas a resenha só será publicada no dia 12/07). É uma história que mexeu muito comigo por conta das reflexões que ela provoca. Também ficou um sentimento meio doloroso, que nem sei explicar... 

"Mamãe morreu hoje. Ou, talvez, ontem. Eu não tenho certeza."

Meursault, o personagem principal, que é também o narrador desta história, recebe de repente a notícia de que sua mãe faleceu. Eles não moravam juntos fazia um tempo, pois o protagonista não tinha condições financeiras de mantê-la ao seu lado. Assim, a colocou num lar para idosos, onde ele aparecia pouquíssimas vezes, por ser uma viagem muito longa até o local e não ter tempo para ficar indo e vindo. Além disso, segundo o personagem, não tinha nada em comum com sua mãe e quase não se falavam ainda quando viviam juntos. Sendo assim, o melhor mesmo era aquela distância. 

9 de junho de 2019

O Fantasma da Ópera - Gaston Leroux

Título Original: Le Fantôme de l'Ópera
Tradutor: Gustavo de Azambuja Feix
Editora: L&PM Pocket
Edição de: 2016
Páginas: 330
Onde comprar: Amazon

Sinopse: Somente a música e o amor são imortais. Que aterrorizante segredo esconde-se nos subterrâneos da Ópera de Paris? Que mistério atormenta um dos mais majestosos palácios dedicados à arte na capital francesa? Uma das histórias de terror e amor mais famosas do século XX, O fantasma da Ópera combina romance e suspense para narrar o triângulo amoroso entre a linda e talentosa cantora lírica Christine Daaé, o frágil e apaixonado visconde Raoul de Chagny e o sinistro e obcecado gênio da música que habita os porões do teatro. Com contornos de relato histórico, a narrativa conduz o leitor pelos labirintos da Ópera e do coração humano, revelando o que há de mais obscuro em ambos.



Faz poucas horas que concluí esta leitura e nem sei por onde começar a falar dela. É um livro que se tornou um querido do meu coração. Um daqueles especiais, sabe? Do qual não abro mão, que levaria comigo se precisasse viajar e carregar apenas algumas histórias deixando o resto para traz. É precioso como O Morro dos Ventos Uivantes, As Relações Perigosas, O Quarto Arcano, Jane Eyre e algumas outras histórias que marcaram minha vida... Comecei a ler este livro sobretudo por conta do filme no qual o fantasma foi interpretado pelo Gerard Butler, mas não foi pelo filme que o amei. Afinal de contas, embora existam semelhanças, o livro acaba por ser bem diferente em muitos aspectos. 

É uma história que me provocou diversas emoções, que me deixou com o coração acelerado e sentindo muito pânico na última semana de leitura, temendo pela Christine e por seu amado Raoul, bem como por outros personagens da história. Que outras atrocidades ainda seriam cometidas pelo Érik, nosso odiado fantasma da ópera? Que outros crimes cometeria em nome daquele doentio amor? 

14 de agosto de 2017

As Relações Perigosas - Choderlos de Laclos

(Título Original: Les Liaisons Dangereuses
Tradutor: Sérgio Milliet
Editora: Nova Cultural 
Edição de: 2002)

Você está prestes a ler uma obra 'diabólica'. A crítica, que não poupou adjetivos para desclassificar As ligações perigosas quando do seu lançamento, em 1782, não chegou nem perto de captar a poderosa ambiguidade deste marco da literatura epistolar. Choderlos de Laclos (1741-1803) construiu um romance em cujo primeiro plano se destacam as relações amorosas, a perda da inocência e a traição, mas cujo pano de fundo é um dos mais sofisticados e ferinos retratos da aristocracia pré-Revolução Francesa e uma sofisticada reflexão sobre a hipocrisia do poder. Além disso, o livro teve inúmeras adaptações para o teatro e para o cinema.

A Marquesa de Merteuil e o Visconde de Valmont, apesar de todo o luxo que os rodeia e da extrema cortesia e sofisticação que aparentam, personificam o que há de mais vil na humanidade. Ex-amantes, os protagonistas destas 175 cartas fingem e manipulam as pessoas a seu bel-prazer. Talvez para testar seu poder, talvez para passar o tempo, tecem um plano de sedução e vingança para provar que não são manipuláveis e descartáveis como os outros. Esse plano é descrito com requintes de perversidade por eles em cartas nas quais revelam seus mais íntimos pensamentos - e o fazem com tanta precisão que na época imaginou-se que o romance era, na verdade, uma reunião de cartas verídicas sobre fatos que realmente aconteceram.



