17 de fevereiro de 2021

O Navio Negreiro e outros poemas - Castro Alves

Tempo de leitura:

 


Literatura Brasileira
Editora: Melhoramentos
Edição de: 2013
Páginas: 163 (e-book)

4ª leitura de 2021 (4ª resenha do ano)

Sinopse: Como principal representante da poesia condoreira no Brasil, Castro Alves se utiliza de uma linguagem eloquente e grandiosa para denunciar os horrores da escravidão e lutar pela liberdade dos escravos. Nesta coletânea, destaca-se “O navio negreiro”, poema épico-dramático que narra o tráfico de negros trazidos da África para trabalhar como escravos no país. As atrocidades do sistema escravista ganham vida nestes poemas e transmitem toda a sensação de dor e privação das vítimas desse sistema.



Eu amo poesias, mas tenho uma dificuldade enorme para fazer resenhas sobre elas. Porque a experiência de lê-las é muito única, é um sentir que não dá para colocar em palavras. Sempre que mergulho num livro de poemas eu viajo para bem longe "do real", me perco em sentimentos e sensações... vou para bem longe de mim mesma. Me entrego ao que o poeta escreveu e me imagino na situação do eu lírico. O que nem sempre é uma experiência agradável.... Ainda mais quando lemos poemas que tratam da escravidão. 


Ler O Navio Negreiro e outros poemas foi muito desgastante emocionalmente. Eu fiquei abalada, inquieta, viajei para aquele período que marcou com sangue, tortura e muita dor a História do nosso país e do mundo. Não era capaz de ler muitos poemas por dia, pois sentia como se existisse um peso sobre mim, algo sufocante. E é admirável o talento e a sensibilidade do poeta para conseguir tornar tão vívidos os acontecimentos através de seus poemas. 


Castro Alves foi um jovem poeta da terceira geração do Romantismo e também um abolicionista, conhecido como "poeta dos escravos" ou poeta social, segundo informações que encontrei em pesquisas na internet. Teve uma vida bastante curta, falecendo aos 24 anos de idade, mas contribuiu de maneira importantíssima para sensibilizar outras pessoas a se envolverem com as causas sociais, humanitárias e abolicionistas. Me pergunto como pude passar pela escola e pela universidade sem jamais ter lido nem que fosse um dos seus poemas! Não acredito que tenha lido, pois teria sido impossível esquecê-los. Eles nos tocam profundamente, de uma maneira que tira o fôlego, que angustia. 


"Senhor, não deixes que se manche a tela
Onde traçaste a criação mais bela
De tua inspiração. 
O sol de tua glória foi toldado...
Teu poema da América manchado,
Manchou-o a escravidão." 
[Trecho do poema Ao romper d'alva]


Esta coletânea reúne 33 poemas que abordam temas imensamente dolorosos, que falam das mais diversas formas de violência praticadas ao longo dos séculos de escravidão. Da dor, fé e profunda tristeza de pessoas que apenas por sua cor de pele eram tratadas como objetos, como mercadorias, como algo sem sentimento. Que não eram vistas como seres humanos. Que foram roubadas de tudo... de sua liberdade, sua intimidade, sua família, sua vida... Tudo. Absolutamente tudo. A dívida que a sociedade possui não poderá ser paga nunca. 


Dói muito pensar nas pessoas que viveram e foram torturadas, subjugadas e mortas conforme a vontade de seus "senhores". Que foram separadas de suas famílias, que tiveram todos os seus direitos violados. É comum pensarmos, em momentos de grande desesperança, que "hoje em dia" falta amor no mundo. Que a ausência de amor é que provoca tanta violência, tanta crueldade. Mas não. Não é algo de "hoje em dia". Simplesmente sempre faltou amor no mundo. As pessoas, de maneira bastante seletiva, escolhem quem vão considerar seu "próximo", seu semelhante. Não é raro eu ter a dolorosa sensação de que tudo o que Jesus passou foi em vão. Não aprendemos nada. 


"Agora adota a escravidão por filha, 
Amolando nas páginas da Bíblia
O cutelo do algoz...
Sinto não ter um raio em cada verso
Para escrever na fronte do perverso:
'Maldição sobre vós!"

[Trecho do poema Confidência]



Quase todos os poemas me tocaram de alguma forma, me deixaram triste e revoltada, mas aquele que mais me abalou foi Tragédia no lar. Nossa! Apenas lembrar da história contada nele, a mãe que tem seu filho arrancado dos seus braços, pois seu "senhor" o vendeu... é de nos destroçar por dentro. É um poema de muita dor, as palavras dela, seus gritos, seu desespero... Nunca vou conseguir esquecer. 

A mãe, no poema Tragédia no lar, implora que aquele homem não leve o seu filho, que é apenas um bebê, inocente, que é tudo o que ela tem, que é sua única alegria. Suplica que ele se coloque em seu lugar, pois também tem filhos. O que ele sentiria se quisessem vender seus filhos? Se os levassem para serem escravos? Mas nada do que ela dissesse, suas súplicas... nada era capaz de comover aquele homem. E o poeta prossegue dizendo o motivo de tanta crueldade: 

"Porém nada comove homens de pedra, 
Sepulcros onde é morto o coração."

E eu concordo completamente. É preciso ser morto por dentro para fazer algo assim. Para arrancar um filho de sua mãe, para vender seres humanos, para escravizar pessoas. Este poema me abalou muito, me deixou em prantos, com tanta, tanta angústia. Porque não é um simples poema. Foi a realidade de muitas pessoas. Separadas de suas famílias... tratadas como se fossem nada. 

Eu recomendo os poemas deste livro, mas que leiam sabendo que vão se revoltar, que vão chorar, que ficarão com um sentimento muito ruim de desesperança, de tristeza por um passado que não podemos mudar. E um presente que ainda reflete esse passado. 

Quero ler tudo o que o Castro Alves teve a oportunidade de escrever, mas darei um intervalo de alguns meses, pois não tenho o emocional forte para ler muitos de seus poemas em sequência. Não tenho estrutura emocional para isso. As palavras dele são muito fortes. Sua escrita transborda sentimentos e nos inunda. Eu não estava preparada para tantos sentimentos dolorosos. Não estava preparada para a força de sua escrita. Mas já é um dos meus autores preferidos, com certeza! Só lamento ter demorado tanto para conhecê-lo. 



-> DLL 21: Um livro de autor brasileiro nunca lido. 




Leitora apaixonada por romances de época, clássicos e thrillers. Mãe da minha eterna princesa Luana e dos meus príncipes Celestino e Felipe (gatinhos filhos do coração). Filha carinhosa. Irmã dedicada. Amiga para todas as horas. Acredita em Deus. E no poder do amor.

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