27 de dezembro de 2021

O blog está de luto: eu perdi a minha estrelinha. Perdi minha Luana.



 Serei breve, pois não consigo falar da minha pequena sem começar a chorar. 




Em abril de 2015, Deus me deu de presente um anjo. Uma gatinha linda que vinha para me tirar da depressão que eu vivia desde a morte do meu gatinho Alejandro. Eu tinha jurado que depois dele não adotaria mais nenhum gato, que não suportaria passar pela perda novamente. Mas veio a Luana... Numa quarta-feira. Eu estava visitando minha mãe, pois não estava morando aqui. Fazia um tempo que morava sozinha e costumava visitar minha mãe aos finais de semana... Mas resolvi aparecer numa quarta-feira, como se o destino já tivesse decidido que meu caminho se cruzaria com o da minha princesa. 

Ela era tão pequena, mas miava bem alto. Seu miado desesperado me atraiu até a rua. Abri o portão da casa da minha mãe e procurei pelo gatinho que estava chorando tão angustiado. Ela veio correndo quando me viu. Tão pequenininha. Eu calculei que ela devia ter uns dois meses, imaginei que tinha nascido em fevereiro daquele ano. A peguei em meus braços. 

Não pretendia ficar com ela. Ainda sofria demais pela perda do Alejandro. Era como uma faca me dilacerando por dentro. Pretendia apenas resgatá-la e entregá-la para minha avó que costumava cuidar de gatos. Mas depois que a peguei em meus braços... Nunca em toda minha vida senti um amor tão forte. Eu amava os gatinhos e cachorros que tive antes dela... Mas o amor que ela despertou em mim era como o de uma mãe por sua filha. Ela se tornou minha filha naquele instante. E dei à ela o nome de Luana. 




Foram muitos os momentos que vivemos juntas. Ela me seguia por toda parte. Desde o primeiro dia dormiu comigo em minha cama, que também se tornou a cama dela. Era a rainha da casa. Quem realmente mandava em tudo, dona de si e da mãezinha, da tia e da avó, que a adotaram realmente como membro da família. Ela era nossa família. Como se tivesse nosso sangue... Como se tivesse nascido do meu ventre. 

Ninguém nunca me amou como ela. O seu carinho, sua dedicação a mim impressionava a todos. Ela se sentia minha filha, como eu me sentia sua mãe. E assim será para sempre. A morte não pode destruir isso. Minha Luana será sempre a minha filha. A filha que me escolheu. A filha que nunca serei capaz de esquecer. Com ela se foi a melhor parte de mim. E ainda não sei como sobreviverei a tanta dor. 




Foi em fevereiro de 2021, o ano que se tornou o pior da minha vida, que descobrimos a doença renal. Ela sempre tinha sido uma gata saudável. Não ficava doente. Eu a protegia de tudo. Ela não tinha contato com a rua, nem mesmo com o quintal. Ficava protegida dentro de casa, com os brinquedos dela. Sendo uma princesa feliz e rebelde (sempre foi muito carinhosa, mas também bastante temperamental). Então em fevereiro deste ano começou a enjoar e perder peso numa velocidade assustadora. Então, parou de comer. A levei para a veterinária desesperada e os exames de ultrassonografia e sangue confirmaram a doença renal. Ela tinha doença renal crônica e estava passando por uma crise. 

Eu senti como se o chão sumisse debaixo dos meus pés. A angústia, o medo terrível... Passamos uma semana a levando para receber soro subcutâneo, mas a crise não passava. Parecia que ela iria me deixar ali... ainda em fevereiro. Mudei de veterinária e rapidamente iniciamos o soro intravenoso e medicações. Foram mais sete dias. Ela melhorou. Recuperou o apetite, a energia, a alegria tão característica dela. Estabilizou. 

Ela passou a ter que se alimentar de ração e sachês renais. E a adaptação não foi difícil. Ela se apaixonou pela ração e começou a recuperar peso. A cada mês engordava mais, quase atingindo seu peso anterior à doença. Fazíamos exames mensais, ela tomava todas as medicações regularmente. E embora o medo jamais tenha me deixado, eu consegui voltar a sorrir ao vê-la bem. Era a minha Luana ativa, que pulava em tudo, que corria pela casa, que me chamava para dormir quando achava que estava na hora, que deitava junto à minha cabeça para me esperar acordar todo dia pela manhã. Minha Luana que vinha correndo sempre que eu dizia: "Cadê a princesa da mamãe?" A minha vida. A que fazia com que tudo tivesse um sentido. Que me dava forças todos os dias. Que pedia colo, mesmo que eu estivesse estudando, trabalhando ou lendo. Eu sempre parava tudo para pegá-la em meus braços, para fazer carinho. Não houve um só dia que eu não dissesse que a amava. 

A doença se manteve estável durante vários meses. E ela permaneceu bem, como se jamais fosse viver outra crise. Então, tudo desandou em novembro. Os enjoos voltaram só que mais fortes. Voltamos para o soro. Tentamos estimulantes de apetite. Mudei a ração, tentei todos os sachês renais possíveis. Ela começou a emagrecer com a mesma rapidez de fevereiro. A diferença era que os tratamentos não surtiam mais efeitos. 

Em 09 de dezembro de 2021 ela teve a piora final. Os exames mostravam uma piora rápida e agressiva. A doença acelerou de uma maneira que nenhum de nós poderia prever. O que se manteve estável durante tantos meses atingiu níveis enormes de gravidade. Não havia mais o que fazer. Escolhemos mantê-la em casa conosco para que ela partisse rodeada pela família que tanto amava. Ela odiava hospital, odiava a clínica, odiava agulhas e todo aquele ambiente que tanto a assustava e estressava. Em casa ela ficava tranquila, nos meus braços. 

Sei porque alguns tutores preferem deixar o seu filhinho em estado terminal no hospital. Dói demais ver seu bebê partir. Eu nunca vou esquecer tudo o que se passou. Vou carregar essa dor em minha alma. Eu repeti que a amava até o último instante. Fiz carinho, a peguei em meus braços. Fiz de tudo para que ela se sentisse querida, para que pudesse partir em paz. 

Ela se foi às 04:00h da madrugada de 14 de dezembro deste ano. E só agora consegui vir aqui dizer para vocês que estou de luto e que o blog não terá postagens por tempo indeterminado. As leituras que eu concluir ao longo das próximas semanas não terão resenhas. Na verdade, os livros não estão sendo nenhum refúgio para mim. Penso nela o tempo todo. Mal consigo ler. 

Prometi à ela que ficaria bem. Que tentaria sobreviver. Mas está sendo muito difícil cumprir minha promessa. Eu não perdi um animalzinho de estimação. Perdi minha filha. Como sobreviver sem minha filha? Como encarar este mundo sem a minha razão de viver?




