23 de junho de 2020

Antologia Poética - Florbela Espanca

Tempo de leitura:
Literatura Portuguesa
Editora: Martin Claret
Edição de: 2015
Páginas: 298

32ª leitura de 2020 
(releitura)

Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada.. a dolorida... (...)
Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...
Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!...




Este é um livro que eu já tinha lido e relido algumas vezes. Tenho uma grande conexão com os poemas da Florbela, como não acontece quando leio nenhum outro poeta. Então, sempre que me sinto bem triste ou ansiosa tenho dois refúgios: o livro O Morro dos Ventos Uivantes (meu preferido da vida!), da autora Emily Brontë e os poemas da Flor.

Foi o que aconteceu em abril deste ano. Com essa pandemia provocando tantas tragédias e mexendo profundamente com nossas vidas e emoções, eu precisei mais do que nunca recorrer aos escritos da Florbela, aos seus versos tão tocantes, seus sonetos que me arrebatam. Precisei tocar, abraçar o livro, ler cada soneto em voz alta, na tentativa de calar o mundo por uns momentos. De esquecer a realidade.

Em abril eu li até a metade e depois fui lendo um poema vez ou outra, sempre quando me sentia "sufocada", angustiada. Mas agora em junho eu peguei o livro novamente e o li por inteiro. Porque se em abril estava desesperada, agora em junho, quando o Brasil ultrapassou mais de um milhão de pessoas infectadas pelo coronavírus e mais de 50 mil mortes, "desespero" seria um eufemismo. Estou para além disso... me sinto destroçada. Nem sei expressar o que sinto. Lamento muito por cada vida perdida, cada família que está atravessando esse luto tão insuportável. Só posso pedir que Deus conforte cada coração. E que tenha misericórdia de todos nós.

Me refugiar nos poemas da Flor era uma das melhores coisas que poderia fazer para não afundar numa crise de ansiedade. Vocês sabem que já falei desta minha querida poetisa aqui no blog outras vezes. Falei especificamente sobre ela no post Minha poetisa querida: Florbela Espanca, falei do soneto A Um Livro e ainda fiz resenha sobre um de seus livros, o meu preferido Livro de Mágoas. Mas esta é a primeira vez que falarei da Antologia Poética completa, que reúne seis livros da autora.

A Antologia Poética é o trabalho mais caprichado que já vi uma editora fazer dos livros da minha poetisa amada. Publicada pela editora Martin Claret, ela é em capa dura, com detalhes delicados, com uma página em azul abrindo cada um dos livros presentes na antologia. Reúne todos os livros de poemas publicados pela Flor em vida, bem como aqueles que só se tornaram de conhecimento dos leitores após sua morte.

Como abertura do livro, temos as duas únicas coletâneas de poemas publicadas enquanto a autora era viva: Livro de Mágoas, que eu considero o mais profundo, aquele que me toca como nenhum outro; e Livro de Sóror Saudade, que também traz sonetos que falam com a gente, como se a autora dissesse que sentia exatamente o que sentimos, que compreende nosso coração. Sim, quando falo de poesia eu sou assim sentimental mesmo! E com orgulho!rs

Dos 33 poemas presentes em Livro de Mágoas, dezessete são meus preferidos. Entre eles:

"Este livro é de mágoas. Desgraçados
Que no mundo passais, chorai ao lê-lo!
Somente a vossa dor de Torturados
Pode, talvez, senti-lo... e compreendê-lo."

[Trecho do soneto Este Livro...; página 17]


Já o Livro de Sóror Saudade possui 37 poemas e entre eles tenho como um dos mais queridos:

"A luz desmaia num fulgor d' aurora, 
Diz-nos adeus religiosamente...
E eu que não creio em nada, sou mais crente
Do que em menina, um dia, o fui... outrora...

[Trecho do soneto Anoitecer; página 69]


Os quatro outros livros que fazem parte da antologia só vieram a ser publicados postumamente. Muitos dos poemas que fazem parte deles foram escritos pela autora vários anos antes de ela falecer, mas que por um motivo ou outro acabaram não sendo lançados. Charneca em Flor, por exemplo, ela estava tentando publicar quando sua vida chegou ao fim. Ela morreu aos 36 anos, exatamente no dia do seu aniversário. Charneca em Flor foi publicado meses depois. Ele possui 47 poemas, entre eles tenho como um dos meus favoritos:

"Quem me dirá se, lá no alto, o céu
Também é para o mau, para o perjúrio?
Para onde vai a alma, que morreu?
Queria encontrar Deus! Tanto o procuro!"

[Trecho do soneto Quem Sabe?; página 131]


Os outros livros de poemas da autora, presentes nesta antologia da Martin Claret são: Reliquiae (com 34 poemas); Trocando Olhares que possui 53 poemas e a curiosidade é que muitos deles não são sonetos (regra geral, a autora seguia a estrutura dos sonetos); e O Livro D'Ele, com 31 poemas. De todos os seis, o único que posso dizer que não gosto tanto assim é justamente este último. Do Livro D'Ele eu só tenho um poema que amei, mas ironicamente é um dos meus preferidos de toda a obra poética da autora:

"Versos! Versos! Sei lá o que são versos...
Pedaços de sorriso, branca espuma, 
Gargalhadas de luz, cantos dispersos.
Ou pétalas que caem uma a uma..."

[Trecho do soneto Versos; página 298]


Eu recomendo muito, muito, muito esta antologia! Porém, os poemas da Flor são quase sempre melancólicos, carregados de sentimentos intensos, de dor, de angústia... são como montanha-russa, ora você encontra versos cheios de alegria, ora cheios de lágrimas (na maior parte das vezes falam de sofrimento ou saudade). Como sinto uma forte conexão com a escrita da autora, com a maioria dos seus versos, eles acabam provocando sentimentos positivos em mim, me consolam, me acalmam... Mas não posso afirmar que você sentirá o mesmo ao lê-los, claro.

O que quero muito é conhecer os contos da autora. Sim! Ela não escreveu apenas poesia. Ficou mais conhecida por conta delas, mas também é autora de contos. E ainda não li nenhum. Preciso corrigir isso logo! :D



-> DLL 20: Um livro de autor português



Leitora apaixonada por romances de época, clássicos e thrillers. Mãe da minha eterna princesa Luana e dos meus príncipes Celestino e Felipe (gatinhos filhos do coração). Filha carinhosa. Irmã dedicada. Amiga para todas as horas. Acredita em Deus. E no poder do amor.

2 comentários:

  1. Faz um tempão que não leio poemas e ainda não conhecia essa antologia. Os poemas que mais gosto são os tipo melancólicos, então acredito que isso vá funcionar bem pra mim. Valeu pela dica!

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  2. Oi, Luna.
    Realmente a quarentena não está sendo fácil e eu também me pego relendo histórias que eu amo, que são um alento nesses tempos ruins!
    Não sou tão fã de poemas, mas achei esses trechos que você destacou muito bonitos! Ótima postagem!
    Apesar de não ter me interessado por esse livro, vou dar uma chance ao Morro dos Ventos Uivantes!! Rs...
    Beijos
    Camis - blog Leitora Compulsiva

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