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26 de agosto de 2018

Lucíola - José de Alencar


Na melhor tradição romântica, Lucíola é um livro onde se debatem paixões tórridas e contraditórias e no qual o amor não resiste às barreiras sociais e morais. Conheça o romance da bela Lúcia, a mais cobiçada cortesã do Rio de Janeiro, e Paulo, um jovem modesto e apaixonado. Um romance que sacode a corte e provoca uma grande excitação e falatório. Emocione-se com a história da mulher que, sendo de todos, dizia não querer ficar presa a homem algum e do homem que lutava contra o amor e o preconceito. 



Palavras de uma leitora...


- A sinopse acima encontra-se no final da edição que li (sim, a capa é bem feia, mas é a edição que li!rsrs), no "Convite à leitura". Como não gostei muito dela coloquei apenas um trecho. 

Não sei se estou em condições de escrever esta resenha. Terminei a leitura ontem à noite e desde então sempre que recordo como tudo aconteceu me pego chorando outra vez. É uma história que mexeu profundamente com as minhas emoções. Que acabou comigo. Nunca na vida serei capaz de esquecer a Lúcia. Nunca mesmo. 

Tanto pela sinopse quanto pelas "palavras finais" contidas nesta edição consigo perceber a ideia que muitos na época, e talvez até nos dias atuais, tiveram da história. Que ela tinha a intenção de moralizar. Que esse foi seu objetivo. Eu, por outro lado, não concordo. É, para mim, um livro que deu voz a uma mulher desprezada pela sociedade, julgada e condenada sem que sequer soubessem o que a levou a ser o que era. Sem que a reconhecessem como um ser humano que sofria e que um dia também teve sonhos. O livro coloca em destaque um tipo de mulher com o qual nem mesmo a literatura parece se importar muito. Afinal de contas, quantas vezes você já leu um livro protagonizado por uma prostituta? Pouquíssimas vezes, com certeza. Regra geral, quando aparecem numa história elas são as destruidoras de lar, as imorais. As que gostam da perversão e não se importam com nada nem ninguém. Quando penso em alguém que enxergou numa prostituta um ser humano, que compreendeu e não julgou, penso em Jesus. O único que realmente possuía o direito de julgar, mas enxergou além da aparência. E nós, cheios de erros e defeitos, adoramos apontar o dedo como se fôssemos os donos da razão e da moral. Vi em Lúcia um ser humano muito melhor do que muitas pessoas que conheço, incluindo eu mesma. Mesmo sendo uma "pecadora" existia nela uma nobreza que muitos passam pela vida sem conhecer. Enquanto os outros se sentiam dignos em condená-la ela era, na realidade, muito superior a todos eles. 

É meio difícil dizer que darei "spoiler", uma vez que Lucíola é um livro muito trabalhado nas escolas. Mesmo que não recordasse tudo sobre a obra, lembrava de ter muitas vezes feito estudos, interpretações de texto em cima desta história. Mas caso alguém se sinta incomodado, como se eu estivesse revelando algum segredo do livro, adianto, então, que farei isso sim. Será uma resenha com spoiler. E, é claro, a resenha será longa. Não me privarei de falar de uma história que mexeu com minha estrutura. Que tocou profundamente meu coração e alterou minha vida. 

"Escrevi as páginas que lhe envio, as quais a senhora dará um título e o destino que merecerem. É um perfil de mulher apenas esboçado."

- Como costume em suas obras, José de Alencar começa a história como se estivesse falando com alguém, contando acontecimentos que seus personagens presenciaram ou dos quais até participaram na qualidade de pessoas reais. É como se não fosse ficção. Ele dá um tom de realidade ao livro. E nesta história temos o Paulo, protagonista, como um narrador-personagem, que conheceu a Lúcia, de quem o livro trata, e por ela se apaixonou. É ele que tece seu perfil. Apenas um esboço, como ele próprio diz. Algo incompleto, bem longe de poder possibilitar ao leitor conhecer todos os pormenores, mas o suficiente para nos mostrar quem foi a mulher da qual ele não era capaz de esquecer. Paulo não é um personagem perfeito. Muito pelo contrário! Terminei a leitura sem sentir pena dele. Porque, durante boa parte do livro, ele é tão baixo e sujo quanto outros personagens que protagonizaram certos acontecimentos, me provocando verdadeiro desprezo. Não fui capaz de perdoá-lo ou sentir um pingo de simpatia por ele. 

"- Quem é esta senhora? perguntei a Sá.
A reposta foi o sorriso inexprimível, mistura de sarcasmo, de bonomia e fatuidade, que desperta nos elegantes da corte a ignorância de um amigo, profano na difícil ciência das banalidades sociais. 
- Não é uma senhora, Paulo! É uma mulher bonita."

- Paulo estava há pouco tempo na corte do Rio de Janeiro. Aos 25 anos de idade e vindo de um local diferente, um tanto provinciano, demorou para compreender que a mulher que tanto o fascinava era uma cortesã. Mas nem mesmo quando seu "amigo" fez questão de corrigi-lo ele foi capaz de livrar-se da atração que ela lhe despertava. Havia em Lúcia algo de distinto. E não podia deixar de pensar que já a conhecia. Ao serem apresentados, com Sá desempenhando com perfeição o papel de um completo lixo, Paulo comportou-se educadamente, embora pensasse que a imagem exterior que ela mantinha, que poderia confundi-la com uma "mulher de bem", escondia a podridão do seu interior. E não demorou a acreditar que possuía direitos. Porque uma vez que ela era de quem pagasse também poderia ser dele. 

"Se eu amasse essa mulher, que via pela terceira ou quarta vez, teria certamente a coragem de falar-lhe do que sentia; se quisesse fingir um amor degradante, acharia força para mentir, mas tinha apenas sede de prazer;"

- Inicialmente, a dignidade que parecia vir de algum recanto daquela mulher, o obrigou a comportar-se de uma forma bem diferente da que desejava. Não conseguiu ser direto, indo visitá-la como quem faz a corte a uma jovenzinha casadoura. Todavia, a vergonha por estar agindo de uma maneira que ela não merecia o faz explodir e exigir dela o que realmente queria, tomando liberdades que ela não tinha lhe dado, mostrando para ela que o teatro que até aquele momento ele fizera apenas estava adiando suas reais intenções. Embora em segredo, Lúcia já o amava e lhe magoou profundamente que ele fosse só mais um... apenas mais um que a via como objeto. No fundo do seu coração ela desejara o impossível. Quis acreditar que seria diferente. Que ele a enxergaria como realmente era. Que, talvez, apenas talvez, a amaria. E quando ele a tocou de uma forma que não tocaria uma mulher "decente", a dor em seu coração tornou impossível conter as lágrimas. 