Palavras de uma leitora...


- No início do ano passado, eu assisti uma minissérie em 10 capítulos da Globo chamada Ligações Perigosas. Seduzida pelas chamadas da emissora e pelo fato de contar com atores dos quais gosto muito, resolvi ver o primeiro capítulo. Fiquei imediatamente presa ainda que pudesse prever que nada terminaria bem. Naquela época, ainda não conhecia o livro. Não fazia ideia do que se tratava, mas toda a perversidade que transparecia em Isabel e Augusto, protagonistas e antagonistas dessa história, deixou mais do que claro que o final seria trágico. Não foi com surpresa que vi a sucessão de desgraças que ocorrem nos últimos episódios. Mesmo assim, o fim de uma personagem em especial me marcou bastante. 

Quando falei da minissérie aqui, disse: "É uma história forte, sensual e sombria. Mostra o lado escuro do amor, da paixão e das relações humanas." E o mesmo, é claro, se aplica ao livro. Creio que nunca li um clássico (depois de O Morro dos Ventos Uivantes) que me impactasse como esta história. Heathcliff é um anjo perto da marquesa de Merteuil e do visconde de Valmont. Eles sim podem ser chamados de demônios. Mas ela... muito mais que ele. 

"Quem deixaria de estremecer pensando nas desgraças que pode causar uma só relação perigosa!"

A senhora de Volanges não poderia prever os perigos que ameaçariam a vida de sua filha ao tirá-la do convento no qual a menina passara toda sua vida. Aos 15 anos de idade, nada conhecia do mundo ou das perversidades humanas. Crescera protegida de tudo, sendo tirada da segurança daqueles muros apenas para casar-se, conforme ocorria com várias moças de boa família. Embora sua mãe não tivesse deixado claro que a casaria, Cécile sabia que não teria sido autorizada a ir para casa por outro motivo. Assim, de certa forma ansiosa pelos acontecimentos do seu futuro, não deixa de ficar deslumbrada pela vida diferente da que até então tivera no convento, ainda que seguisse tendo que obedecer à regras e à autoridade de sua mãe que a mantinha constantemente vigiada. Mas a amizade carinhosa de uma parente distante de sua mãe, a marquesa de Merteuil, que não a tratava como criança, assim como os sentimentos que começaram a surgir em seu coração pelo cavaleiro Danceny seriam o início da sua perdição. Guiada por aquela mulher, que aparece em sua vida como a amiga compreensiva que tanto necessitava naquele momento, Cécile segue por um caminho sem volta, perdendo muito mais do que a inocência... 

"Chamar-me-ia pérfida, e esta palavra 'pérfida', sempre me deu prazer."

Desejando vingar-se de alguém do seu passado, o homem escolhido pela senhora de Volanges para desposar sua filha, a marquesa de Merteuil decide recorrer ao seu leal amante e cúmplice nas crueldades. Ambos possuíam uma longa história juntos e ela sabia que somente a ele poderia confiar o seu pequeno projeto. Quem melhor do que o sedutor mais notório de toda a França, alguém que dedicava-se intensamente à missão de arruinar uma mulher? Quem melhor do que ele para fazer com que Cécile chegasse ao casamento sem a pureza que o seu inimigo desejava possuir? Jamais lhe daria o prazer de encontrar em sua cama uma jovem inocente e ingênua. Não. Era sua missão fazer dela a sua pupila e ensinar-lhe, ao lado de Valmont, tudo o que alguém como ela merecia saber... 

"[...] Como se não fosse nada arrebatar numa noite uma jovem e seu bem-amado, usá-la, em seguida, à vontade, como uma propriedade, sem maiores precauções, obter dela o que não se ousa sequer exigir das profissionais."

