Lembro com clareza do momento em que desejei este livro pela primeira vez. Foi no início de maio de 2016. Eu estava passeando pelo site da Saraiva quando me interessei por alguns livros que estavam com uma baita promoção, um deles foi
A Lista do Nunca, de Koethi Zan, que estava custando menos de dez reais na época (sim!!!!) e tinha uma sinopse de causar arrepios. Então, quando coloquei este livro no carrinho apareceu como sugestão
Ratos, de Gordon Reece. A sinopse me deixou LOUCA! Eu queria muito esse livro, mas o preço não estava muito bom. Decidi que poderia aguardar uma promoção... aí quando resolvi comprá-lo apareceu como
esgotado.
Foi somente no ano passado que uma moça anunciou que estava vendendo alguns de seus livros no Facebook e eu o vi entre eles. Claro que não poderia deixar a oportunidade única passar e o adquiri por um preço que valeu a pena. Quis lê-lo imediatamente, mas as outras metas literárias me impediram. O que não foi tão ruim assim, pois acho que alguns livros acabam sendo lidos nos momentos certos...
"Não procurávamos um lar. Procurávamos um lugar onde pudéssemos nos esconder."
Shelley, uma adolescente de quinze anos, sabe o real significado da palavra sofrimento. Enquanto era obrigada a lidar com o pesadelo do divórcio dos seus pais e da briga dele por sua guarda, como forma de mostrar a sua mãe que podia vencê-la em tudo, ainda precisava esconder da mãe o terror que vivia todos os dias no colégio, vítima de agressões praticadas por aquelas que durante anos frequentaram sua casa, que foram suas "melhores amigas", com quem dividira segredos, com quem acreditara que sempre poderia contar.
"Eu não imaginava o quanto os sentimentos delas por mim se tornaram nocivos. E não imaginava o perigo que corria."
No começo toda aquela violência a chocou muito mais do que feriu. Ela não conseguia entender o que fizera para despertar tanto ódio, como elas podiam fazer aquilo com ela. Mas com o tempo tudo foi piorando. Não se tratava mais de uma violência, de uma agressão verbal ou de vandalizarem seus objetos escolares. Não. Tudo se transformou em ataques diretos ao seu corpo. Não se contentavam mais em assustá-la, queriam machucá-la, fazê-la gritar de dor, fazê-la chorar. E então... o pior aconteceu e as cicatrizes em seu rosto e pescoço ainda contavam a história do dia em que Shelley quase morreu.
Seu pai já tinha ido embora fazia algum tempo e nem se preocupara em ligar para saber se ela estava se recuperando. Tudo o que o interessava, desde que trocara dezoito anos de casado por uma qualquer, era agradar sua amante e lhe agradava muito ver Shelley fora de suas vidas. Ele já tinha arrancado delas todo o dinheiro que podia e até a casa na qual a filha crescera, tornando o que antes era seu lar em motivo de briga no divórcio. E no momento em que percebeu que não podia tirar a menina da mãe, mesmo com toda a sua experiência profissional (era um brilhante advogado), resolveu que castigaria a filha com sua ausência, fazendo de conta que ela estava morta.
"Quando ele a abandonou, ela estava com quarenta e seis anos. Seu conhecimento jurídico estava completamente desatualizado - abandonado como uma fruta que apodrece no pé. Seu registro profissional não era renovado havia quatorze anos."
Ela sabia que seus pais haviam se conhecido na mesma firma de advocacia. Sua mãe era uma jovem profissional brilhante, com todo um futuro de sucesso pela frente. Mas o pai de Shelley surgiu em sua vida e em pouco tempo já estavam noivos. Embora fosse muitíssimo inteligente, Elizabeth não tinha forças para desagradar as pessoas. Não sabia dizer "não" e foi assim que, prestes a ser transformada em sócia na firma, ela se deixou convencer pelo marido a abandonar a profissão. A filha precisava dela em casa, ele disse. Podia sustentá-las. Ela não precisava trabalhar. Não passava de uma manobra para impedi-la de crescer profissionalmente, pois invejava o seu talento, invejava a sua inteligência. E conseguira sufocá-la, matar cada um dos seus sonhos.
Ao ser abandonada pelo marido com não muito dinheiro após todos os anos de dedicação, Elizabeth não fez mais que se conformar. Ao longo do tempo se acostumara a aceitar tudo o que a vida tivesse a oferecer, sem nunca levantar a voz, sem se revoltar, sem dizer "já chega!". Assim, pegou a filha que se recuperava do bullying que quase a matou e foi em busca de uma nova casa onde pudessem morar... longe de todos. Bem longe da realidade cruel do mundo. Não queria enfrentar a vida. Não tinha forças para isso. Só queria fugir. Se esconder.