"Duas lágrimas em fio, duas lágrimas longas e sentidas, como dizem que chora a corça expirando, pareciam cristalizadas sobre a face, de tão lentas que rolavam."

Então ela foi o que ele queria. Desempenhou o papel que desde os quatorze anos era obrigada a representar. Foi a mulher que os homens buscavam. A perdida. A sem honra ou sentimentos. Que via no dinheiro a sua paixão. E que por ele seria capaz de fazer o que quisessem. Foi o que o Paulo desejou, embora seu coração se despedaçasse, embora algo em seu interior, que durante tanto tempo agonizara, finalmente morresse. 

"Mas a senhora lê e eu vivia; no livro da vida não se volta, quando se quer, a página já lida, para melhor entendê-la; nem pode-se fazer a pausa necessária à reflexão. Os acontecimentos nos tomam e nos arrebatam, às vezes, tão rapidamente que nem deixam volver um olhar ao caminho percorrido."

- Por mais que não entendesse o que a fizera chorar e não estivesse sequer disposto a analisar as contradições daquela mulher, Paulo ficou um tanto perturbado, o que não o impediu de ter o que tanto quis. Ela agiu como ele esperava... lhe deu o prazer inesquecível, que a tornara sua obsessão. Porque quanto mais tinha dela mais queria e sentia ciúmes e queria ser o único em sua vida, ao mesmo tempo que temia que seu interesse tão claro por Lúcia o tornasse objeto de chacota dos seus iguais. A via em segredo, como algo sujo. E se os outros lhe perguntassem fingia sequer conhecê-la. Mas especialmente Sá, quem ele tanto chamava de amigo, começa a juntar as peças e ver naquela relação um espetáculo que ele não perderia a oportunidade de apreciar. Então planeja um jantar no qual faria os dois "se conhecerem melhor". E embora Paulo imaginasse que seu amigo convidaria a Lúcia e que algo tinha em mente, não podia sequer suspeitar tudo o que se passaria naquela noite. 

Lúcia estava esplêndida como sempre, ofuscando as outras cortesãs presentes no jantar. Tudo começaria tarde e iria até a alta madrugada. Em seus olhos ele podia notar alguma coisa que não conseguia distinguir. Ela estava um tanto diferente. Mais amarga, mais sarcástica. Como se quisesse lhe dizer algo, mas ainda não tivesse a coragem ou não valesse a pena. Quando sentado ao seu lado, ele desabafa que gostaria de estar em qualquer outro lugar com ela, Lúcia lhe responde amargamente, dizendo ser apenas uma mulher, como outra qualquer, da qual ele poderia obter o prazer anonimamente. Como quando aprecia alguma iguaria da qual desconhece até mesmo o nome. Que importava que fosse ela? Ela não era mais que um objeto comum, segundo as palavas dela. 

"[...] Demais, quando tiver bebido alguns copos de clicot e sentir-se eletrizado, saberá o senhor de quem são os lábios que toca? Qual? É uma mulher! Uma presa em que ceva o apetite! Que importa o nome? Sabe porventura o nome das aves e dos animais que lhe preparam esta ceia? Conhece-os?... Nem por isso as iguais lhe parecem menos saborosas.

Estas palavras, assim lidas friamente, nada são comparadas com a voz amarga e sibilante que as pronunciava. Soltavam-se de seus lábios, e caíam no meu espírito, tão impregnadas de ondas de sarcasmo, que deixavam passando uma impressão cáustica e dolorosa."

- Esta noite é um marco na "relação" entre os dois. Tudo que se passa... altera o rumo das coisas. De um lado, ele sentia ainda mais desprezo pela mulher que o enfeitiçava e por outro sentia pena, de quão baixo ela tinha chegado, do ponto de degradação que tinha atingido. Mas quando a segue e a vê sozinha e tão desamparada, colocando para fora a dor que sentia, não consegue evitar tomá-la em seus braços, desejando consolá-la, oferecer o conforto que ela não era capaz de encontrar em ninguém. 

"Aproximei-me então, e tomei-a nos braços; metiam dó as contrações nervosas que crispavam seu belo corpo, e os soluços de angústia que lhe partiam o seio e cerravam a garganta, sufocando-a. Penou assim um tempo longo, em que receei por vezes que não expirasse sobre o meu peito."

- A partir daquele instante o relacionamento entre os dois se torna mais sólido e conturbado, recheado de altos e baixos, de humilhações, de ofensas e arrependimentos, de entrega e renúncia. De amor... da parte dela. Era, sobre muitos aspectos, uma relação abusiva, na qual, atormentada por um amor do qual não conseguia se livrar, Lúcia se sujeitava ao tratamento que Paulo lhe dava. Dando a ele um poder que jamais outro homem teve sobre ela. Um relacionamento que não tinha maneira de terminar bem...

- A verdade é que nem sei bem como organizar meus pensamentos e sentimentos sobre este livro. Tornou-se minha história preferida do autor. Aquela que amo profundamente. Que nunca esquecerei. Tenho duas edições do livro (uma antiga e em capa dura que reúne outras duas obras: Senhora e Diva) e pretendo adquirir, pelo menos, mais uma.rs É um livro que bagunçou por completo minhas emoções. Que me provocou muita raiva e revolta em diversos momentos e uma dor terrível no final. Que me deixou aquela sensação de injustiça. Aquele sentimento que fica quando alguém que não merecia sofre demais na vida e tem um fim inaceitável. Lúcia marcou a minha vida. 

"[...] O que é este corpo que lhes mostrei há pouco, e que lhes tenho mostrado tantas vezes! O que vale para mim? O mesmo, menos ainda, do que o vestido que despi"

- Embora o autor demore para revelar o passado da Lúcia, é possível imaginar que algo bem doloroso se escondia em suas lembranças. Que algo sério a levara àquele ponto. Eu tentava descobrir o que tinha acontecido, conforme ela ia soltando lentamente algumas informações. Uma protagonista incrível, construída de maneira maravilhosa pelo autor, que permitiu que ela ganhasse as páginas da história... que mesmo tendo sua vida contada por outra pessoa conseguia se mostrar como era. Nos permitindo enxergá-la... conhecê-la de verdade. 