De início, Valmont recusa-se a participar dos planos da marquesa. Não porque possuísse algum escrúpulo e não desejasse corromper uma menina de 15 anos, mas porque estava ocupado com seus próprios projetos... Os de seduzir e dominar uma jovem senhora casada, devota e amiga querida de sua tia. Embora a tivesse conhecido antes, foi somente ao tê-la bem próxima, enquanto ambos passavam uma temporada na casa de campo de sua tia, que ele percebeu que seria muito prazeroso destruir a fé e os princípios daquela mulher, fazer com que ela se submetesse às suas vontades e não fosse mais do que o seu objeto de prazer até que, satisfeito e cansado, ele a abandonaria para que ela lidasse sozinha com os seus pecados. Sabia que seria capaz de destruir sua resistência, de usar seus bons sentimentos contra ela e rendê-la aos seus desejos. 

"Terei essa mulher; roubá-la-ei ao marido que a profana; ousarei roubá-la ao próprio Deus a quem adora. Que delícia ser ora o objeto ora o vencedor de seus remorsos! Longe de mim a ideia de destruir os preconceitos que a obsedam: aumentarão minha felicidade e minha glória. Que acredite na virtude, mas que a sacrifique a mim."

Só que o que parecia fácil, torna-se mais complicado quando a senhora de Volanges trata de aconselhar sua jovem amiga dos perigos de deixar-se acreditar nas palavras mentirosas que saíam dos lábios de Valmont. Embora a presidenta de Tourvel, a quem Valmont desejava conquistar, não se imaginasse capaz de cair nas garras dele ou de homem algum, pois era fiel ao marido e ao Deus que amava, seu coração bondoso se deixava enternecer pelo arrependimento que aquele homem de péssima reputação aparentava sentir por sua vida desregrada. Ela acreditava que toda pessoa era capaz de arrepender-se de seus pecados e mudar e acaba por ver naquele homem alguém com potencial para ser convertido. Mas os avisos de sua amiga, por quem tinha enorme carinho, fortalecem suas defesas e a fazem afastá-lo dela. Embora acreditasse sinceramente que poderia trazê-lo de volta para o bom caminho, não desejava expor-se a perigos desnecessários, o que só serve para provocar a fúria de Valmont contra a mulher que a preveniu contra ele e aumentar, por sua vez, a obsessão que ele sentia por ela. 

"Ah, sem dúvida, cumpre seduzir-lhe a filha; mas não basta: é preciso desmoralizá-la; e, já que a idade dessa maldita mulher a coloca ao abrigo de meus golpes, cabe feri-la no objeto de suas afeições."

Assim, ao descobrir quem era a mulher que estava atrapalhando seus planos, Valmont percebe que seria uma vingança perfeita ceder ao projeto da marquesa e fazer daquela menina, filha de sua inimiga, uma jovem bastante versada nas artes do sexo e do prazer. A tomaria como aluna e amaria ser seu professor. 

Desta forma, iniciam-se as cartas que contariam a história de diversas vidas destruídas pelo jogo de poder e crueldade de dois amantes que, entediados com a vida de luxo e riqueza que levavam, divertiam-se jogando com as pessoas e as arrastando para um mundo sórdido do qual nem todas escapariam com vida. 

"Em verdade, quanto mais vivo, mais sou levado a crer que só há nós dois neste mundo valendo alguma coisa."

- Não tenham dúvidas de que esta resenha terá spoiler. Será impossível falar de certas coisas sem contar demais. Por isso, se não quiserem conhecer certos segredos sobre o livro, parem de ler esta resenha imediatamente! 

- Acho que foi a curiosidade (por vezes minha inimiga) que me levou a ler esta história. Ela não estava em meus planos, não fazia parte de minhas metas de leituras nem nada. Todavia, depois que assisti a minissérie, vez e outra me pegava lembrando dela e sentindo uma curiosidade enorme acerca do livro. Ao mesmo tempo que desejava lê-lo sentia medo. Sabia que nada terminava bem, sabia que era uma história recheada de crueldades e jogos desprezíveis, protagonizada por dois seres humanos que mais mereciam ser chamados de demônios. De verdade, gente! Eles são de uma maldade que arrepia e nos choca. Não que eu nunca tenha lido algo pior. Realmente já li livros bem terríveis: suspenses, thrillers psicológicos, dramas... Histórias nas quais seres humanos torturam e assassinam outras pessoas por puro prazer, por simples perversidade. Mas no livro As Relações Perigosas não vemos uma maldade tão explícita e imediata assim. O que acompanhamos, através das cartas que constroem a história, é algo mais profundo e duradouro... São pessoas tecendo cuidadosamente a trama que destruiria a vida de duas mulheres que nada lhes tinham feito, que eles desejavam arruinar por puro prazer. Mas não com atitudes claras, não com um ataque direto. Mas com um jogo lento e certeiro, no qual ambos eram mestres. Sabiam como ninguém como usar as palavras, como manipular, envolver os outros de tal forma que quando fossem capazes de perceber o que tinha acontecido, já seria tarde demais. Uma adolescente de 15 anos que absolutamente nada conhecia do mundo e uma devota inocente e crédula realmente não possuíam nenhuma chance contra eles. 