"Docilmente, aceitamos, submetemo-nos, calamo-nos, não dissemos nada, não fizemos nada, porque a mansa submissão é tudo o que os ratos conhecem."
Quando a polícia não fez nada contra as agressoras e o colégio também se isentou de quaisquer responsabilidades, ela apenas abaixou a cabeça e aceitou tudo em silêncio, mesmo sendo uma advogada. Foi Shelley quem precisou sair do colégio, foi ela quem pagou pelos crimes das outras garotas, tendo que viver isolada de tudo e de todos, sendo visitada apenas por dois professores que deveriam prepará-la para os exames finais. Mas Shelley não se revoltava contra nada daquilo, contra toda aquela injustiça. Sabia que era um rato como sua mãe e ratos nunca enfrentam seus opressores... Ou será que sim? Será que até mesmo os ratos possuem um limite?!
"Quando um gato invade a toca de um rato, ele não vai embora sem fazer mal nenhum. Eu sabia como aquela história terminaria. Ele me estupraria. Ele estupraria minha mãe. E nos mataria."
Quando aquele homem invadiu sua casa, na madrugada de seu aniversário de dezesseis anos, Shelley soube que era o fim. Não adiantava fugirem da violência do mundo, pois até mesmo ali, naquele lugar tão afastado de todos, o mal conseguira atingi-las. Onde estava a justiça? Onde estava Deus?
"Percebi que não tremia de frio. Eu tremia de medo."
Embora não tenha superado minhas expectativas, este é sem sombra de dúvidas um thriller psicológico que vale muito a pena ler. Eu já tinha uma ideia do que aconteceria, pois a própria sinopse nos entrega muita coisa, mas o desenrolar dos acontecimentos é que torna a história tão fascinante. É impossível não sentirmos compaixão da Shelley e da mãe dela... ao mesmo tempo em que sentimos medo dessa personagem adolescente, dessa menina que após ser vítima de tantas violências se tornou capaz de qualquer coisa. Mas como culpá-la?! Como dizer que ela não tinha o direito de dizer: "Chega! Agora não vou mais aguentar tudo em silêncio. Eu vou me defender!"
"Eu já não seria vítima de ninguém. Nunca mais."
Não diria que no lugar das protagonistas desta história eu teria agido diferente. Até porque era uma questão de defesa pessoal, de sobrevivência. Eu já estava cansada de vê-las permitindo que as pessoas as machucassem, que todo mundo se aproveitasse da vulnerabilidade delas. Entendo porque a Shelley as considerava "ratos". Elas estavam sempre ocupando a posição de vítimas, se escondendo em vez de enfrentar seus agressores, aceitando todas as injustiças, as perseguições, o abuso de patrões que pagavam o mínimo possível por um trabalho que a mãe da Shelley sabia que valia mais (ela recebia menos que as secretárias e fazia todo o trabalho de uma advogada). Então, quando elas finalmente agiram, quando resolveram se defender, pela primeira vez na vida, eu fiquei, de certa forma, feliz. Não foi uma felicidade completa, pois infelizmente os acontecimentos daquela madrugada marcariam suas vidas para sempre. E não de um modo bom, apesar de tudo.
"A realidade era exatamente o oposto da ordem e da beleza; era o caos e o sofrimento, a crueldade e o horror."
Se você acha que pelo que falei já sabe tudo o que acontecerá no livro está muito enganado. A história tomará determinados rumos e quando você acreditar que nada mais poderá acontecer, que o autor só falará de "grandes nadas" até as páginas finais acabará se surpreendendo muito, pois antes do final o livro dará uma baita reviravolta! Eu definitivamente não esperava por nada daquilo.
Elizabeth e Shelley são duas personagens que nos comovem. Embora queiramos sacudi-las por aceitarem tanta maldade também sentimos vontade de protegê-las durante boa parte do livro... mesmo após os acontecimentos da madrugada do aniversário da menina. Elas crescem bastante ao longo da história, aprendem a se impor, a não aceitar mais tudo caladas, mas ainda assim eu quis protegê-las, mesmo sentindo certo medo da Shelley.rs A verdade é que essa menina não passa de o resultado de tanta violência, de ter sido vítima de muitas crueldades. Não a culpo pelas escolhas dela e nem posso falar tudo o que gostaria para não dar spoilers importantes, mas apesar de compreender a personagem, penso que ela acaba se tornando um perigo para si mesma.
"Acreditamos ter todo o controle, mas, na verdade, não temos nenhum."
Recomendo este livro para quem gosta de thrillers. Apesar de não ser tão pesado quanto A Lista do Nunca, por exemplo, possui algumas cenas fortes.