Lúcia tinha apenas 14 anos quando sua família foi vítima da febre amarela que aterrorizou a região em que morava. Inocente, sem nada saber da vida ou do mundo, entrou em completo desespero quando seus pais, seus irmãos e tia caíram gravemente doentes e ela foi a única a permanecer de pé. O dinheiro tinha acabado. Não tinha como pagar por remédios, por comida, por nada. Pedia aos outros. Suplicava na porta de casa por algum auxílio enquanto a morte parecia certa para todos os que ela tanto amava. Um dia ele passou... o homem que a fez conhecer a realidade do ser humano. O quão sujo alguém pode ser. Ela pediu que ele lhe desse algo para ajudar sua família. Ele foi "bondoso". Falou para acompanhá-lo até sua casa e lhe ofereceu o dinheiro do qual ela precisava. Sentindo esperança pela primeira vez em muito tempo, Lúcia aceitou, mas então ele a beijou. 

Assustada, sem entender direito o que ele queria, mas sentindo o perigo, ela fugiu. Só que antes de entrar em casa lembrou-se da desolação que encontraria. Da ajuda que não traria. Então voltou... e permitiu que ele tivesse o que fosse que desejava para lhe dar o dinheiro. Mesmo depois que ele terminou, ela seguiu sem compreender direito o que se passara. 

Sua mãe e seu pai, bem como sua irmãzinha caçula, se recuperaram. Seus dois irmãos, não. E quando o pai lhe perguntou como ela conseguiu o dinheiro que lhes tinha ajudado, Lúcia inocentemente contou a verdade. Da maneira que ela conseguia entender. E ele não hesitou em jogá-la na rua. Estava vivo porque ela pagou com o próprio corpo o socorro que ele obteve e mesmo assim a abandonou sem ter a quem recorrer, sem saber como sobreviveria. Com 14 anos de idade. 

Perdida nas ruas recebeu auxílio de alguém que também quis receber algo em troca. Assim são as relações humanas, certo? Nenhuma bondade é de graça. Ela foi apresentada ao mundo no qual estava quando conheceu o Paulo, cinco anos depois. Quando aos dezenove anos de idade se sentia suja e podre. Sentia que não valia nada. E os sonhos que um dia teve estavam enterrados. Mas ao conhecê-lo... ao vê-lo pela primeira vez quando ele a enxergou sem saber quem ela era... sentiu vontade de viver outra vez. De ser a menina que um dia tinha sido. Por isso seu coração se fez em pedaços quando ele se mostrou só mais um. 

"Se naquela ocasião me viesse a ideia de estudar, como hoje faço à luz das minhas recordações, o caráter de Lúcia, desanimaria por certo à primeira tentativa. Felizmente era ator neste drama e guardei, como a urna de cristal guarda por muito tempo, o perfume de essência já evaporada, as impressões que então sentia. É com ela que recomponho este fragmento de minha vida."

- Foi enorme a minha angústia conforme via a mulher forte, que sobrevivera a tanta coisa, se submeter ao tratamento que o Paulo lhe dava. Ela era uma cortesã, mas escolhia seus amantes e não lhes dava nenhum controle sobre sua vida. A casa era dela. E ela decidia quando a "relação" começava ou chegava ao fim. Se decidia não mais atender algum homem não existia nada que ele pudesse fazer para convencê-la a voltar atrás. E não desnudava sua alma diante de nenhum deles. Assim conseguira sobreviver, mas quando o Paulo entrou em sua vida tudo mudou. Embora ele fosse a motivação para fazê-la acreditar que merecia uma segunda chance, que podia sim sair do fundo do poço no qual se encontrava, ele também foi seu castigo. Seu tormento. Eu sentia meu sangue ferver quando o via menosprezá-la diante dos outros. Quando interpretava qualquer afeto dela como fingimento ou excesso, quando lhe dizia coisas humilhantes, quando a ofendia e se sentia no direito até mesmo de odiá-la, pois ela era uma prostituta e culpada por seu interesse. Senti repulsa por esse homem desgraçado! Senti ódio por ele se aproveitar do amor que sabia que ela sentia. Nesses momentos eu sentia vontade de rasgar as páginas do livro como a Lúcia rasgou a do livro A Dama das Camélias. Porque quando eu rasgasse as páginas imaginaria que estaria rasgando a cara do miserável! E falando em lixos em forma de gente não posso deixar de mencionar o Sá, o tal que organizou o jantar que mencionei no início da resenha. Ele foi o primeiro personagem que desejei matar na história. Logo que ele apareceu, com seu tom de deboche e a maneira como falava da Lúcia, como se ela fosse a sujeira debaixo de seu sapato, meu sangue já ferveu. Mas depois daquele maldito jantar eu quis que o sangue dele escorresse no livro tal foi o meu ódio. Não era a Lúcia a pessoa vil, baixa, nesta história, eram eles. Os homens que a tinham usado. Que se aproveitaram da situação dela. E o autor mostra isso de maneira perfeita! Talvez não tenha sido sua intenção já que dizem que era um homem tradicional e moralista, defendendo inclusive a escravidão. Talvez a protagonista tenha ganhado vida própria como tantos personagens que surpreendem seus autores e vão além do que eles pretendiam. Ou quem sabe realmente fosse o objetivo dele compreender a alma de sua personagem, colocar em palavras seus sentimentos e mostrar a baixeza dos homens. Na realidade, eu acredito que foi sim proposital. Porque muitos dos pensamentos do próprio Paulo tornavam isso evidente, quando refletindo sobre suas atitudes, sobre as palavras ferinas que dirigia a ela, ele próprio percebia o quanto era um canalha, o quanto era podre. Ela era boa, era nobre. Uma pessoa que apanhou da vida e só recebeu julgamentos e condenações. Sendo usada por qualquer um que passasse por sua vida... que nunca enxergava o ser humano por trás da imagem bela e distante. Ela tinha valor, era uma pessoa inteligente e solidária, estendendo a mão até mesmo para aqueles que um dia tinham pisado nela. E não tem como ter sido "acidental" o autor ter mostrado isso tudo. Tenho certeza que ele quis mesmo mostrar a imensa contradição: uma prostituta era mais nobre que aqueles que se julgavam nobres do alto de seus poderes e privilégios. Ele inverteu as coisas. Inclusive a ideia que muitos têm que uma prostituta ou amante é uma destruidora de lares. Há uma cena em que o autor mostra que canalha foi o homem que deixou a mulher sozinha em casa enquanto ia buscar os "favores" da Lúcia. E como ela reagiu quando viu aquela mulher triste, desprezada pelo marido. Ele colocou tanto a mulher "honrada", que era a esposa, quanto a Lúcia numa posição elevada enquanto mostrava a baixeza daquele traste de marido. Foi um homem que escreveu este livro, gente! E de uma maneira! Realmente estou fascinada!