Tenho o Dante Celestino, um gatinho que adotei em dezembro de 2020. Eu o amo. Protejo e cuido dele como um bebê. Mas Luana... Luana era como uma filha do meu ventre. Nem mesmo o amor que sinto pelo Celestino me ajuda a prosseguir. Tirar a Luana de mim era a pior coisa que Deus poderia fazer comigo. Ele destruiu minha vida. Sinto como se Ele me odiasse. Como se tivesse me abandonado, me virado as costas. Sei que cada pessoa reage de uma maneira diferente à perda de um ente querido. Talvez meu rompimento com Deus seja só uma fase, uma reação ao luto. Ou talvez seja definitivo. 

Existiram momentos em minha vida nos quais por mais que eu dissesse que Deus tinha me abandonado, no fundo eu sentia que Ele estava comigo. Mas agora... Agora, não. Eu sinto raiva, ódio, revolta. Não consigo aceitar que Ele tenha permitido isso. Que Ele tenha tirado o meu anjo de mim. E que ela tenha sofrido tanto. Não consigo perdoá-lo. 

Tudo o que quero é que esta vida passe logo... Que os anos voem, se eu tiver que viver mais anos! E que eu possa me juntar à minha filha. Quero meu bebê de volta! Quero minha filha comigo! 

Quero acreditar que os animais têm direito ao Céu. Porque se nós seres humanos tão cheios de erros e pecados temos o direito dado por Deus de um dia talvez irmos para o céu, seria injusto e monstruoso não dar aos animais, que são inocentes por toda a vida (diferente de nós, que não somos), o Paraíso. Eles merecem mil vezes mais que nós. Quero crer que minha filhinha está brincando no Céu. Que está feliz. É a única forma de conseguir levantar da cama todos os dias. 

29 de novembro de 2021

Livros lidos e não resenhados - Novembro de 2021


Literatura Brasileira
Poesia
Editora: Outro Planeta
Edição de: 2018
Páginas: 203 (Kindle Unlimited)

32ª leitura de 2021

Sinopse: Poeta com mais de 1 milhão de seguidores nas redes sociais

Antes de mais nada eu gostaria de pedir licença ao seu coração, pois sinto que a relação que vamos criar a partir de agora é muito forte. Eu escrevi neste livro as poesias sobre os lugares mais íntimos em mim, aqueles lugares que são tão profundos que até eu mesmo só consigo visitar às vezes... Estou me apresentando para você como sou, sem rosto, sem voz e sem cheiro. Apenas ideias. E tudo o que sou são ideias.

Neste momento, uma voz está lendo estas palavras em sua cabeça, dentro da sua imaginação, e já não é mais a minha voz, eu não sei como ela é, mas espero que seja doce e suave. Seus pensamentos estão dançando com os meus, e já não sei mais onde eu termino e você começa, e esta é a relação mais íntima que eu já tive com alguém. Obrigado por estar aqui.




Li este livro por acaso. Apenas busquei um livro de poesia para descansar um pouco a mente das leituras densas e dos problemas e Eu tenho sérios poemas mentais apareceu na minha busca na Amazon, como disponível no Kindle Unlimited. Resolvi arriscar... e foi uma excelente decisão!

A escrita do autor é extremamente íntima, próxima do leitor. Suas palavras conversam com nosso íntimo, com nossas emoções mais pessoais, os sentimentos que muitas vezes escondemos dos outros e de nós mesmos. Como sofro de ansiedade generalizada, me identifiquei demais com a maioria dos textos. Era como se meu próprio ser gritasse através das palavras dele. Foi uma experiência arrebatadora e já quero ler tudo o que esse poeta maravilhoso escrever!

"Quando tenho vontade de fugir,
Deito só e fico horas olhando para o teto
Sinto que vou desaparecendo aos poucos
Até sumir.
Às vezes, eu deixo de existir
Para conseguir sobreviver."







Literatura Brasileira
Conto
Edição de: 2021
Páginas: 54 (e-book)

34ª leitura de 2021

Sinopse: Tudo que ela deseja é um clichê para chamar de seu.

Ciara O'Connor é uma simples secretária que desde criança é obcecada pelos livros de Shakespeare, por isso acredita fielmente que um dia irá encontrar um Romeu para chamar de seu. Após um encontro com um charmoso CEO italiano no trabalho, cujo nome é nada mais nada menos que Romeu, ela crê que finalmente encontrou o amor de sua vida.

Com um plano em mente ela aterrisa na Itália atrás de seu Romeu fujão, e irá enfrentar situações cômicas e dificuldades trágicas dignas de uma verdadeira peça de Shakespeariana em busca de seu final feliz. (Essa história foi anteriormente publicada na Antologia "Cada Um Tem O Clichê Que Merece".





Fazia tempo que eu queria ler algo da autora! Eu tenho algumas histórias dela no meu Kindle, mas por um motivo ou outro nunca encontrava tempo para lê-las. Até que resolvi adquirir este conto e dar uma chance... embora tenha a ver com Romeu e Julieta.rs

Quem acompanha meu blog provavelmente sabe que eu não sou muito fã de Shakespeare e que não gosto nem um pouco de Romeu e Julieta. Então, histórias inspiradas nesse clássico ou que são releituras do mesmo não costumam aparecer por aqui. Porém, deixei (um pouco) a minha implicância de lado e mergulhei na história... que se mostrou bastante agradável. 

Nela conhecemos Ciara, uma jovem apaixonada pelas peças de Shakespeare e que deseja viver um amor como o de Romeu e Julieta (mas sem o final trágico, claro). Num determinado dia, ela conhece um homem que a atrai imediatamente, ao ponto de considerá-lo o homem da sua vida, sua outra metade. Mas seu príncipe encantado mora na Itália e ela em Londres... como fazer com que tudo dê certo? Há ainda um pequeno detalhe: ele não lhe prometeu nada, nem sequer sabe que ela decidiu que irão ficar juntos para sempre. 

Ciara embarca numa aventura ao viajar para a Itália disposta a ir atrás do seu Romeu... e as coisas não acontecem exatamente como ela planejava já que ele não era um personagem de Shakespeare e não sabia como desempenhar tal papel.rs É uma história divertida, que segue um rumo diferente do esperado e que termina de um jeito que provoca um quentinho em nossos corações. Eu gostei muito. As referências à história de Shakespeare me incomodaram? Sim, porque não gosto da história, mas nem isso me impediu de curtir as loucuras de Ciara e o romance lindo que ela vive. 






Literatura Brasileira
Clássico
Editora: Edições Câmara
Edição de: 2018
Páginas: 363 (e-book)

35ª leitura de 2021

Sinopse: A série Prazer de Ler apresenta em seu novo volume a principal referência da estética realista-naturalista na literatura brasileira, a obra-prima de Aluísio Azevedo, O Cortiço. Ambição e exploração se misturam nessa envolvente e sombria história de uma habitação coletiva da capital do Segundo império. De um lado, a burguesia gananciosa e interesseira, disposta a tudo para enriquecer e subir na vida. De outro, personagens estereotipados, cheios de vícios e patologias, comparados a animais e movidos pelo instinto e pela fome. Todas as existências entrelaçadas e cruzadas em torno do cortiço de São Romão. Pela espetacular representação da vida cotidiana da cidade do Rio de Janeiro, esboçada com um colorido e com uma objetividade quase fotográficos, esta obra continua como um dos mais poderosos retratos da realidade brasileira. Um clássico da literatura nacional que, passado mais de um século de sua publicação, ainda tem o poder de emocionar e inquietar.