"Que Deus ousava invocar? Haverá algum bastante poderoso contra o amor? Em vão procura ela agora socorros estranhos; sou eu quem decidirá de sua sorte."

- Conhecemos tudo o que se passou através das cartas trocadas entre vários personagens. Os principais, obviamente, sendo a marquesa de Merteuil e o visconde de Valmont. Mas também temos a oportunidade de conhecer os pensamentos e sentimentos da menina Cécile, da presidenta de Tourvel (nunca ficamos sabendo seu primeiro nome), da senhora de Volanges, da tia de Valmont e do jovem que se apaixona pela Cécile e também tem uma participação importante nos acontecimentos desta história. Assim, são vários os pontos de vista, o que nos permite amarmos ou odiarmos determinados personagens, pois os conhecemos diretamente, através de suas próprias palavras. 

É angustiante observar a maneira como o Valmont invade a vida daquela mulher, como a usa, como a manipula, como a faz acreditar nele. E como ela não acreditaria? Talvez seja fácil julgar e condená-la estando de fora da situação, mas eu não fui capaz de fazer tal coisa. Ao me permitir entrar na história, viver tudo com os personagens, eu tinha total noção de como Valmont era habilidoso no seu jogo e como seria fácil para qualquer pessoa acreditar em suas palavras. Ele dizia tudo de tal maneira, com tanta verdade, que ele próprio por vezes acreditava no que dizia! Sabe essas pessoas que mentem ao ponto de acreditar na própria mentira? Assim era ele. 

"Ah, virá cedo demais o tempo em que, degradada pela sua queda, ela não será mais para mim senão uma mulher comum."

- Ela era uma pessoa feliz com a vida que levava. Amada de maneira tranquila e confiante pelo marido, querida pelos amigos e pela sociedade que a admirava, encontrava prazer em ajudar os outros e dedicar-se ao Deus no qual acreditava. Nunca experimentara a intensidade da paixão e não desejava para si nenhum sentimento que pudesse perturbá-la. Não é fácil para Valmont seduzi-la, por isso ele recorre à sua religião, pois ali encontrava uma porta para acessar sua vida e aproximar-se dela. 

Mas quando ela percebe que começava a sentir por ele coisas que antes desconhecia, luta com todas as suas forças para resistir, para afastá-lo, para fugir dos sentimentos que a confundiam. E quanto mais ela lutava com mais determinação ele aproximava-se, excitando-se com suas lágrimas, com suas súplicas, com suas tentativas de evitá-lo. Até mesmo em seu desespero ele encontrava prazer e estava empenhado em esperar o tempo que fosse necessário para vencê-la pelo cansaço e tê-la exatamente onde desejava. 

"Que ela se renda, mas que lute; que, sem ter a força de vencer, tenha a de resistir; que saboreie longamente o sentimento de sua fraqueza e seja constrangida a confessar sua derrota."

- Ela não era uma mulher fácil que apenas estivesse fingindo "resistir" e Valmont sabia bem disso, o que o satisfazia ainda mais. É muito triste observar a luta dela, torcendo para que ela não caísse, para que lutasse contra o amor que acreditava estar começando a sentir por ele, torcendo para que ele não conseguisse destruí-la. Nós conhecíamos seus planos, sabíamos tudo o que ele pretendia fazer com ela e era desesperador não poder fazê-la enxergar isso, não sermos capazes de evitar a tragédia que se seguiria. 

Embora ela aguente durante meses, Valmont era realmente muito bom em sua sedução. Interpretou com maestria o papel de jovem apaixonado e destroçado por tal amor. Ele merecia um prêmio pela maravilhosa interpretação, sem sombra de dúvidas. E, em determinado momento, ela não suporta mais lutar. Acaba cedendo aos desejos dele e conhecendo a felicidade que antecederia a maior tristeza de sua vida. Uma tristeza que lhe roubaria tudo. 