"Às vezes lia para ela ouvir algum romance, ou a Bíblia, que era o seu livro favorito. Lúcia conservava de tempos passados o hábito da leitura e do estudo; raro era o dia em que não se distraía uma hora pelo menos com o primeiro livro que lhe caía nas mãos."

- Outro ponto que não posso deixar de comentar: se não estou enganada foi numa festa religiosa que a Lúcia e o Paulo foram apresentados pelo Sá. O rato do Sá inclusive debocha do fato de ela estar naquele tipo de festa considerando o que ela era. E desde o início o autor mostra a realidade da nossa protagonista e vai construindo a personalidade dos demais personagens. Ele teve a intenção de moralizar como algumas pessoas defendem? Moralizar os homens, talvez?rs Lúcia não foi convertida, mesmo quando ela mudou de vida na última parte do livro. Ela sempre foi aquela pessoa. E o autor é claro ao mostrar isso pro leitor. A profissão dela não matou sua essência, embora tenha atormentado sua alma e destroçado seu coração, por mais que tenha lhe provocado um grande sofrimento. Em sua essência ela sempre foi a menina da qual tanto sentia falta. Quem foi transformado no livro????!!! O Paulo!!! Foi ele que teve que sofrer uma enorme transformação, tornando-se alguém melhor, me mostrando pela primeira vez que realmente agora a amava. Se o autor quis moralizar alguém foi seu protagonista e os homens canalhas que pudessem um dia parar para ler este livro.

- Não consegui perdoar o Paulo. Reconheço que ele mudou. Não nego que se arrependeu e se apaixonou pela mulher que antes era sua obsessão, um lugar no qual ele buscava alívio para as necessidades de seu corpo. Mas depois de tudo o que a minha protagonista querida sofreu eu não tive ânimo para perdoá-lo. Não fui capaz. 

- Eu teria muitas coisas para falar sobre o livro ainda. É aquele tipo de história que nos possibilita um longo debate, que nos dá muito sobre o que conversar. A construção psicológica dos personagens, os momentos em que a Lúcia dizia certas coisas e parecia distante da realidade, perdida em algum lugar do passado... isso daria muito conteúdo de estudo para psicólogos, inclusive. Gosto tanto disso nos livros clássicos! Muitos deles têm essa questão psicológica, como As Relações Perigosas (do Choderlos de Laclos), O Retrato de Dorian Gray (do Oscar Wilde) e até mesmo o meu preferido O Morro dos Ventos Uivantes. É algo que me encanta, confesso.

"Sucede com as feridas d'alma o mesmo que às feridas do corpo: é quando elas esfriam, que a dor se torna aguda e lancinante."

- Não contarei o final do livro. Não por que ache que já dei muito spoiler (risos), mas sim porque sei que cairei em prantos de novo. Foi uma luta ontem para conseguir parar de chorar. Parecia que toda aquela dor era em mim. Senti o sofrimento da Lúcia. E o final da história me destroçou. Não aguento lembrar. Já sinto aquele nó na garganta outra vez, por isso paro aqui. Não quero sentir tudo aquilo de novo. 

Se recomendo o livro? MUITO!!! É o melhor livro do José de Alencar para mim. Uma preciosidade. Favorito com toda certeza do mundo! Mas é necessário maturidade para lê-lo. Se eu tivesse lido na minha adolescência não seria capaz de compreendê-lo, mas isso é muito relativo. Existem adolescentes que carregam uma bagagem literária grande, que já leram muito e podem sim ter adquirido a maturidade necessária para entender o livro. Por isso, recomendo para todos. 

- Talvez muitos aqui saibam que a Record TV está reprisando a novela Essas Mulheres. Eu nunca assisti, mas sei que ela foi inspirada nos Perfis de Mulher, a trilogia do autor composta por: Senhora, Diva e Lucíola. Diva é a única obra dessa coleção que não li, mas, como eu disse, tenho um exemplar que reúne as três histórias e provavelmente a lerei no próximo ano. Não sei se algum dia assistirei a novela ou alguma adaptação cinematográfica desta minha história querida porque tenho muito medo de não serem capazes de transmitir a essência do livro e da Lúcia. Não quero me decepcionar com as adaptações. Eu acabaria ficando furiosa. 

É isso, queridos! Não sei vocês chegaram ao final da resenha.kkkkkk... Mas uma resenha breve não seria suficiente para mim. Eu precisava falar... necessitava desabafar. 

26 de agosto de 2017

A Viuvinha - José de Alencar


Jorge era um moço jovem e rico, que encantado pela vida na corte, perdeu muito do seu dinheiro com coisas mundanas. Mas conheceu Carolina, moça simples que o salvou da luxúria.


Palavras de uma leitora...


- Outra vez eu fui vencida pelo cansaço e não consegui fazer a resenha na sexta-feira. Assim, excepcionalmente, apareço aqui num sábado.rsrs

A Viuvinha é a segunda novela que faz parte deste livro. Ainda esta semana eu fiz a resenha de Cinco Minutos, minha história preferida do autor, aquela pela qual me apaixonei perdidamente. A segunda história é boa, mas não se compara à primeira. 

"Mas eu não escrevo um romance, conto-lhe uma história. A verdade dispensa a verossimilhança."

Como vários jovens de sua idade que não se preocupavam com o amanhã, Jorge empenhava-se dia e noite em detonar a fortuna que possuía. Uma vez que seu pai não era mais vivo para controlar de alguma forma os seus excessos e que ele tinha herdado sozinho tudo o que pai construíra com esforços e sacrifícios, não demorou muito para ver-se praticamente sem nada. 

Finalmente cansado da vida desregrada que levava, com prazeres passageiros e sem sentido, encontrou numa jovem inocente de 15 anos, a esperança de algum futuro, de uma chance para mudar. Mudou-se para outra residência, largou por completo a vida como filho de pai rico e acostumou-se com um cotidiano mais humilde e feliz. 

Para Carolina foi fácil apaixonar-se por ele. Jorge a tratava como uma princesa, como a flor mais delicada e seu carinho acabou por conquistar também a mãe de sua amada, que consentiu com o romance e o casamento. 