Há anos eu tentava ler este livro e nunca dava certo. Iniciei a leitura muitas vezes e sempre abandonava, não sentindo a mínima vontade de prosseguir. Até que soube que eu tinha direito de acesso ao Skeelo Audiobooks, um aplicativo no qual são disponibilizados audiobooks de livros, de diversos gêneros, um mais interessante do que o outro. 

Eu já tinha tentado "ler" em audiobooks antes, não O Cortiço, mas outros livros e acabava perdendo o interesse. Porém, eu gostei tanto do aplicativo Skeelo que resolvi dar uma chance ao primeiro capítulo de O Cortiço e a partir daí a leitura fluiu naturalmente. Gostei demais da experiência de ouvir uma história. Já coloquei outros livros na lista para "ler" neste formato.rsrs O importante é sempre ler, não importa se em livro físico, e-book ou audiobook. O que não posso é deixar de lado a literatura, que significa tanto na minha vida!

Tive inúmeros problemas com este grande clássico da nossa literatura. O livro me provocou uma confusão de sentimentos e decidi que não faria resenha da história, pois não me sentia preparada para colocar no "papel" tudo o que senti, os momentos de revolta com os personagens e com o próprio autor também... Não queria me desgastar muito emocionalmente, pois já bastava tudo o que passei durante a leitura. 

O que tornou esta história inesquecível para mim foi o seu final. Apesar de todos os altos e baixos ao longo da leitura, o final foi impactante, um verdadeiro soco no estômago da nossa sociedade sempre tão hipócrita. 



*Este tipo de post é dedicado aos livros que li em 2021 e por algum motivo não resenhei.


 

15 de novembro de 2021

Amante do Deserto - Carol Marinelli



Literatura Inglesa
Título Original: Bound by the sultan's baby
Tradutora: Maria Vianna
Editora: Harlequin
Edição de: 2018
Páginas: 198 (Kindle Unlimited)

33ª leitura de 2021 (25ª resenha do ano)

Sinopse: Uma consequência escandalosa! Uma noite com Gabi não foi o suficiente para satisfazer o sultão Alim al-Lehan, mas ele precisa deixá-la, pois o dever o chama de volta à sua terra natal. Com o passar dos meses, as memórias do caso proibido se tornam impossíveis de ignorar. A única saída é convencer Gabi de que o caso pode continuar nas areias do deserto. Alim não esperava a recusa furiosa dela, ainda mais depois de descobrir que Gabi teve um bebê... o seu bebê! Agora, precisa mantê-la em sua vida, mais do que nunca. Mas ele terá que decidir se aceita as condições de Gabi: o casamento!




Já estamos na metade de novembro... O ano está chegando ao fim... Este está sendo um ano bem difícil para mim e minha família, e para milhões de outras pessoas, claro. Muitas coisas ruins aconteceram... Perdas, doenças... Perdemos um familiar (meu avô materno) em agosto e ainda é muito difícil lidar com essa ausência, com essa tristeza. Minha gatinha que eu cuido como se fosse uma filha, como se tivesse nascido de mim, descobri em fevereiro que sofre de doença renal. Descobri quando ela entrou em crise e parecia que eu iria perdê-la. Foi um golpe muito forte para mim. Mas nós passamos juntas pelo pior e ao longo dos meses ela se manteve estável, com os exames mostrando melhoras... mas agora em novembro seus exames mostraram uma piora, o que me desestabilizou. É como se alguém me sacudisse e eu não parasse de balançar por dentro. Nem sei explicar o que senti ao ver os resultados e o que venho sentindo desde então. Convivo com o medo, com um medo horrível. E, como se não bastasse, o cachorro da minha irmã, que consideramos parte da nossa família também, caiu doente. É como se tudo estivesse acontecendo ao mesmo tempo. 

Encontro refúgio primeiramente em Deus e depois na leitura, que me salvou tantas e tantas vezes ao longo dos meus anos como leitora. Sem os livros eu não poderia escapar da realidade, ter momentos de alívio, de sorrisos, momentos para sonhar acordada e acreditar que tudo vai ficar bem. 

E hoje de madrugada, quando eu não conseguia dormir por nada no mundo, com tantas coisas na cabeça, resolvi que era hora de ler outro livro da Carol Marinelli, já que minha experiência com seus romances foi bem positiva até agora. Em poucas horas devorei o livro, rindo com os personagens, me estressando com algumas situações e relaxando, deixando de pensar na minha vida para pensar na de Alim e Gabi, que em Amante do Deserto vivem um romance proibido. 

Gabi era uma jovem de 24 anos que sempre foi apaixonada por casamentos. Ainda adolescente começou a trabalhar, tendo que largar os estudos para ajudar nas despesas de casa, sendo filha de uma mãe solo que nunca lhe contou quem era o homem que a engravidou e abandonou, e fazendo questão de sempre lembrar a filha de tudo o que teve que sacrificar por ela. Gabi não se ressentia (pelo menos, tentava não se ressentir) e amava demais a mãe, jurando para si mesma que não repetiria a mesma história. Que seria dona de seu próprio negócio, que realizaria os seus sonhos e seria um orgulho para a mãe. 

Conseguiu um emprego com uma importante organizadora de casamentos e seu talento e criatividade a mantiveram empregada, mas também explorada pela chefe que a deixava sozinha para enfrentar as pesadas obrigações de eventos luxuosos e desgastantes para depois ficar com todo o crédito pelo sucesso. Gabi aguentava tudo em silêncio, pois seus sonhos a sustentavam... ainda mais depois de conhecer Alim, ao realizar alguns eventos em seu hotel. 

Ela sabia que pertencia a uma realidade bem diferente da dele. Que só poderia sonhar com seus beijos, com seus abraços, com uma vida ao seu lado. Nunca poderia viver tais momentos. Mas se contentava em vê-lo passar, em cumprimentá-lo, em ouvi-lo falar com ela com gentileza... Até a noite em que ele a tirou para dançar, fazendo questão de dizer o quanto era perigoso e que tudo não passaria de uma noite. Apenas uma noite...

Alim passou dois anos tentando esconder de si mesmo os sentimentos que nutria por Gabi. Jamais poderia ter nada sério com ela, seu destino era se casar com uma mulher de seu país, que conhecesse as tradições, que seguisse as regras do seu povo. Todos os seus casos não duravam mais que uma noite e lutou muito para não cair em tentação e propor um momento com ela... Sabia que ela aceitaria. Percebia seus olhares, que gostava dele... Seria injusto arriscar, mas impossível continuar resistindo. 

Ao viverem uma noite inesquecível, Alim quis refazer os planos. Não suportaria deixá-la ir tão rápido. Queria lhe oferecer um emprego, que ela deixasse a chefe que a explorava e trabalhasse com mais liberdade, que fosse dele por um ano. Depois seguiriam com suas vidas. Cada um para um lado. Mas teriam aquele tempo para se amarem...