"Eu era inocente e tranquila; foi por te ter visto que perdi o repouso; foi escutando-te que me tornei criminosa. Autor de minhas faltas, que direito tens de me punir?"

- Para mim, o trecho acima é um dos mais marcantes do livro. Que nos mostra toda a desesperança e dor dessa personagem. De uma mulher cujo crime foi se apaixonar pela pessoa errada. Uma mulher que lutou com todas as suas forças, que se afastou, que foi para bem longe dele, mas que acabou vencida por alguém muito mais experiente e ardiloso como ela jamais conseguiria ser. É de partir o coração o seu sofrimento. Foi a única personagem que me fez chorar. Foi a única por quem senti realmente. Ela não merecia tudo o que lhe aconteceu. Era uma pessoa boa, ingênua, feliz. Alguém que despertou sem mesmo tentar o interesse de alguém perigoso que não sossegou enquanto não destruiu a sua vida. O fim dela é triste e doloroso demais. Vocês não têm noção do quanto chorei, ainda que tivesse visto o mesmo final na minissérie. Eu sabia como terminaria sua história, mesmo assim ler foi pior que assistir. Não consigo aceitar algo tão injusto. Uma fala da amiga dela também me marcou bastante. Foi numa carta que a amiga escreveu à outra, após o final da minha personagem preferida. Nesse trecho da carta, ela lembrava do passado, de um ano antes, quando ambas conversavam sobre essa moça, sobre a certeza de que ela sempre seria uma pessoa feliz, daquelas raras que eram abençoadas com tudo o que uma pessoa poderia desejar. A senhora Volanges mostra o quanto estava inconformada que alguém como a presidenta, uma pessoa tão querida como ela, pudesse terminar daquela maneira. É algo que eu também não sou capaz de aceitar ou suportar. 

"Não há mais felicidade para mim, nem repouso, senão com a posse dessa mulher que odeio e amo com igual furor."

- É possível que muitas pessoas acreditem que o Valmont chegou a amar a mulher por quem ficou obcecado. Que tudo o que ele fez foi por amá-la loucamente. Mas nem por um segundo eu acredito em tal amor. Até mesmo a minissérie tentou nos fazer acreditar no amor dele e mesmo o autor do livro tenta redimi-lo no final, mas nada poderia me convencer. Tudo o que esse canalha faz... Não. Aquilo não era amor. Era obsessão sim, era maldade, ódio por encontrar em alguém as qualidades que ele jamais possuiria. Despeito por ver uma mulher tentar resistir aos seus avanços, uma vez que nenhuma jamais se atreveu a isso. Mas amor?! Nunca foi amor. Nem por um instante! Ele a empurrou para a morte. Ele a destruiu sem piedade. Espero que ele tenha queimado no inferno. A minha compaixão ele jamais irá encontrar. 

"Visconde, quando uma mulher golpeia o coração de outra, raramente deixa de encontrar o lugar sensível, e a ferida é incurável."

- E o que falar da nossa tão "querida" marquesa?! Se Valmont desempenhava com perfeição um papel, ela era a mente por traz de muitas das desgraças desta história. Profundamente perversa, era um perigo para todos os que a cercavam. Alguém que não hesitaria antes de fazer o que julgasse necessário para ter o que queria. Que seria capaz das piores crueldades para satisfazer seus desejos. Ela era muito inteligente, astuta, a única capaz de jogar com seu cúmplice, de fazer dele sua marionete. Ela controlava as vontades dele, seus passos, até seus pensamentos. Ele podia ser mau, mas ela era sua mentora e sua dona. E quando Valmont decide livrar-se de suas garras... As consequências são as piores possíveis. Ninguém a contrariava sem pagar caro por isso. Se ela era capaz de planejar, incentivar e aplaudir o estupro de uma adolescente e ainda empenhar-se em prostituí-la do que mais não seria capaz, não é mesmo? Esses dois amantes malditos realmente se mereciam. No fim, é uma certa justiça que tenha um acabado com o outro. Mas nem mesmo esse castigo foi suficiente para mim. Eles mereciam muito mais. 

"A humanidade não é perfeita em nenhum gênero, tanto no mal como no bem."