Tudo era felicidade na vida dos dois enamorados e a véspera do dia em que uniriam para sempre suas vidas, deveria ser um dia especial, em que contariam as horas para que o grande dia chegasse. Todavia, para Jorge foi um momento de uma tristeza como a que jamais tinha conhecido. 

"Sentiu-se arrastar e teve medo.
 Teve medo de esquecer."

Ao receber uma notícia terrível, Jorge se vê diante de uma decisão impossível. Qualquer que fosse a sua escolha, o sofrimento seria inevitável. 

- Isso é o máximo que acredito que posso contar sem revelar a história inteira.kkkkkkk  Eu senti muita pena do protagonista. Ele cometeu alguns erros, fez besteira, mas não era uma má pessoa e estava realmente disposto a recomeçar. Estava apaixonado de verdade, sonhava em casar-se com Carolina e construir ao lado dela um futuro tranquilo e feliz, longe dos excessos do mundo. 

Consigo imaginar como ele deve ter se sentido diante daquelas acusações e das consequências de seu passado. A sensação de desespero, de não ter saída. Sentir por ele foi natural. E por Carolina também. 

- Ainda assim, A Viuvinha não me emocionou como Cinco Minutos. Não me causou aquela sensação tão boa. É uma história interessante, que não desejamos abandonar antes de terminar a leitura, mas não é inesquecível. 

A ligação entre as duas histórias é que o protagonista da primeira é o narrador da segunda. Ele conta a história de Jorge e Carolina através de uma carta que escreve para sua prima. 

Leia a resenha de Cinco Minutos clicando aqui! :) 

23 de agosto de 2017

Cinco Minutos - José de Alencar



Ele a conheceu no ônibus e só entrou naquele horário porque se atrasou cinco minutos. Sentou-se no banco ao lado dela, porém não pode ver seu rosto que estava escondido entre a grande seda que vestia. Mesmo assim, ali os iniciam seu romance. 



Palavras de uma leitora...



- Vocês sabem que tenho uma certa implicância com a escrita do autor, certo? Todavia, as "manias" que tanto critico nele estão totalmente ausentes nesta novela maravilhosa chamada Cinco Minutos. Deus do céu! Como não li este livro antes?! Como é possível que eu tenha adiado a leitura por tanto tempo?

Um dia, vários anos atrás, eu estava andando distraída quando passei por uma lojinha que vendia livros antigos, a maioria clássicos. Já tinha passado por ela antes, mas creio que aquela foi a primeira vez que dei atenção aos livros "antigos". Estavam custando tão baratinho que me atrevi a trazer alguns. Foi puro impulso, uma vez que tinha um pré-conceito enorme dos livros clássicos, sobretudo se fossem de autores nacionais.rs Mas já que custavam pouco isso me animou a trazê-los. E eis que um deles é o que resenho agora, que contém duas histórias do autor: Cinco Minutos e A Viuvinha. 

"É uma história curiosa a que lhe vou contar, minha prima.
Mas é uma história e não um romance."

Para ele, pontualidade não era uma qualidade e sim um defeito. Dos piores. Detestava ser pontual, permitir-se ser controlado pelo relógio. Assim sendo, naquele dia em especial, ele estava atrasado. Necessitava pegar o ônibus, mas por causa de cinco minutos o perdeu, tendo que resignar-se a esperar o próximo. E o que poderia ser motivo de impaciência e imprecações para muitos, para ele foi o início de toda a sua vida. Porque o que quer que tivesse sido antes daquele momento definitivamente não era mais. 

"Senti no meu braço o contato suave de um outro braço, que me parecia macio e aveludado como uma folha de rosa."

Sentando-se ao lado de uma desconhecida, de quem era impossível ver o rosto, que encontrava-se coberto, ele sentiu o que jamais havia sentido na vida. Uma atração incontrolável, um sentimento que o impulsionava a querer aproximar-se mais, descartando toda prudência ou bons costumes. Queria tocá-la, queria beijá-la, ainda que não a conhecesse... mesmo que não soubesse sequer o seu nome. 

Mas os momentos ao seu lado foram breves e quando ela desceu... ele não fazia ideia de como encontrá-la. Quem seria? Onde moraria? E o que quisera dizer com aquela frase tão impactante... com aquele "não me esqueças"? 

"[...] e continuava tristemente o meu caminho, atrás dessa sombra impalpável, que eu procurava havia quinze longos dias, isto é, um século para o pensamento de um amante."

Desesperado, sem saber bem o que fazer com o que sentia e com a impossibilidade de achá-la, ele seguiu procurando-a, pois a esperança não queria abandoná-lo. No fundo, acreditava que um dia voltaria a vê-la... 

Seria amor o que sentia? Era possível amar alguém após um simples toque, um fugaz som de sua voz? 

"O amor que é insaciável e exigente, e não se satisfaz com tudo quanto uma mulher pode dar, que deseja o impossível, às vezes contenta-se com um simples gozo d'alma, com uma dessas emoções delicadas, com um desses nadas, dos quais o coração faz um mundo novo e desconhecido."

- Não sei se estou muito romântica e sonhadora hoje, mas o certo é que amei profundamente esta história, gente! Como a amei! E olha que só comecei a lê-la porque estou lendo um livro mais longo e não tenho como resenhá-lo esta semana. Assim, para não deixá-los sem resenha, peguei este livro na estante, pois ele é curtinho. E a minha surpresa não poderia ser maior e nem mais agradável. Estou realmente encantada. 

A história é uma novela, pois é um pouco mais longa que um conto e bem mais curta que um romance. Desta forma, não há muito o que eu possa contar sem acabar soltando vários spoilers e contando o livro inteiro.rsrs 

Ele sempre foi fortemente indicado por algumas pessoas que conheço, mas nunca pude entender o fascínio que provocava, o que teria de tão forte para que fosse tão recomendado. Somente ao lê-lo pude compreender. E me arrepender amargamente por ter demorado tanto em dar-lhe uma chance! É uma daquelas histórias que lemos e não esquecemos. Que queremos reler. De novo e de novo. E outra vez novamente.rs

"Não era possível que continuasse a correr atrás de um fantasma que se esvaecia quando ia tocá-lo."

- Prefiro não falar muito dos personagens, pois penso que até mesmo dizer o que senti por eles pode acabar sendo spoiler. A história é escrita em forma de carta (já é o terceiro livro epistolar que leio este ano!kkkkk), endereçada a uma prima do protagonista principal, nosso querido impontual. Ele narra todos os acontecimentos que iniciaram-se com aquele atraso de cinco minutos. É uma narrativa que nos envolve desde as primeiras linhas e não queremos parar. Infelizmente, por conta das obrigações diárias, sobretudo o trabalho, tive que parar a leitura muitas vezes ao longo do dia; caso contrário teria lido em menos de meia hora, uma vez que ele possui apenas 53 páginas. 