Porém, como nem tudo pode ser como desejamos, nem mesmo quando se tem muito dinheiro e poder... A manhã seguinte traz um duro golpe para Alim, que termina com Gabi sem nenhuma explicação e retorna ao seu país, sem saber que os momentos que viveram trariam uma pequena e linda consequência...

Quando Alim ressurge em sua vida, vários meses após partir seu coração de modo tão cruel, Gabi não está disposta a ceder, mesmo que todo o seu ser queira estar em seus braços, ouvir que ele nunca a esqueceu e que poderão formar uma família juntos. Mas a realidade é bem diferente e ela sabe que precisa ser forte para não condenar a si mesma e o seu pequeno bebê a um futuro de sofrimento e humilhações. Mas Alim não está disposto a perdê-la... ainda mais depois de descobrir que se tornou pai. Só não sabe como mantê-la ao seu lado sem violar as leis do seu povo... quando ela jamais seria aprovada como sua esposa e nunca aceitaria ser sua concubina. Dividido entre o dever e o amor, ele precisa fazer uma difícil escolha...

Como bons leitores de romances, acostumados com histórias assim, nós já sabemos qual será a escolha dele, certo?rs O que não significa que o tonto vai decidir rapidamente e o felizes para sempre virá fácil. Nada disso! A autora faz nosso coração sofrer um pouco antes de juntar de uma vez por todas seu casal e em alguns momentos eu senti muita raiva do mocinho e uma vontade de gritar para a mocinha deixar de ser estúpida e se impor! Quando ela finalmente o fez, eu já estava estressada, mas mesmo assim gostei bastante.rsrs E em nenhum momento odiei nenhum dos dois. Senti raiva, como eu disse, mas não ódio.kkkkk

Eu senti raiva do Alim por querer ter a Gabi em sua vida da "sua maneira", sem pensar no quanto aquilo a destruiria com o passar dos anos. Como seria uma vida de vergonha e humilhações não só para ela, mas também para a criança. Isso me provocou uma raiva enorme, pois o amor não combina com tanto egoísmo. Uma pessoa que realmente ama não pensa apenas em si mesmo, em seus desejos, mas também nos sonhos e felicidade da pessoa amada. E ele estava pensando apenas no seu próprio prazer. Teria uma vida pública, ao lado de uma esposa escolhida pelos anciãos e por seu pai (porque pela lei ele não poderia escolher a própria esposa) e Gabi e o bebê seriam seu segredo, jamais reconhecidos, como se não existissem, como se fossem nada para o mundo. Ela seria privada de ter um marido, uma família aos olhos da sociedade e estaria para sempre disponível para ele, como se sequer fosse uma pessoa, um ser humano! Eu senti tanta, mas tanta raiva! Só quando percebi que ele não suportaria fazer isso com ela e nem consigo mesmo foi que minha raiva começou a diminuir. Quando ele se desdobrou para encontrar uma solução que não transformasse aquele amor em dor. Algo que não o fizesse perdê-la para sempre...

Gostei muito desta história! Foi uma ótima escolha e já estou ansiosa para ler o primeiro livro da trilogia (li tudo fora de ordem). Ainda assim reconheço que mesmo sendo muito boa, não é arrebatadora como a história presente no terceiro livro. Sophie e Bastiano... Que saudades desse casal!

O livro faz parte de uma série que não está identificada como série na capa nem nada, mas existem dois livros que têm ligação com ele, cujas histórias acontecem simultaneamente:

Inocente Mistério - Harlequin Paixão 497 (conta a história do Raul e da Lydia)
A Escolha da Paixão - Harlequin Paixão 499 (conta a história do Bastiano e da Sophie)

A ligação com Amante do Deserto se dá porque Raul é amigo/inimigo do Bastiano e vai até o hotel Grande Lucia disposto a comprá-lo apenas para competir com ele. É lá que conhece Lydia, a jovem com quem seu inimigo pretendia se casar. Alim é amigo do Bastiano e Gabi é melhor amiga da Sophie. A história dos três casais começa no hotel Grande Lucia, que pertence ao Alim. 


8 de novembro de 2021

Livros lidos e não resenhados - Setembro e Outubro de 2021




Literatura norte-americana
Título Original: The princess saves herself in this one
Tradutora: Izabel Aleixo
Editora: Leya
Edição de: 2017
Páginas: 201 (Prime Reading)

24ª leitura de 2021

Sinopse: Amor e empoderamento em versos que levam os contos de fada à realidade feminina do século XXI

A princesa salva a si mesma neste livro, de Amanda Lovelace, é comparado ao fenômeno editorial Outros jeitos de usar a boca, de Rupi Kaur, com o qual compartilha a linguagem direta, em forma de poesia, e a temática contemporânea. É um livro sobre resiliência e, sobretudo, sobre a possibilidade de escrevermos nossos próprios finais felizes. Não à toa A princesa salva a si mesma neste livro ganhou o prêmio Goodreads Choice Award, de melhor leitura do ano, escolha do público.

Esta é uma obra sobre amor, perda, sofrimento, redenção, empoderamento e inspiração. Dividido em quatro partes ("A princesa", "A donzela", "A rainha" e "Você"), o livro combina o imaginário dos contos de fada à realidade feminina do século XXI com delicadeza, emoção e contundência. Amanda, aclamada como uma das principais vozes de sua geração, constrói uma narrativa poética de tons íntimos e cotidianos que acolhe o leitor a cada verso, tornando-o cúmplice e participante do que está sendo dito.




Eu li este livro na semana em que perdi meu avô materno para a Covid-19. Depois de mais de uma semana intubado no CTI, ele foi embora. Foi para junto de Deus. Mas a dor da perda, e de perder desta forma, é grande. 

Em A princesa salva a si mesma neste livro, a autora fala muito sobre perda e por eu estar vivendo um período de luto, os textos acabaram me atingindo com muita força. Ao mesmo tempo em que a leitura era "fácil" por fluir bem, era extremamente dolorosa. Existiram momentos nos quais parecia que a dor era física e não apenas emocional. Machucava dentro de mim. 

Os poemas não falam apenas de dor, também falam de amizade, amor, empoderamento, recomeço... Mas o que mais absorvi deles foi o que representaram no meu momento de vulnerabilidade, de tristeza... Foram textos que me marcaram. 


Esta é uma leitura que realizei em setembro. Dos oito livros que li de lá para cá, este foi o único que não resenhei. O motivo não foi só sentir que não poderia expressar tudo o que o livro provocou em mim, mas também porque era muito recente a perda do meu avô e eu não conseguia escrever... Foi um período muito difícil.


*Este tipo de post é dedicado aos livros que li em 2021 e por algum motivo não resenhei.




