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7 de julho de 2018

Memórias Póstumas de Brás Cubas - Machado de Assis

(Editora: Abril Cultural
Edição de: 1982)

"Memórias Póstumas de Brás Cubas é um romance original desde a dedicatória: "Ao primeiro verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver' e prossegue na idéia de um autor defunto que, para fugir ao tédio do túmulo, escreve suas memórias."



Palavras de uma leitora...


- Esta é a edição que eu tenho do livro. Adquirida em 2012, quando a instituição de ensino na qual eu fazia um curso de Enfermagem promoveu um incentivo à leitura. Você deixava um livro que não queria mais e poderia levar outro da sua escolha. Nem lembro qual livro eu troquei, mas fiquei muito feliz ao ter em minhas mãos esse exemplar tão bonito. Fiquei completamente apaixonada. E tenho muitos ciúmes dele. Não empresto. Além de ser raro, uma edição de 1982, está bem conservado. Parece que a pessoa cuidou com todo o carinho antes de abrir mão dele. Nunca tive um exemplar antigo que estivesse tão "novo". 

Quem acompanha o blog sabe que me apaixonei pela escrita do Machado de Assis ao conhecer seus contos. Embora eu tivesse esse exemplar de Memórias Póstumas de Brás Cubas/Dom Casmurro, foi somente no ano passado, ao comprar Contos Escolhidos, uma reunião de diversos contos do autor, que fiquei completamente envolvida por ele e desejando ler os seus romances. Foi nesse momento que despertei para os seus livros.rs

- Minha primeira aposta foi o tão famoso Dom Casmurro, de 1899/1900, que até os dias atuais causa tantos debates, estudos e polêmicas. Afinal de contas, Capitu traiu ou não traiu o Bentinho?! Vocês podem conferir minha opinião acessando a resenha aqui. Acabou se tornando uma das minhas histórias preferidas da vida, ainda que eu tenha desejado matar o Bento e o considere parte da escória do mundo. Um lixo. Um dos piores vermes. Sim, penso muito bem do personagem.rs

Eu deveria ter iniciado a leitura de Memórias Póstumas de Brás Cubas em junho, pois ele preenchia o Desafio Mensal e o Desafio Literatura Nacional. Todavia, foi impossível. Somente no dia 1º deste mês dei o pontapé inicial na leitura e apenas nos dias 05 e 06 eu consegui de fato lê-lo. Levei dois dias para concluí-lo, o que me surpreende considerando o quanto a história é arrastada. Tudo acontece lentamente. Sabe aquilo de "devagar quase parando"? É bem assim.kkkkkk... E se você pensa que o autor não tinha consciência disso te digo que ele fez de propósito. 

"Começo a arrepender-me deste livro. Não que ele me canse; [...] Mas o livro é enfadonho, cheira a sepulcro, traz certa contração cadavérica; vício grave, e aliás ínfimo, porque o maior defeito deste livro és tu, leitor. Tu tens pressa de envelhecer, e o livro anda devagar; [...]"

- E quem é o autor destas memórias? Brás Cubas, claro! Não seria o Machado de Assis.rsrs A originalidade desta narrativa não me era desconhecida, pois ouvi falar imenso da história quando estava no colégio, muitos anos atrás. Lembro que nas provas perdia um tempo fascinada com os trechos selecionados em cima dos quais trabalharíamos. Eu lia e relia, muito envolvida mesmo. Mas te digo que se eu tivesse me deixado levar pelo fascínio que tais trechos despertavam, com tão pouca idade, provavelmente teria odiado este livro. Aquela, definitivamente, não era a época certa para lê-lo. Não seria capaz de compreender nada. Porque é um livro "difícil". E entendo quem considere chato ou o pior livro que já leu (li alguns comentários do tipo). Realmente entendo porque, além de ser arrastado, o autor (Brás Cubas) viaja tanto em certos momentos que é necessária muita atenção para chegar ao núcleo do que ele quer dizer com tantas divagações. 

"Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte."