- Não lembro de todas as pessoas que me indicaram esta história ao longo dos anos. E vocês lembram o que aconteceu com minhas listas de indicações, certo? Ainda estou tentando reorganizá-las e recuperar o máximo de recomendações possível. Um dia consigo!rs Enfim... Duas pessoas que sei com certeza que me indicaram Cinco Minutos foram: A querida Renata Cristina, do saudoso blog Mil Suspiros, e a Tati, uma amiga que não vejo há muito tempo e sinto imensa saudade. Finalmente li o livro, meninas! Muito obrigada pela indicação! :D

E o livro longo que estou lendo é a Parte 1 de O Resgate no Mar - Diana Gabaldon. Jamie, Jamie, Jamie! Suspiros... 

26 de julho de 2017

Senhora - José de Alencar


Senhora, de José de Alencar, é considerado um dos romances mais bem elaborados do autor e faz parte do chamado "perfis de mulheres". Este romance urbano é narrado em 3ª pessoa e se distingue pelo fato da mulher ser quase o tempo inteiro o sujeito da história. 

Senhora se divide em quatro partes intituladas: O Preço, Quitação, Posse e O Resgate. 

O romance conta a história de como Aurélia Camargo, jovem debutante de 18 anos, bela e herdeira de uma grande fortuna, resolve vingar-se do homem que, no passado, a havia humilhado, trocando-a pelo dote de outra mulher. 




Palavras de uma leitora... 


Luna, jura que nunca leu esta história antes? Nem na escola? Juro, gente! Eu cheguei a tentar ler no passado, mas não deu lá muito certo.rsrs E quem poderia me culpar?kkkk Nem mesmo o autor, pois até ele precisaria reconhecer que sua escrita é bem difícil! Comecei a ler a história na segunda-feira à noite e, apesar de só ter 205 páginas, só hoje consegui concluí-la. O que, obviamente, atrasou bastante minha pilha de livros da maratona.rsrs 

Vários anos atrás, quando era ainda uma adolescente (e já tinha lido O Morro dos Ventos Uivantes sem muita dificuldade com a escrita da autora, embora tenha lido uma edição bem antiga), tentei encarar Senhora. O resultado foi que li 52 páginas e abandonei o livro, pois eram muitos os transtornos que o floreado do autor me causava!kkkkkk... Não é a narração em si que acho complicada, mas a quantidade de comparações, de uso de figuras de linguagem que existem no livro. E a maneira como ele realmente "enfeita" a história. Era tanto céu, estrelas e muitas outras palavras usadas para descrever ambientes e pessoas, que eu ficava bem cansada. Isso foi o que me irritou durante a leitura. Me irritou muito, só para ressaltar. Sei que muitos autores da época do José de Alencar escreviam desse jeito, mas a Emily Brontë também é uma autora clássica e nem por isso enrolava tanto para dizer o que pretendia. Enfim... Implicâncias à parte, vamos ao livro! :)

- Mas antes... Esta não foi minha primeira experiência com o autor. Li uma história dele anos trás chamada O Guarani e posso dizer com todas as letras que AMEI! Não lembro do livro ser tão enfeitado como Senhora, embora o autor o tenha escrito antes mesmo deste aqui. E de modo algum detestei a história de Aurélia e Fernando! Pelo contrário, a amo ainda mais que O Guarani! :D Como não amar um livro que nos apresenta uma mocinha tão forte e corajosa, despedaçada pela traição do homem amado e que mesmo assim deu a volta por cima para fazê-lo pagar por todo o dano que lhe provocou? Seria impossível! Não tem como não amar a Aurélia! Ela é uma mocinha de verdade! E o mais incrível é que a história foi escrita no século XIX! 

"Sentiu então Aurélia essa quietude que sucede às lutas do coração. Ela tinha afinal resolvido o problema inextricável de sua vida; e em vez de abandonar-se ao acaso e deixar-se levar pelo turbilhão do mundo, achara em sua alma a força precisa para dirigir os acontecimentos e dominar o futuro."

Aurélia é uma jovem herdeira de 19 anos, bem à frente do seu tempo, não permitindo que pessoa alguma decida a sua vida. Enquanto outras moças estavam acostumadas a serem governadas por seus pais, maridos ou tutores, ela era dona de si, sabendo exatamente o que queria e como conseguir. Era adorada pelos homens da sociedade e invejada por muitas mulheres. Sabia que era bela, mas que sua principal sedução era a riqueza. Que nenhum daqueles que tanto lhe juravam amor perderiam o tempo com ela se não fosse o seu dinheiro. Assim, cética e irônica, passou a ver a todos do mesmo modo... avaliando cada um de uma forma um tanto "monetária". 

"[...] - É um moço muito distinto, respondeu Aurélia sorrindo; vale bem como noivo cem contos de réis; mas eu tenho dinheiro para pagar um marido de maior preço, Lísia; não me contento com esse."

E Aurélia sabia exatamente a quem queria comprar. O mesmo homem que, anos antes, a deixara pelo dote de outra mulher. Que a trocara por dinheiro. Se deixara de ser uma jovem ingênua e sonhadora não existia melhor pessoa a agradecer. O homem que partiu seu coração e destruiu todas as ilusões que ela possuía. Nada mais era que o resultado de sua traição. 

No passado, Aurélia não passava de uma moça belíssima desejada pelos homens para uma noite apenas. Embora todos lhe dedicassem poemas e fizessem promessas de amor, tudo o que queriam era seduzi-la para depois abandoná-la à própria sorte. Porque Aurélia possuía um defeito imperdoável: era uma menina pobre. 

Seus pais tinham lutado por um amor proibido que mais lhes trouxe tristezas que alegrias. Ao perder o marido, com dois filhos pequenos para criar, a mãe de Aurélia tinha que desdobrar-se para que tivessem o que comer, algo que contribuiu para aumentar sua fragilidade e precipitar sua morte. A família de seu marido era muito rica, mas havia virado às costas para ela e seus filhos, não acreditando no casamento dos dois e considerando-a uma perdida. Sua própria família também a abandonou e Aurélia se viu totalmente sozinha ao perder o irmão e, logo em seguida, a mãe. 