1 de novembro de 2021

A Noite das Bruxas - Agatha Christie



Literatura Inglesa
Título Original: Hallowe'en Party
Tradutor: Bruno Alexander 
Editora: L&PM Pocket
Edição de: 2014
Páginas: 236 (e-book)

31ª leitura de 2021 (24ª resenha do ano)

Sinopse: Era a vez da viúva Rowena Drake ser a anfitriã da tradicional festa de Halloween do vilarejo. Durante os preparativos, Joyce, uma irrequieta menina de treze anos, gaba-se por já ter testemunhado um assassinato. Ninguém lhe dá ouvidos e tudo transcorre bem em meio a brincadeiras do dia das bruxas, até que um crime interrompe a diversão.

Hercule Poirot prepara-se para uma noite entediante quando é surpreendido por uma ligação aflita de sua velha amiga e escritora de livros policiais Ariadne Oliver, convicta de que só ele poderia desvendar esse mistério antes que um novo crime aconteça... Publicado em 1969, A noite das bruxas é um romance da maturidade de Agatha Christie e uma das últimas obras escritas pela Rainha do Crime.





No mês de outubro eu resolvi fazer algumas leituras temáticas e vocês viram por aqui resenhas de O Vilarejo, de Raphael Montes; do clássico Psicose, de Robert Bloch; e de Ensaio sobre a Cegueira, do José Saramago, que apesar de não ter lido especialmente para o mês do Halloween, se encaixou completamente por conta de todo o horror presente na história. 

Li todos os livros temáticos que gostaria no mês passado?rs Não! Faltaram 3, mas vou concluir a leitura deles entre novembro e dezembro. O que eu sim pretendia ter resenhado ontem era A Noite das Bruxas, porém não terminei o livro a tempo de fazer a resenha. Na verdade, cerca de 30% da leitura acabou ficando para hoje, mas considero leitura de outubro por ter lido a maior parte do livro no mês passado e ter terminado o restante logo na manhã do dia de hoje.kkkkkk

Eu estava muito empolgada por esta leitura, confesso! Criei muitas expectativas, não só pela maravilhosa experiência que foi ler E Não Sobrou Nenhum, mas também porque depois de um longo tempo voltaria a ler um livro protagonizado pelo meu querido Hercule Poirot. 

Nesta história temos uma festa de Halloween feita para que as crianças do bairro se divertissem. Ela é organizada pela senhora Rowena Drake, uma mulher muito respeitada na região, com a colaboração de mães e professoras que queriam que suas crianças tivessem uma noite inesquecível. 

Algumas crianças e adolescentes também participaram dos preparativos ao longo do dia, entre eles Joyce, uma menina de treze anos que, impressionada pela presença de uma grande escritora de romances policiais (Ariadne Oliver, personagem que eu encontrei antes no livro Os Elefantes não Esquecem e que é claramente inspirada na própria autora Agatha Christie.rs), decide contar que já testemunhara um assassinato. Embora ninguém tenha acreditado em sua história (ou assim pareceu), à noite, quando a festa teve início, um crime chocante foi cometido: Joyce foi encontrada assassinada num dos cômodos da casa. Afogada. Algo que colocava todos os presentes como suspeitos... não só daquele crime, mas do assassinato que a menina, horas antes, confessara ter visto. Afinal de contas, que outro motivo haveria para que ela fosse morta do que o medo do assassino de ser pego por um crime do passado do qual ele acreditara ter escapado impune?

"Já aconteceu de o senhor dar uma mordida numa bela maçã vermelha e depois ver, lá no meio, algo nojento se levantar e sacudir a cabeça em sua direção? Grande parte dos seres humanos é assim."

A polícia local não parecia encontrar conexão entre os dois acontecimentos, até porque não acreditavam que a menina realmente tivesse testemunhado algum crime no passado, já que ela era conhecida como uma criança muito mentirosa, que estava sempre inventando coisas. Mas Ariadne Oliver, que esteve presente tanto no momento em que Joyce soltara a declaração bombástica quanto durante a festa infantil a convite de uma amiga que ajudara nos preparativos, sentia que Joyce não mentira. Embora no momento ela também tenha duvidado do que a menina dissera, sua morte mudava todo o cenário. Existia um assassino que matou no passado... e essa pessoa assassinara a menina para silenciá-la. 

Disposta a descobrir a identidade do assassino antes que ele acabasse matando de novo, Ariadne entra em contato com Hercule Poirot e o "intima" a viajar até à cidade em que a tragédia acontecera para interrogar as pessoas e desvendar o brutal crime. Quem entre todas aquelas pessoas aparentemente "boas" seria o assassino?! E que assassinato ele teria cometido no passado, que tentava ocultar a qualquer preço? 

"Poirot agora tinha consciência do perigo - perigo que poderia vir para alguém a qualquer momento, a menos que fossem tomadas providências para evitá-lo. Um grande perigo."

No início, eu apreciei muito a história. Como disse, estava muito empolgada, cheia de expectativas, imaginando que seria mais um dos tantos sucessos da autora e minha experiência de leitura de seus livros, na maioria das vezes, é bastante positiva. Continuei gostando muito do livro quase até o final, na verdade, quando descobri que quase todas as minhas suspeitas se confirmavam. Foi aí que fiquei um tanto decepcionada. Porque não era que eu tivesse me esforçado para descobrir quem era o assassino e fosse uma maravilha ter acertado. Não. A questão que me decepcionou foi que o assassino era tão óbvio e tudo conduziu fácil até ele que eu queria muito ter errado. Queria descobrir que a pessoa era alguém em quem eu nem tinha pensado. E não havia nenhum outro elemento no livro que pudesse atenuar a decepção pelo assassino e seus motivos estarem tão na cara do leitor, entende?

Foi uma narrativa muito simples, com um mistério que até uma criança poderia resolver!rs Não é isso que estou acostumada a encontrar nos livros da autora e fiquei frustrada por ver o Hercule Poirot desperdiçando suas "células cinzentas" com uma trama tão inferior aos seus grandes sucessos.

Mesmo assim, não posso dizer que me arrependo de ter lido o livro. Eu sou muito fã da autora e do Hercule Poirot e sentia tantas saudades dele que a história já valeu só pela felicidade de revê-lo, de reencontrá-lo. :) 

Mas isso não significa que o livro é ruim, gente, e que só valeu a pena por ter o Hercule Poirot nele. Eu é que me decepcionei pelo mistério não ser realmente um mistério. Existem acontecimentos no livro que nos impressionam e chocam pela maldade humana, por alguém ser capaz de matar tão friamente uma criança. Nunca deixo de me surpreender com a crueldade do ser humano, com a maneira como podemos fazer as piores coisas para "proteger" nossos próprios interesses. A autora sempre conta em seus livros histórias que facilmente poderiam acontecer na vida real. E acontecem, né? Não é à toa que não consigo mais ficar assistindo jornais, que prefiro evitar ao máximo as notícias... Há muita maldade neste mundo em que vivemos. 



25 de outubro de 2021

Ensaio sobre a Cegueira - José Saramago


Literatura Portuguesa
Editora: Companhia das Letras
Edição de: 2001
Páginas: 312

30ª leitura de 2021 (23ª resenha do ano)

Sinopse: Um motorista, parado no sinal, subitamente se descobre cego. É o primeiro caso de uma "treva branca" que logo se espalha incontrolavelmente. Resguardados em quarentena, os cegos vão se descobrir reduzidos à essência humana, numa verdadeira viagem às trevas.