Publicado originalmente em 1782, este livro causou grande impacto na sociedade hipócrita da época. Muita gente chegou a acreditar que tratava-se realmente de uma coletânea de cartas verdadeiras, trocadas entre pessoas reais. E o autor dá a entender isso, de propósito. O livro mostra um outro lado da nobreza francesa. Um lado bastante obscuro e desumano. Eu fico aqui tentando imaginar como as pessoas devem ter reagido após ler tudo o que encontra-se nas páginas deste livro.rs Adoraria ter podido observar tais reações, as caras de choque, a indignação que sentiram... Mas o autor não criticou e atacou apenas a nobreza ou a sociedade de sua época. Não. Esta obra-prima vai muito além disso. Ele criticou a natureza humana de maneira geral, mostrando um lado vil que há em muitas pessoas por aí, em qualquer época ou lugar. Pessoas manipuladoras e que se divertem com o sofrimento dos outros existem aos montes por aí. Mesmo hoje existem relações perigosas. O livro Cuco é um exemplo disso. 

- Na minha opinião, muitos livros são considerados clássicos sem merecerem. Mas isso não se passa no caso de As Relações Perigosas. Este livro é realmente um clássico mundial, um livro muito importante que não me arrependo nem por um instante de ter lido. É verdade que ele mexe profundamente com nossos sentimentos, que um acontecimento é pior que o outro, que sofremos por aqueles que não mereciam um final tão terrível. Porém, mesmo assim é um livro que ninguém deveria perder a oportunidade de ler. 

"Vejo em tudo isso os maus castigados; mas não encontro consolo algum para suas desgraçadas vítimas."

15 de dezembro de 2013

O Principezinho - Antoine de Saint-Exupéry


Esta é a história do menino que vivia num asteroide, com os seus vulcões em miniatura e a sua linda rosa vermelha, e usava um longo cachecol a flutuar ao vento. Um dia ele resolveu viajar e visitou a Terra onde encontrou um grande amigo, que depois contou a história desse menino. Esta história foi traduzida em muitas línguas, foi lida por milhares de pessoas pequenas e grandes, e também por aqueles que, tendo-a lido quando eram pequenos a voltaram a ler na idade adulta. Tal como tu talvez daqui a muitos anos voltes a lê-la. Sabes porquê? Porque mesmo se te causar alguma estranheza ou te parecer enigmática, esta história revela-te um segredo muito simples e ao mesmo tempo muito sábio: é que as coisas mais importantes são muitas vezes invisíveis para os olhos - só com o coração é que podemos vê-las! Além da leitura destas páginas, convidamos-te a apreciar as aguarelas com que o autor ilustrou a sua história!


Palavras de uma leitora...


"Contemplava, à luz do luar, aquele rosto pálido, aqueles olhos fechados, aquelas mechas de cabelo a tremer ao vento e pensava: 'O que eu estou a ver não passa de uma capa. O mais importante é invisível...'
Desenhara-se-lhe um vago sorriso nos lábios entreabertos e eu pensei: 'O que me comove tanto neste principezinho adormecido é a sua fidelidade a uma flor, é a imagem de uma rosa que, mesmo quando ele dorme, brilha lá dentro como a chama de uma vela'. E ele pareceu-me ainda mais frágil. Porque, às velas, é preciso protegê-las: mal lhes dá o vento, apagam-se."


- Ao terminar a leitura desta história, cheguei à seguinte conclusão: não sou uma pessoa crescida. E me orgulho muito disso. Jamais quero ser uma pessoa crescida. Quero sempre conseguir ver como uma criança. Sentir como uma criança. Porque uma pessoa crescida não tem tempo para sentimentos. Não tem tempo para ver o pôr do sol, admirar o mar, sentir seu cheiro, olhar para o verde da natureza e sonhar ao sentir o vento balançando seu cabelo. As pessoas crescidas sequer conseguem perceber essas coisas. Estão sempre muito ocupadas. Ocupadas demais. Até mesmo para viver. 

"É que, numa certa estrela, num certo planeta, no meu planeta, na Terra, havia um principezinho para consolar. Peguei-lhe ao colo. Embalei-o. Fui-lhe dizendo: 'A flor de que tu gostas não corre perigo nenhum... Eu desenho um açaimo para a tua ovelha... Eu desenho uma armadura para a tua flor... Eu...' Não sabia que mais lhe prometer. Sentia-me completamente desarmado. Não sabia como chegar até ele... É tão misterioso, o país das lágrimas!"