Nem pôde dar à mãe a alegria e tranquilidade de lhe ver casada, pois a essa altura já tinha deixado para trás todas as ilusões. Conhecera Fernando pouco antes da morte de sua mãe e com ele descobrira o amor. Pela primeira vez tinha sentido algo tão forte em sua vida e acreditara com todo o seu coração que, mesmo que não pudessem ficar juntos, sempre o amaria. Mas mal pôde conter a felicidade quando ele pediu a sua mão em casamento. Será que era perigoso sonhar? Será que era arriscado ter esperanças? Sabia o que era e que tão pouco tinha a oferecer a alguém como ele. Mas o amava mais do que a si mesma. Porém, a alegria de Aurélia não demorou a acabar. E uma dor profunda a invadiu. 

Arrependido do impulso que o levou a pedir a jovem que acreditava amar em casamento, Fernando ansiava por um pretexto para livrar-se daquela responsabilidade. Tinha muitos planos para si mesmo e não desejava ver-se preso a uma mulher que teria que sustentar. Como pagaria os luxos que tanto adorava? Como frequentaria a sociedade e os lugares cujas portas abriam-se para ele por causa das amizades influentes e sua maneira elegante de se vestir, embora não tivesse berço nem onde cair morto? Não estava disposto a abrir mão de sua vida, ainda que acreditasse amar Aurélia. Assim, ainda noivo dela, começou a encontrar-se com outra jovem... alguém que o pai estava disposto a ver casada oferecendo como dote ao sortudo marido trinta contos de réis. Desta forma, Fernando não teve problema algum em livrar-se da noiva que nada tinha a lhe oferecer trocando-a por uma que, pelo menos, possuía um dote. 

Destroçada pela traição dele, perdendo logo depois a mãe, Aurélia mal poderia imaginar o rumo que sua vida tomaria... 

"O papel continha o testamento em que Lourenço de Sousa Camargo reconhecia e legitimava como seu filho a Pedro Camargo, que fora casado com D. Emília Lemos, declarando que à neta D. Aurélia Camargo, nascida de um legítimo matrimônio, instituía como sua única e universal herdeira."

Da noite para o dia, Aurélia deixou de ser uma jovem pobre para transformar-se numa das pessoas mais ricas de uma sociedade que antes não se atreveria a abrir-lhe as portas. Deixara de ser olhada de lado para ser querida por todos e em nenhum momento ela deixou-se enganar pelos carinhos e amizades fingidos. Desprezava profundamente todas aquelas pessoas hipócritas e os pretendentes que desejavam sua mão ansiando seu dinheiro. Estava disposta a comprar um marido. Mas não um qualquer. Desejava ele. Fernando Seixas, o homem que a rejeitara no passado. 

Conhecendo exatamente o seu preço, Aurélia atrai o homem que um dia amou, disposta a sacrificar o próprio futuro pelo direito que acreditava possuir de vingar-se. Porque não encontraria paz enquanto não o fizesse pagar por ter destruído a sua vida. E no meio de tudo isso... ainda existiria espaço para o amor? Poderia um coração tão ferido permitir-se amar outra vez? Isso só o tempo seria capaz de dizer... 

"[...] Entremos na realidade por mais triste que ela seja; e resigne-se cada um ao que é, eu, uma mulher traída; o senhor, um homem vendido.
- Vendido! exclamou Seixas ferido dentro d'alma. 
- Vendido, sim: não tem outro nome. Sou rica, muito rica; sou milionária; precisava de um marido, traste indispensável às mulheres honestas. O senhor estava no mercado; comprei-o. Custou-me cem contos de réis, foi barato; não se fez valer. Eu daria o dobro, o triplo, toda a minha riqueza por este momento."

- Forte, não é mesmo? Lembro que fiquei de queixo caído ao ler este trecho.rsrs Mas não tive um pingo de pena do Fernando, o suposto mocinho desta história. Tudo o que ele me provocava era desprezo e a única coisa que lamentava era o fato da Aurélia ter desperdiçado a própria vida se casando com alguém como ele, ainda que fosse por vingança. Uma mocinha como ela merecia alguém bem diferente, um homem de verdade, sabe? E não aquele projeto malfeito! 

Assim como tinha trocado a mocinha no passado pelo dinheiro de outra mulher, Fernando não hesitou muito ao vender-se novamente. Ele se fez de ofendido ao receber a proposta do tutor de Aurélia (tudo planejado por ela, é claro), mas não demorou a ceder, mesmo sem saber qual era a mulher com a qual se casaria. Estava bem acostumado a pensar apenas em si mesmo e nos luxos dos quais não queria abrir mão. Desta forma, endividado, prestes a perder a "posição" que possuía naquela sociedade, pensou em todas a vantagens que um casamento por dinheiro lhe traria e aceitou, pedindo ainda um adiantamento como condição para celebrar o "negócio". Não dá para sentir simpatia por esse traste, sinceramente! Nem as mudanças que começaram a operar-se milagrosamente no Fernando, após o casamento e a descoberta do motivo de Aurélia para casar-se com ele, fizeram com que eu pudesse esquecer a maneira como ele se comportou com ela no passado e a forma como ele só pensava em si mesmo. Era um egoísta dos pés à cabeça. Alguém digno de desprezo. Porque não é só Aurélia que ele trai em nome do orgulho e do dinheiro. Durante a leitura quase toda, esse miserável ignora a própria mãe e as irmãs. Me partia o coração a maneira como elas o amavam e se sacrificavam por ele enquanto o desgraçado se envergonhava de tê-las como parte da família. Ele dedicava a elas a "atenção" que daria a um estranho, gente! Ninguém me convence do amor desse traste por elas. Não mesmo! 

"- Minha presença a está incomodando? Porque assim o quer. Não é, mesmo senhora? Não tem o direito de mandar? Ordene, que eu me retiro. 
- Oh! sim, deixe-me! exclamou Aurélia. O senhor me causa horror.
- Devia examinar o objeto que comprava, para não arrepender-se!"