O Ensaio sobre a cegueira é a fantasia de um autor que nos faz lembrar "a responsabilidade de ter olhos quando os outros os perderam". José Saramago nos dá, aqui, uma imagem aterradora e comovente de tempos sombrios, à beira de um novo milênio, impondo-se à companhia dos maiores visionários modernos, como Franz Kafka e Elias Canetti. 

Cada leitor viverá uma experiência imaginativa única. Num ponto onde se cruzam literatura e sabedoria, José Saramago nos obriga a parar, fechar os olhos e ver. Recuperar a lucidez, resgatar o afeto: essas são as tarefas do escritor e de cada leitor, face à pressão dos tempos e ao que se perdeu - "uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos". 




Mergulhar nesta leitura foi como fazer uma viagem ao inferno... Me senti dentro de um pesadelo, de um filme de terror. Foi uma experiência angustiante, desesperadora. Quando cheguei ao capítulo onze, quando li todas aquelas atrocidades... o sentimento de desesperança em relação à humanidade se fez intenso. Ao mesmo tempo que me senti sem forças para prosseguir com a leitura, passei dias refletindo sobre a maldade humana, como somos capazes das coisas mais monstruosas... Como o ser humano consegue ser vil, abjeto, cruel! Como o próprio autor diz no livro através das palavras de um personagem:

"É desta massa que nós somos feitos, metade de indiferença e metade de ruindade."

Aqui temos a história de uma epidemia que foge completamente ao "normal": uma cegueira branca, que parece se espalhar com apenas uma troca de olhares entre alguém infectado e os outros. Do nada, um homem que estava dentro do seu carro, parado no sinal, começa a gritar em desespero ao se perceber cego. Mas ele não vê tudo escuro, ele vê uma luz, algo branco que o impede de enxergar tudo ao seu redor. Transtornado, é conduzido até sua casa por um "bom samaritano" que aproveita o seu momento de sofrimento para furtar seu carro e, logo em seguida, nem é capaz de desfrutar do seu crime, pois também é contaminado pela cegueira da qual ninguém nunca tinha ouvido falar e que não podiam fazer ideia de que era contagiosa. 

O primeiro cego, sentindo que a vida deixava de ter qualquer sentido, é consolado pela esposa e levado até uma clínica oftalmológica para que o estranho caso seja analisado por um médico. O oftalmologista nunca tinha se deparado com algo como aquilo antes... Nada nos olhos daquele homem indicava que ele estava cego e, no entanto, o homem via tudo branco. Decide passar alguns exames e voltar a vê-lo quando as análises estivessem prontas. Mas, após atender os demais pacientes do dia e ir para casa, não consegue tirar aquele caso de sua cabeça. Entra em contato com um colega e resolve consultar alguns livros... mas, de repente, também fica cego. 

"Nunca se pode saber de antemão de que são capazes as pessoas, é preciso esperar, dar tempo ao tempo, o tempo é que manda, o tempo é o parceiro que está a jogar do outro lado da mesa, e tem na mão todas as cartas do baralho [...]"

A partir daí, ao comunicar seus chefes do ocorrido e o Ministério da Saúde ser informado, o verdadeiro inferno começa. As pessoas "contaminadas" são retiradas de suas casas, sob a falsa promessa de que receberão todos os cuidados necessários e trancadas num antigo manicômio, tratadas de uma maneira que nem mesmo os animais devem ser tratados e tendo que lutar, dia após dia, contra a morte e a loucura, vítimas das mais bárbaras formas de violência. 

Eu não consigo chamar a realidade desesperadora na qual os personagens são jogados de outra coisa que não seja inferno. Assassinatos, doenças provocadas pelas condições insalubres nas quais são obrigadas a viver, fome, sede, estupros... as pessoas trancadas naquele manicômio mal eram alimentadas, pois  o que os soldados encarregados de "cuidar" delas mais queriam era que morressem, pois "morrendo o bicho acaba-se a peçonha". Tinham sede, não podiam tomar banho, pois a água que vinha das tubulações eram podres. Até mesmo para fazer as necessidades básicas do corpo se viam sem dignidade, pois não era fornecido papel em quantidade suficiente, o encanamento para que os dejetos fossem eliminados estavam entupidos... e as pessoas foram colocadas ali para viverem dessa forma até que não aguentassem e morressem, fosse pela fome, por doenças provocadas por aquelas condições de enorme insalubridade ou mesmo que se matassem entre si, pois estavam ali reunidas pessoas das mais diversas personalidades. Não existia só gente "boa", mas também criminosos e nenhum segurança. Sem contar os momentos nos quais os próprios soldados atiravam para matar. Como eu disse, aquilo era o inferno. 

"[...] ainda o que nos vale é sermos capazes de chorar, o choro muitas vezes é uma salvação, há ocasiões em que morreríamos se não chorássemos"

Existiram momentos nos quais me senti doente lendo sobre tanto sofrimento, tanta crueldade e falta de esperança. Por estarmos vivendo uma pandemia provocada pelo Covid-19 e milhões de pessoas terem morrido, muitas sem reverem seus familiares, sem poderem se despedir, sozinhas num leito de hospital, onde o medo é um dos mais terríveis companheiros, a leitura se tornou mais dolorosa. Por diversas vezes eu tinha que fechar o livro e "respirar", pois me sentia esgotada, sufocada e com muito medo. Medo da pandemia atual, medo de que outras doenças ainda podem surgir e quanto inferno nós seres humanos poderíamos suportar sem enlouquecer, sem perdermos nossos sentimentos, sem nos perdermos. Sem que nossa alma também se acabasse... 

Mas, diante de algumas cenas capazes de nos jogar no chão e nos manter lá em pedaços, sem forças para levantar... Eu refleti sobre coisas nas quais não gosto de pensar: que nós já estamos perdidos. Que a humanidade já está se destruindo e que não são guerras, catástrofes, pandemias que podem provocar a maldade no ser humano. Ela já existe latente, esperando apenas uma desculpa qualquer para se manifestar. Saramago conseguiu me abalar muito com Ensaio sobre a Cegueira. Se ele queria, como na passagem do primeiro livro de A Divina Comédia (intitulado Inferno), do escritor Dante Alighieri, que abandonássemos toda esperança ao passarmos pelas portas do livro, ele conseguiu. 

"[...] a cegueira também é isto, viver num mundo onde se tenha acabado a esperança."

Em muitos momentos, inclusive, lembrei bastante de Inferno de Dante. Não só da famosa passagem: "Deixai toda esperança, ó vós que entrais", mas do livro como um todo, que me marcou profundamente quando o li. Muitos e muitos versos de Inferno nos descrevem exatamente o que suportam e sofrem os personagens de Ensaio sobre a Cegueira, o que me faz pensar que o Saramago se inspirou bastante neste maravilhoso clássico para escrever sua impactante história. 