- Este livro conta a história de um homem que, num belo dia (que ele não considerava tão belo assim), após "cair do céu", por um problema em seu avião, encontra em seu caminho um principezinho, que parecia perdido. Ele ainda não sabia, mas aquele garotinho que tão misteriosamente apareceu em sua vida, era como a realização de um pedido de natal. De um pedido feito há muito tempo, do fundo do seu coração, e do qual ele sequer se lembrava. Um pedido que ele nunca colocou em palavras. Um pedido que fez em silêncio (e sem saber) ao se decepcionar com as pessoas crescidas. Ao perceber que elas não eram capazes de enxergar além das aparências. Ao perceber que elas não eram capazes de ver o interior do que quer que fosse. Que a visão delas era limitada. Por influência das pessoas crescidas, ele deixou de lado o amor pela arte e foi em busca de "uma profissão de verdade", mas nunca esqueceu a experiência que tivera. E, no fundo, ainda tinha uma leve esperança, toda vez que pegava os únicos desenhos que tivera a coragem de fazer e mostrava para as pessoas crescidas que encontrava em seu caminho, de encontrar alguém que os compreendesse. Que conseguisse enxergar o interior daqueles desenhos. Que fosse capaz de ver como uma criança. Ele queria, mais do que tudo, um amigo. Um amigo de verdade. Alguém que o cativasse, que se tornasse importante para ele, que se tornasse único. E quando os céus atenderam o seu pedido, muitos anos depois, e na forma daquele principezinho, ele não percebeu. Não foi capaz de ver isso de início. Não foi capaz de reconhecer o seu presente. 

"O meu amigo nunca explicava nada. Talvez pensasse que eu era igual a ele. Infelizmente, não sei ver ovelhas através de caixas. Se calhar, estou um bocado parecido com as pessoas crescidas. Devo ter envelhecido."

- Só que, diferentemente das pessoas crescidas, aquele homem não precisou perder para perceber o que tinha ganhado. Embora tenha demorado um pouco para enxergar o anjo que estava em sua frente, que tinha aparecido em sua vida, ele notou. E soube apreciar os momentos ao lado dele. Momentos únicos. Que muitos seres humanos jamais terão em sua vida. Porque não têm tempo para terem amigos.

" - Só conhecemos o que cativamos - disse a raposa. - Os homens deixaram de ter tempo para conhecer o que quer que seja. Compram as coisas já feitas aos vendedores. Mas como não há vendedores de amigos, os homens deixaram de ter amigos."

- A história é contada seis anos após o encontro tão inesperado entre aquele homem com alma de criança e o principezinho que, de maneira simples e sutil, muito soube ensinar. É contada seis anos após a sua partida. O tempo pode ter sido capaz de ofuscar as lembranças da aparência do principezinho, mas não conseguiram modificar os sentimentos que ele havia despertado no homem com alma de criança. Porque o tempo nunca é capaz de apagar o que sentimos no coração. As lembranças que não ficam na mente, mas cravadas profundamente em nosso coração. As lembranças que só podemos sentir. Jamais explicar. Jamais descrever com palavras. 

"Quando nos deixamos cativar, é certo e sabido que algum dia alguma coisa nos há de fazer chorar."

- Eu já tinha ouvido falar desta história, mas jamais tinha tido a oportunidade de lê-la. Sabia que era uma história especial, capaz de atingir o coração de milhares e milhares de crianças e adultos (com alma de criança) ao longo do tempo. Que continuava sendo especial, mesmo depois de tantos anos. Mas eu não podia imaginar o quanto esta história era especial. Sabia que ela era preciosa, mas não podia imaginar o quanto. Porque somente depois de lê-la, somos capazes de realmente conhecê-la. De entendê-la. De senti-la

- Já fazia uns meses que eu tinha esta história. Ganhei de presente de aniversário da minha querida amiga, Carlita. E justamente por saber que esta história era única, preciosa e que tinha muito o que me ensinar, é que eu não a li logo. Não. Não podia lê-la em qualquer momento. Precisava lê-la num momento especial. Um momento escolhido pelo meu coração. E o momento surgiu. Um momento em que eu precisava muito de uma história como esta. Um momento no qual o meu coração me pediu, delicada e timidamente, que eu o alegrasse. O alimentasse com esta história. Que lhe devolvesse, com esta história, o que certos acontecimentos tinham roubado. O que as pessoas crescidas tinham roubado. 