- Aos 64 anos de idade, Brás Cubas expirou vítima de uma pneumonia malcuidada. Foi em agosto de 1869. Ele culparia não a pneumonia em si, mas um bendito emplasto que o distraiu e o fez tratar a doença como se nada fosse. Estava concentrado demais em seu projeto para perder tempo com a própria saúde. Daí que acabou morrendo. 

Muito entendiado com a morte no túmulo, sem nada para fazer, resolveu escrever suas memórias. Um meio de passar o tempo. E sem saber se começava pelo início ou fim, acabou por nos mostrar como partiu para só então voltar no tempo... e nos apresentar a sua vida. Infância, adolescência, juventude, velhice. Sem muitos filtros. Tão bem expôs sua personalidade dúbia e cínica que não é surpreendente terminarmos a leitura detestando-o. Ele não me provocou nada de empatia. Está se tornando um hábito odiar os protagonistas do Machado de Assis (vide o que aconteceu quando conheci o Bento). São seres humanos normais, com qualidades e defeitos... muitos defeitos, na verdade. Mas são pessoas que podemos encontrar no nosso dia a dia. Um tipo que gostamos de ver longe. Quanto mais longe melhor. 

Ao iniciar por sua morte, o autor menciona que umas nove ou dez pessoas estavam presentes quando da sua partida. Entre elas, três mulheres. Sua irmã e sua sobrinha e... uma terceira mulher. Ele cria meio que um mistério em torno de sua identidade, mas não demora a "soltar" quem era a que padecia mais, que mais sofria por perdê-lo. Não seria spoiler algum dizer quem era a criatura. 

"De dois grandes namorados, de duas paixões sem freio, nada mais havia ali, vinte anos depois; havia apenas dois corações murchos, devastados pela vida e saciados dela, não sei se em igual dose, mas enfim saciados."

Não seria spoiler, mas não revelarei seu nome. Deixo que descubram lendo. Basta dizer que tal personagem foi importante na vida do autor, nosso detestado Brás Cubas, todavia, não tanto ao ponto de ter realmente lutado por ela. Foi o proibido que a tornou parte de sua vida. Foi o perigo que o fez querê-la durante tanto tempo. Não acredito em amor sincero de sua parte. Como uma música que ouço tocar em vários lugares eu diria que era mais um "amor falso". Conveniente por ser desafiador. Por representar uma aventura. Mas não digo também que sinto pena da tal mulher. Considero os dois farinha de um mesmo saco. Feitos um para outro, sem dúvida.rs Eram dois hipócritas. 

"De manhã, antes de do mingau, e de noite, antes da cama, pedia a Deus que me perdoasse assim como eu perdoava aos meus devedores; mas entre a manhã e a noite fazia uma grande maldade."

- Não é possível sequer gostar da criança que o nosso narrador personagem foi. Era um menino criado com bastante liberdade por um pai que achava "bonitinho" o seu comportamento deplorável. Que não achava errado ele agredir os escravos (a história se passa numa época em que a escravidão ainda existia) por não fazerem suas vontades e que estava sempre disposto a dar tudo o que o garoto quisesse. Enfim... Seu estrago começou ainda na infância. E a mãe, apesar de existir, via o marido como um herói, seu deus na Terra, e não fazia nada para corrigir a criança. De todos os parentes com os quais o personagem teve contato, apenas uma tia não tinha paciência para suas birras e lhe dava umas lições. Mas, como ele mesmo disse, quase não teve contato com essa tia. 

Há inclusive um episódio terrível, quando já adulto, o protagonista reencontra um antigo escravo, que recebeu a alforria de seu pai muitos anos antes, para revolta do nosso "querido" Brás. Ele reencontra essa pessoa num momento de violência, uma vez que seu ex-escravo, agora homem livre, espancava outro ser humano. Acontece que o Prudêncio (acho que era esse o nome dele) se sentia muito bem em ter seu próprio escravo, já que era livre. E descontava no pobre infeliz tudo o que tinha sofrido. Isso fez o Brás lembrar do que fazia com ele no passado e entender que ele fazia o mesmo como forma de vingança, mesmo que indireta. Achei simplesmente insuportável tal cena. 