Todavia, por mais insuportáveis que muitas cenas presentes no livro sejam, tanto pela maldade quanto pelo sofrimento humano que desesperam nós leitores e nos fazem sentirmos impotentes, querendo fazer cessar toda aquela angústia vivida pelos personagens, mas sem nada poder fazer... Por mais dolorosos que tais momentos sejam e por mais pessimista e fatalista que o narrador se mostre, a esperança não é de todo perdida. Ele nos possibilita o alívio principalmente na figura da mulher do médico, mas também na de outros personagens. Mostrando que por mais que a maldade reine e se espalhe, sempre haverá quem dê tudo de si para ajudar os outros, quem escolherá fazer o bem, quem não pensará apenas em si mesmo. Há muitos exemplos da indiferença e ruindade que o autor menciona no livro, massa da qual ele diz que nós somos feitos. Mas também existem exemplos de bondade, solidariedade, compaixão... amor. E é isso que torna este um dos melhores livros que já li em minha vida. 

"Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos."

Busquei não dar spoilers em minha resenha, pois eu própria iniciei a leitura sem saber muito da história e isso tornou a experiência mais incrível. Mas, Luna, você mencionou assassinatos e estupros! Sim, mas não considero isso spoiler, mas sim informações necessárias a serem dadas, por conta dos intensos gatilhos que tais cenas representam. Por mais que tenha sido maravilhoso (e doloroso ao mesmo tempo) conhecer a história sem saber quase nada sobre ela, em relação às cenas de violação eu queria muito que alguém tivesse me avisado. Queria muito estar preparada para o que iria encontrar, pois foi um golpe terrível lê-las sem nenhum aviso. Foi de me fazer passar mal, literalmente. Por mais que seja impossível suportar tais cenas, com ou sem spoiler, eu preferia saber. Preferia ler ciente do que encontraria. 

São tantas as coisas que eu gostaria de falar sobre esta história e não posso para não estragar a experiência de leitura de vocês... Só digo que recomendo muito que deem uma chance ao livro! Mas que estejam preparados para sofrer porque não existe maneira de passar por esta leitura sem ficar destroçado, sem chorar, sem sentir uma espécie de dor não só emocional, mas física. Esta história é visceral. Este livro é uma alegoria sobre a vida e as relações humanas e nem sempre somos capazes de captar tudo o que está nas entrelinhas, todos os sentidos do texto e das cenas... Em alguns momentos me lembrou a Bíblia também e o autor até faz uma comparação irônica com algumas passagens das Escrituras Sagradas. É Saramago, então, quem conhece as obras do autor já sabe que ele gosta de fazer isso. 

"É um velho costume da humanidade, esse de passar ao lado dos mortos e não os ver"

Se estou preparada para ler Ensaio sobre a Lucidez ou algum outro livro do Saramago em breve?! Claro que não!rs Darei um tempo pelo bem da minha sanidade mental. Mas em algum momento dos próximos anos, estando viva, ainda pretendo ler outros livros do autor, que apesar das narrativas cruas e dolorosas, é, sem sombra de dúvidas, um grande escritor. Mesmo com as cenas mais pesadas, o leitor não consegue parar de ler, não consegue abandonar a leitura. Ao mergulharmos numa história dele sentimos a necessidade de chegar ao final, de saber como tudo termina. 


16 de outubro de 2021

Psicose - Robert Bloch


Literatura norte-americana
Título Original: Psycho
Tradutora: Anabela Paiva
Editora: DarkSide Books
Edição de: 2013
Páginas: 173 (e-book)

29ª leitura de 2021 (22ª resenha do ano)

Sinopse: Psicose, o clássico de Robert Bloch, foi publicado originalmente em 1959, livremente inspirado no caso do assassino de Wisconsin, Ed Gein. O protagonista Norman Bates, assim como Gein, era um assassino solitário que vivia em uma localidade rural isolada, teve uma mãe dominadora, construiu um santuário para ela em um quarto e se vestia com roupas femininas.

O livro teve dois lançamentos no Brasil, em 1959 e 1964. São, portanto, quase 50 anos sem uma edição no país, sem que a maioria das novas gerações pudesse ler a obra original que Hitchcock adaptou para o cinema em 1960.

Uma história curiosa envolvendo o livro é que Alfred Hitchcock adquiriu anonimamente os direitos de Psycho e depois comprou todas as cópias do livro disponíveis no mercado para que ninguém o lesse e, consequentemente, ele conseguisse manter a surpresa do final da obra.

Em Psicose, Bloch antecipou e prenunciou a explosão do fenômeno serial killer do final dos anos 1980 e começo dos 1990. O livro, junto com o filme de Hitchcock, tornou-se um ícone do horror, inspirando um número sem fim de imitações inferiores, assim como a criação de Bloch, o esquizofrênico violento e travestido Bates, tornou-se um arquétipo do horror incorporado a cultura pop.




Psicose é uma história que eu conhecia muito antes de ler. Não, não assisti o clássico filme de Hitchcock, mas recebi vários spoilers sobre o livro/filme ao longo da minha vida.kkkkkkk Sabia que tinha servido de inspiração para vários outros livros e filmes do gênero e sempre ouvi falar da tal cena do chuveiro, tanto que era a cena que eu mais aguardava na história, de tão curiosa para saber o que tinha de tão especial nela para ser tão marcante.rs

Vocês sabem que amo um suspense psicológico e embora Psicose, na minha opinião, não se encaixe exatamente neste gênero, nós acabamos entrando na mente do serial killer e é uma "viagem" bem perturbadora. 

Aqui temos como vilões Norman Bates e sua mãe, que dirigem juntos um decadente motel, que fica praticamente no meio do nada desde que a estrada nova foi construída e já não apareciam hóspedes como no passado. O caminho de Mary Crane se cruza com o dos dois numa noite chuvosa, após ela se perder e já ser tarde demais para encontrar a casa do noivo, para onde tencionava ir. Ao avistar o motel, ela decide se hospedar nele só por aquela noite e na manhã seguinte prosseguir com a viagem. O que não poderia imaginar é que os donos do local não eram as pessoas mais normais do mundo e que passar uma noite ali... poderia ser fatal. 

"Estava sozinha na escuridão. O dinheiro não a ajudaria e Sam não a ajudaria, porque ela errara o caminho e estava numa estrada desconhecida." 

Norman Bates já não era um menino, mas o peso de anos sob o domínio da mãe deixaram suas marcas. Por mais que tentasse enfrentá-la e se impor, agora que ela estava tão doente e já não deveria representar nenhuma ameaça nem para ele nem para ninguém, não conseguia reunir as forças necessárias para se libertar e sempre acabava abatido, cedendo às suas críticas, às suas vontades... à sua loucura. 

Quando aquela jovem apareceu, num sábado à noite, a única hóspede que chegara em todo o dia, ele ficou nervoso. Ela era atraente e estava sozinha. A convidou para jantar em sua casa, pois ela precisava de uma refeição e o restaurante mais próximo ficava longe demais para ir debaixo de chuva. Por isso, ela aceitou o convite. Norman sabia que deveria tomar todo o cuidado para não permitir que a mãe percebesse a presença de Mary... pois as consequências poderiam ser as piores possíveis...