"[...] Andas à procura de galinhas?
- Não - disse o principezinho. - Ando à procura de amigos. 'Cativar' quer dizer o quê?
- É uma coisa de que toda a gente se esqueceu - disse a raposa. - Quer dizer 'criar laços'...
- Criar laços?
- Sim, laços - disse a raposa. - Ora vê: por enquanto tu não és para mim senão um rapazinho perfeitamente igual cem mil outros rapazinhos. E eu não preciso de ti. E tu também não precisas de mim. Por enquanto eu não sou para ti senão uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativares, passamos a precisar um do outro. Passas a ser único no mundo para mim. E eu também passo a ser única no mundo para ti..."

- Eu nunca poderia imaginar que terminaria a leitura desta história, em lágrimas. Soluçando. De modo algum poderia imaginar tal coisa. Mas esta história me tocou de tal forma que antes que eu pudesse perceber, já estava chorando. É incrível a quantidade de lições que esta história tem o poder de nos ensinar em tão poucas páginas. É incrível a forma como o principezinho entra em nosso coração sem pedir licença. E ali fica. Ali deixa uma parte de si. Uma marca. Uma lembrança. Não existe um pingo de egoísmo nele, sabe? Porque não é como certas pessoas que depois de nos cativarem, vão embora sem sequer um adeus. Sem um abraço, sem dizer que estão partindo. O principezinho sabia "ler" um amigo, sabia se importar com ele. É linda a forma como ele se preocupava com a rosa dele e como se preocupou com o homem com alma de criança. Existia nele a sabedoria que nenhuma pessoa crescida era capaz de ter. Jamais em minha vida serei capaz de esquecer o principezinho. Nem a raposa, o homem com alma de criança, a serpente e a rosa. Existem coisas inesquecíveis. E essas são algumas delas. Mas sobretudo, jamais esquecerei o principezinho. O amo demais. Porque ele me cativou.

" - Adeus...
- Adeus - despediu-se a raposa. - Agora vou-te contar o tal segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos...
- O essencial é invisível para os olhos - repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer.
- Foi o tempo que tu perdeste com a tua rosa que tornou a tua rosa tão importante.
- Foi o tempo que eu perdi com a minha rosa... - repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer.
- Os homens já não se lembram desta verdade - disse a raposa. - Mas tu não te deves esquecer dela. Ficas responsável para todo o sempre por aquilo que cativaste. Tu és responsável pela tua rosa..
- Eu sou responsável pela minha rosa... - repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer."


- Uma verdade que muitos esquecem, não é? Quantos pais vão embora de casa, divorciam-se da esposa e dos filhos, sem levar jamais em conta que é responsável por aquelas pessoas? Pelo menos, pelos filhos. Porque os cativou. Porque os fez amá-lo. Quantas mães dão à luz e num determinado momento de sua vida, decidem que não querem mais aquela criança.? Que querem ser livres? E isso após cativá-las. Destroem o coração da criança sem hesitar. Sem se importar. Porque as pessoas crescidas são egoístas. Porque não sabem amar. Porque são ocupadas demais até para saber o que tal palavra significa. Não é à toa que o mundo está como está. 


" - Por onde andam os homens? - perguntou o principezinho, passado algum tempo. - No deserto está-se um bocado sozinho...
- Também se está sozinho ao pé dos homens - disse a serpente."


- Nunca serei capaz de colocar em palavras o que sinto por esta história. O que ela significa para mim. O quanto me cativou, emocionou e se tornou preciosa. E nem através dos trechos que coloquei nesta resenha vocês serão capazes de encontrar o que só se encontra ao ler toda a história. Estes trechos são preciosos. Inesquecíveis. Me tocaram muito, mas é a história em si, do começo ao fim, sem excluir nenhuma palavra, que nos toca de uma forma única. Que nos arrebata. E nos dá paz. Uma paz que hoje em dia é difícil de encontrar. Que você só encontra nas coisas que as pessoas crescidas não julgam importantes. E que mesmo assim é preciso agarrar com toda força e manter na mente e no coração com insistência, pois o mundo, as pessoas crescidas, estão o tempo inteiro tentando nos roubar a paz que com tanta dificuldade encontramos. 

" - Mas os olhos são cegos. Só se procura bem com o coração."

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