"Talvez espante ao leitor a franqueza com que lhe exponho e realço a minha mediocridade; advirta que a franqueza é a primeira virtude de um defunto. Na vida, o olhar da opinião, o contrate dos interesses, a luta das cobiças obrigam a gente a calar os trapos, a disfarçar os rasgões e os remendos [...] Mas, na morte, que diferença! que desabafo! [...] Porque, em suma, já não há vizinhos, nem amigos, nem inimigos, nem conhecidos, nem estranhos; não há platéia."

- Como eu disse, o defunto autor (ele diz que não é um autor defunto, mas sim um defunto autor) não filtra nada de sua própria personalidade. Uma vez que já está morto não há perigo algum em contar os seus defeitos, falar francamente do que foi ou deixou de ser. Expõe sua hipocrisia, seu interesse, sua inveja, cobiça, seu cinismo, embora algumas vezes tente se defender, por um instinto natural. É difícil gostar dele. Bem fácil desprezá-lo. 

Fazendo uma análise de toda a leitura, não posso dizer que existiram muitos personagens dos quais eu tenha gostado. A "querida" do Brás Cubas caminha lado a lado com ele pela minha antipatia. O Quincas Borba é tão perturbado que nem mesmo pena eu consegui sentir. Sei que o autor (Machado de Assis) tem um livro publicado com esse título, mas não sei se fala do mesmo personagem, uma vez que a história do Quincas Borba tem um ponto final neste livro. Enfim... Mas duas personagens chegaram a despertar minha compaixão e aumentaram minha raiva pelo protagonista. Uma delas foi a pobre Eugênia. Jovem muito inocente que se apaixonou pela pessoa errada, mesmo sabendo disso. O fim dela me deixou revoltada. A outra personagem foi a Dona Plácida. O passado dessa mulher foi muito triste. Sem muita opção, como meio de sobrevivência, ela aceitou fazer parte de algo que reprovava e caiu bem na lábia do Brás. Chegou a se apegar a ele, vendo como um filho. Mas o muito egoísta só agia por interesse. Sempre. Não considero bondade alguma o que ele fez por ela. Tudo era baseado no seu amor próprio, que era o único amor capaz de sentir. Mas essa senhora... a vida foi injusta demais com ela. E seu fim também me partiu o coração. 

"Cada estação da vida é uma edição, que corrige a anterior, e que será corrigida também, até a edição definitiva, que o editor dá de graça aos vermes."

Memórias Póstumas de Brás Cubas é um livro "diferente", mas que em síntese nos apresenta as memórias de um protagonista, suposto autor do livro, que após morrer resolveu escrever como passatempo. Através de suas palavras conhecemos um pouco da vida de outros personagens (lembrando que é tudo do ponto de vista dele, o que não é confiável), de pessoas que cruzaram seu caminho, umas permanecendo atá o fim outra seguindo viagem também. Tem uma narrativa difícil, mas eu já estou acostumada com os livros do Machado de Assis, então, depois das primeiras páginas tudo acaba fluindo naturalmente. Todavia, pode sim ser considerado cansativo, entediante. Eu não achei. Gostei bastante, até. Só não fui com a cara da maioria dos personagens.rs

6 de janeiro de 2018

Dom Casmurro - Machado de Assis


Machado de Assis (1839-1908), escrevendo Dom Casmurro, produziu um dos maiores livros da literatura universal. Mas criando Capitu, a espantosa menina de "olhos oblíquos e dissimulados", de "olhos de ressaca", Machado nos legou um incrível mistério, um mistério até hoje indecifrado. Há quase cem anos os estudiosos e especialistas o esmiúçam, o analisam sob todos os aspectos. Em vão. Embora o autor se tenha dado ao trabalho de distribuir pelo caminho todas as pistas para quem quisesse decifrar o enigma, ninguém ainda o desvendou. A alma de Capitu é, na verdade, um labirinto sem saída, um labirinto que Machado também já explorara em personagens como Virgília (Memórias Póstumas de Brás Cubas) e Sofia (Quincas Borba), personagens construídas a partir da ambiguidade psicológica, como Jorge Luis Borges gostaria de ter inventado.




Palavras de uma leitora... 