"Eu acho que todos nós somos um pouco loucos de vez em quando."

Ao receber a notícia de que a irmã largara o emprego e fugira com uma imensa quantia que não lhe pertencia, Lila ficou chocada. Mas o choque se transformou em desespero quando uma semana se passou sem que recebesse qualquer telefonema ou carta de Mary. Sentia em seu coração que algo estava errado, que alguma coisa muito ruim tinha acontecido. E movida pela vontade de descobrir o que se passara e, talvez, ainda salvar a irmã, ela decide ir até a casa do noivo dela, na remota esperança de encontrá-la lá. Mas, como já pressentia, Sam também não tinha qualquer notícia sobre a noiva. Angustiados, os dois resolvem fazer de tudo para descobrir o paradeiro de Mary e suas investigações não demorarão a conduzi-los ao motel da família Bates... Sairão eles com vida de lá?!

"Nós não somos tão lúcidos quanto fingimos ser."

Como quem já leu o livro pode perceber, tentei ao máximo não dar spoilers na resenha, embora até a sinopse do livro revele mais do que o necessário. Mas, gente, se trata de um livro de 1959, um clássico extremamente conhecido, então, de qualquer forma vocês já devem conhecer o grande segredo do final... Ainda assim, não contarei.rs

Posso dizer que apreciei bastante esta leitura, embora não tenha me surpreendido com nenhum acontecimento ou revelação. Eu quis ler Psicose por curiosidade, sem grandes expectativas, e ele se mostrou um livro rápido, que flui muito bem e envolve por completo o leitor. Senti um pouquinho de medo sim porque já sou medrosa por natureza.kkkkkkk E fiquei perturbada com a mente transtornada do Norman, sem mencionar a mãe dele que é completamente louca, capaz de matar com uma frieza como se estivesse fazendo algo do cotidiano, algo "normal", sabe? Ela mata sem dar à vítima qualquer chance de defesa, mas depois deixa que o Norman se livre do corpo e limpe a cena do crime, além de ter que lidar com todas as demais consequências. Embora se sinta "em paz" por não ser ele a matar com as próprias mãos, sabe bem que é tão culpado quanto ela, pois é cúmplice e encobre todas as loucuras da mãe. A relação dos dois é um prato cheio para os estudiosos da mente humana, dos relacionamentos tóxicos que existem em algumas famílias, entre pais e filhos e o quanto isso pode afetar o futuro da pessoa e a maneira como ela lida com o mundo e as demais pessoas. 

"Não, garoto: não sou eu quem deixa você doente. É você mesmo

Este livro me lembrou muito uma história que li vários anos atrás, do meu amado Sidney Sheldon. Mas apenas mencionar o título do livro já seria um grande spoiler de Psicose para quem já tenha lido o tal livro do qual me lembrei.rs Só fico me perguntando se o SS não terá se inspirado nesta história aqui para criar seus personagens e toda trama presente naquele que considero um dos melhores livros que já li do autor. 




8 de outubro de 2021

O Vilarejo - Raphael Montes



Contos
Literatura Brasileira
Editora: Suma de Letras
Edição de: 2015
Páginas: 109

 28ª leitura de 2021 (21ª resenha do ano)

Sinopse: Em 1589, o padre e demonologista Peter Binsfeld fez a ligação de cada um dos pecados capitais a um demônio, supostamente responsável por invocar o mal nas pessoas. É a partir daí que Raphael Montes cria sete histórias situadas em um vilarejo isolado, apresentando a lenta degradação dos moradores do lugar, e pouco a pouco o próprio vilarejo vai sendo dizimado, maculado pela neve e pela fome. As histórias podem ser lidas em qualquer ordem, sem prejuízo de sua compreensão, mas se relacionam de maneira complexa, de modo que ao término da leitura as narrativas convergem para uma única e surpreendente conclusão.




Esta foi minha primeira experiência com uma obra do Raphael Montes. Na verdade, como a série da Netflix "Bom dia, Verônica" é baseada no thriller homônimo escrito por ele e pela Ilana Casoy e a própria série tem o roteiro assinado pelos dois, não é bem minha primeira experiência... Eu já sabia que era um escritor que aposta em histórias pesadas, do tipo que você deve ler apenas se tiver o estômago forte. Eu não tenho, mas me iludi acreditando que um livro de cerca de 100 páginas, com apenas sete contos não poderia ser muito assustador.rs Me iludi bonito!

Assim que li o prefácio de O Vilarejo e descobri poucas páginas depois que cada capítulo teria em seu título o nome de um demônio, percebi que estava com problemas.kkkkkk Eu não conseguia nem ler tais nomes e ao mergulhar no primeiro conto me senti tão aterorrizada, chocada e enojada que até agora não sei como consegui prosseguir com a leitura. 

No conto, cujo subtítulo é Banquete para Anatole (o título é o nome do demônio associado à gula, mas não vou escrever na resenha o nome de nenhum deles, então só colocarei os subtítulos de cada conto), temos uma importante ligação com os outros seis contos. O autor faz a escolha de começar pelo final... ou por parte do final. Nós sabemos logo de cara o que vai acontecer com os demais moradores do vilarejo e nos contos seguintes ficamos sabendo o que se passou na vida deles antes daquele macabro fim. 

Foi, para mim, a história mais assustadora de todas. Embora todos os sete contos sejam terríveis, de nos arrepiar de horror e causar náuseas e revolta, Banquete para Anatole ficou em minha mente. Me pego lembrando de todo aquele pesadelo, da crueldade, do terror... do medo e do choque que tomaram conta de mim. 

Os subtítulos dos demais contos são: As irmãs Valia, Velma e Vonda; O negro caolho; A doce Jekaterina; A verdadeira história de Ivan, o ferreiro; O porquinho de porcelana da Sra. Branka; Um homem de muitos nomes. E eu não sei dizer qual deles é o mais assustador. Todos possuem histórias que nos mostram o pior dos seres humanos. Como somos capazes de qualquer coisa... Como há tanta crueldade neste mundo... "Os seres humanos me assombram" (concordo com a Morte, narradora de A menina que roubava livros). Não importa quantas notícias eu leia ou assista todos os dias, quantos livros narrem a podridão da humanidade, nunca deixarei de ficar chocada. Eu não consigo compreender como alguém seja capaz de tanta violência, seja tão ruim... 

O último conto presente no livro liga de maneira impressionante todos os contos, nos revelando algo que até já poderíamos imaginar, mas a maneira como o autor conduz a última história é fascinante e foi o que me fez dar 4 estrelas ao livro, quando eu daria 3. Foi O homem de muitos nomes que fez a leitura inteira ser mais do que simplesmente "boa" e merecer 4 estrelas. Lembrando sempre que minhas resenhas são pessoais e que esta, obviamente, é uma opinião pessoal. 

Ao mesmo tempo que ao fim da leitura eu desejei conhecer outras obras do autor, também sei que meu medo me impedirá de ler outros dos seus livros por muitos anos.kkkkkk


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