- Confesso que eu me divertia muito com as palavras venenosas que nossa mocinha dedicava ao marido. E o incômodo do Fernando, sua humilhação por ela deixar claro que não o via mais que como um homem comprado e que lhe pertencia como um objeto, não me causava nenhuma compaixão. Na minha opinião, ele merecia. Não foi exatamente o que ele quis? Casar-se por dinheiro? Se era o luxo que ele queria, pois bem o tinha! Não podia reclamar.rsrs Mas o fato da Aurélia lançar essas verdades na cara dele, mostrando que ele não a enganara com seu falso amor, o faziam sentir-se ofendido. Coitadinho dele!rs Gente, eu apreciei muito o "sofrimento" do Fernando. Ele tinha que aprender uma lição e admirei a coragem da Aurélia para dar a ele exatamente o que o verme merecia. Todavia... Foram muitos os momentos nos quais meu coração doeu pela mocinha da história. Porque embora ela lutasse para ser uma pessoa vingativa e fria, na verdade seguia sendo a mesma menina doce e sonhadora do passado que se feria toda vez que atacava o homem que jamais deixou de amar. A vingança de Aurélia doeu mais nela mesma do que nele. E por isso eu cheguei a um ponto em que desejei que ela abrisse mão de tudo aquilo e o perdoasse. Não por ele, mas por ela. Porque ela sim não merecia sofrer. 

- Amei demais este livro, apesar dos floreados insuportáveis do autor. Quando passava a vontade de jogar o livro longe por causa de tanta enrolação descrevendo com exagero ambientes e pessoas e enfeitando tanto até mesmo os diálogos... quando a raiva passava e eu podia me concentrar apenas na história dos protagonistas, me via totalmente envolvida por eles, fascinada com a troca de farpas e louca para saber como conseguiriam salvar aquele casamento fadado ao fracasso desde o princípio. Era tanto ressentimento que existia entre os dois que não parecia muito provável que algo pudesse ser salvo. 

"Se o homem a quem amava, se ajoelhasse a seus pés e lhe suplicasse o perdão, teria ela forças para resistir e salvar a dignidade de seu amor?"

- Eu compreendi bastante a Aurélia, inclusive o seu amor pelo Fernando. Acredito que foi mais esse amor e não a vingança que motivou as ações dela. Nunca pôde libertar-se do que sentia por esse homem, por mais indigno que ele seja do amor dela. Ainda respirava esse sentimento e ao herdar de repente aquela fortuna, penso que ela viu a oportunidade de finalmente tê-lo ao seu lado, mesmo que fosse através do dinheiro. Era triste vê-la tentando chamar a atenção dele, lutando para fazê-lo sentir algo, mostrar algum interesse por ela. Aurélia precisava tanto do Fernando que eu ficava angustiada. Dói pensar que ela poderia ter qualquer homem e que existiam aqueles que realmente a mereciam e mesmo assim ela optou por ele porque o amava. Ah, Aurélia! 

"Às vezes queria esquecer tudo, para só lembrar-se que era marido dessa mulher e que a tinha nos braços."

- Terminei a história sem gostar dessa porcaria de mocinho! Não sei se acredito no amor dele pela Aurélia, sinceramente. Fernando para mim é um covarde egoísta e nada do que ele fez mudou minha maneira de pensar. Nunca lutou pela mocinha. Em nenhum momento. Nem no passado e muito menos no presente. Só lutava por si mesmo e ficava se lamentando por ter seu orgulho ferido, por se sentir humilhado com a vingança dela. Quando foi que ele teve atitude?! Não enxerguei. Enquanto Aurélia era pura força e amor, Fernando era só egoísmo e fraqueza. 

- Eu amei o livro e só não dou 5 estrelas porque não apreciei o final e nem a falta de caráter do mocinho. 

- Esta foi minha quinta leitura para a Maratona Literária de Inverno 2017. O livro preenche o Desafio 6: ler um livro nacional. Faltam 4 livros para eu concluir a maratona, gente! Continuem me desejando sorte, por favor!kkkkkkkkk... 

7 de setembro de 2010

O Guarani - José de Alencar



Esta história de amor e aventura se passa há quatrocentos anos, quando o Brasil ainda era uma colônia de Portugal. Num cenário que é o verdadeiro paraíso, próximo a matas verdejantes, vive Cecília, a linda heroína do romance, loira e de olhos azuis. Filha de um fidalgo português, ela leva uma existência quase de princesa, protegida pela família. O herói do livro é Peri, um índio guarani alto, forte e bom. Ele tem adoração pela moça, e os dois são muito amigos. Mas uma série de acontecimentos coloca em perigo a vida de Cecília e de Peri.


Palavras de uma leitora...

-Demorei bastante tempo para ler esse livro. Motivo? Preconceito contra os livros de autores brasileiros. Mas o meu preconceito não foi totalmente sem motivo: eu li, há algum tempo, o livro "A Escrava Isaura" de Bernardo Guimarães e detestei a história. Por isso, coloquei na mente que iria detestar qualquer livro de autor brasileiro. Mas estava enganada. Eu amei o livro "O Guarani".

Um pequeno resumo:

A história se passa no início do século XVII, quando o Brasil estava sendo colonizado pelos portugueses.
Naquela época, a religião dominante era a cristã e o que a lei dos católicos dizia era certo e respeitado por todos. Assim... Brancos não podiam se misturar com índios, sobretudo, se eles não eram cristãos.

Porém, uma amizade muito bonita e pura nasceu entre o índio Peri e o fidalgo Dom Antônio. Peri havia salvo a vida de Cecília, filha de Dom Antônio, e por isso se tornou amigo dele.

Peri vinha de uma tribo muito supersticiosa e após ter uma visão, acreditou que sua missão era ser escravo de Cecília e protegê-la da morte.

No início, Cecília fica com medo de Peri, pois acredita que os índios são maus. Mas, pouco a pouco, seu coração bom começa a abrir espaço para Peri e entre eles nasce uma sólida, engraçada e profunda "amizade".

Mas nem tudo é tão perfeito assim: há um homem muito mau que planeja abusar de Cecília e matar toda sua família. Como se não bastasse, Dom Diogo, irmão de Cecília, mata, por acidente, uma índia da tribo, de canibais, aimoré.

Agora, Peri e a família de Cecília terão que lutar contra dois poderosos inimigos: os aventureiros rebeldes, liderados pelo homem que quer Cecília, e os canibais.

Preparem-se para muitas e tristes perdas... Nessa briga nem todos sairão vivos e pessoas queridas irão partir.

-Pontos positivos? A história é muito bem escrita e com um romantismo esquecido hoje em dia. As paixões não são egoístas e tudo é muito puro e bonito.

-Pontos negativos? Há muitas mortes e um final indesejado. Acho que todos gostariam de saber como termina a história entre Peri e Cecília. Sem contar que as mortes de Dom Álvaro e Isabel foram desnecessárias. Eu queria que eles pudessem ser felizes. Além do mais, Isabel já havia sofrido muito na vida.
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