- Há muitos anos ouço as pessoas falarem deste livro. Esbarrei nele ainda na escola, nas aulas de Literatura, embora, na época, não tenha me interessado nem um pouco em lê-lo. Temia Machado de Assis. O evitava. Todavia, fui obrigada a ler pequenos trechos que eram indicados pela professora para poder fazer as provas e trabalhos. 

Mas foi fora do colégio que vim a notar que existia uma grande empolgação em torno do livro. Um tal mistério que dividia opiniões. Capitu traiu ou não traiu o marido Bentinho? Muitos defendem fervorosamente que sim, mas existe aquela parcela significativa que tem certeza que não, que ela foi injustiçada. Depois de ler o livro.... de que lado estou?

Vou deixar bem claro antes de tudo que sequer sou capaz de entender tantas dúvidas por parte dos leitores e estudiosos desta obra! Como alguém pode dar ouvidos (ou olhos) às asneiras que o protagonista da história diz/escreve? Para mim, ele é um maldito desgraçado, que levou os ciúmes além de todos os limites e destruiu o próprio lar, as lembranças de um amigo e a relação com o próprio filho. Que ele não entendia de amor, percebi desde o início do livro. Ele me dá asco! Então, é óbvio que faço parte da parcela que tem certeza que a Capitu não o traiu. Seu único erro, o pior que poderia ter cometido, foi se apaixonar por este miserável inseguro e doente, que só fez desperdiçar a juventude dela e destruir sua vida. Capitu estava era muito cega quando se deixou apaixonar pelo Bento. Teria sido muito mais feliz com outro. Ele nunca a mereceu. 

 - É possível dar spoiler de um livro que é tão conhecido? Não sei. Mas antes que me acusem de spoiler, deixo logo o aviso: revelarei "segredos" do livro nesta resenha. Portanto, se ainda não leu o livro e não quer saber mais que o necessário, abandone a leitura da resenha neste instante! 

"Eia, comecemos a evocação por uma célebre tarde de novembro, que nunca me esqueceu. Tive outras muitas, melhores, e piores, mas aquela nunca se me apagou do espírito."

- O narrador da história é o próprio protagonista, o que por si só já nos deixa com um pé atrás. Qualquer leitor, experiente ou não, saberia que o texto é subjetivo, escrito apenas do ponto de vista do Bento, sem dar aos demais personagens oportunidade de defesa ou de mostrar um outro lado das situações narradas por ele. Algo que convém ao Bento, não é mesmo? 

No início da história, ele nos informa já que estava entediado e desejoso de passar o tempo escrevendo um livro. Que pensou em falar de política, filosofia ou algo do tipo, mas que acabou se decidindo por escrever suas próprias lembranças. E assim nos leva ao ano de 1857, quando ele então tinha 15 anos e Capitu, 14. 

Sua mãe, naqueles tempos, tinha na cabeça a certeza de que seu filho seria padre. Havia feito uma promessa antes dele nascer... Prometera a Deus que se o filho vingasse, se não morresse como o primeiro, o entregaria a Deus, faria que ele fosse padre. Como Bento cresceu com saúde, ela se viu obrigada a cumprir a promessa e alimentar no coração da criança a certeza do seu destino. 

Ocorre que o menino cresceu ao lado de sua grande amiga, Capitu. Menina travessa, alegre, extrovertida como ele não conseguia ser. Onde um estivesse o outro estaria também, e tão unidos eram que não necessitavam da amizade e companhia de mais ninguém. Se bastavam assim. Ela podia ter suas amiguinhas, mas era com Bento que sempre estava. Qualquer olho, até mesmo o menos atento, perceberia que da amizade de criança não demoraria a surgir o amor. 

E assim aconteceu. Um dia, Bento ouviu um hóspede de sua casa levantar pela primeira vez a questão. Até então ele próprio não tinha notado ou não quisera perceber que o que sentia por sua amiga de infância era mais que um simples afeto. Sabia que tinha que ser padre, portanto não poderia sustentar tais sentimentos. Todavia, após ouvir aquele homem falando à sua mãe, seus olhos se abriram e aí foi impossível esconder de seu coração o que sentia. Amava Capitu. Amava aquela menina mulher e a queria como esposa. 

"Capitu era Capitu, isto é, uma criatura mui particular, mais mulher do que eu era homem."

- Pausa no meu resumo para admitir uma coisa: concordo completamente com o que o Bento disse no trecho acima. Capitu era realmente uma grande mulher. O que ela tinha de especial ele tinha de baixo, de cretino. Até mesmo ela, de tão mulher, conseguiria ser mais homem que ele! 

Voltemos ao livro... Ao abrir os olhos naquela tarde, Bento também notou que seus sentimentos eram correspondidos e passou a temer o seminário, o momento em que seria enviado para estudar e ser padre. Não queria aquilo, mas não tinha coragem de contrariar sua mãe. 

Dona de uma personalidade e tanto, Capitu foi a primeira em pensar formas de evitar o destino de Bento. Não queria que ele a deixasse, mas sabia que faltava nele o necessário para tomar suas próprias decisões. Desta forma, ela perde-se em suas ideias, refletindo, tentando encontrar maneiras de convencer a mãe dele a desistir de sua promessa. 

No fim das contas, apesar de todos os desejos dos jovens no sentido contrário, Bento é enviado ao seminário e incia-se a preparação para que um dia ele viesse a ser padre. Apesar das tristezas da separação, o casal não desanima. Tinham jurado. Prometeram que se casariam. E isso bastava para fortalecê-los. De um lado, Bento estudava e fazia amizades, guardando no coração a certeza que, quando o momento chegasse, confessaria não ter a vocação necessária. Capitu, de outro, se fazia mais e mais amiga da mãe do seu amado, conseguindo conquistar seu coração e despertar nela os desejos de vê-la como sua nora. 

"[...] juremos que nos havemos de casar um com o outro, haja o que houver."

O tempo passa... Com a ajuda de terceiros, o casal consegue por fim convencer Dona Glória a permitir que o filho deixe o seminário. Mas o casamento não acontece imediatamente. Outra separação teve que ser suportada, pois Bento viajou para estudar as leis e retornou aos 22 anos de idade, formado em advogado. 

Escobar, o amigo que ele conheceu durante o tempo de seminário, e quem também tinha abandonado aquela vida para dedicar-se aos negócios, já naquela época estava casado com a melhor amiga de Capitu e foi, durante os estudos de Bento, aquele que entregava as cartas de um para o outro. 

Quando o casamento finalmente aconteceu, eles não cabiam de felicidade. A cidade inteira falava daquele grande acontecimento. Os amigos de infância, tão unidos desde sempre, agora eram um só pelos sagrado matrimônio. Ela deliciava-se em ser sua esposa. Ele se orgulhava de finalmente tê-la, mas os ciúmes... os mesmos que o dominavam ainda na adolescência... não o deixavam. Não o deixariam nunca. 

Tudo ia bem entre eles, mas dois anos se passaram e o tão desejado filho não chegava. Enquanto Escobar e sua esposa já tinham uma menininha, cabia a Capitu e Bento apenas sonhar com o seu bebê e esperar que um dia ele chegasse. Finalmente chegou. E esse foi o princípio do fim. Mas... um bom observador perceberia o erro de tal afirmação. Porque o fim iniciou-se muito tempo atrás. Anos antes, ainda na adolescência...

"Não, não, a minha memória não é boa. Ao contrário, é comparável a alguém que tivesse vivido por hospedarias, sem guardar delas nem caras, nem nomes, e somente raras circunstâncias."

- Não é de ânimo leve que defendo a Capitu. Não é sem argumentos, sem qualquer fundamento. O próprio protagonista, apesar de sua subjetividade, de sua péssima memória (como ele mesmo afirma diversas vezes), me dá base concreta para acreditar na inocência dela e para julgá-lo um doente mental que necessitava urgentemente de internação, pois era um perigo para si mesmo e para as demais pessoas. Até porque alguém que cogita assassinar o próprio filho ou é um psicopata ou é um doente mental (sim, eu sei que o psicopata também tem uma doença, um distúrbio mental, mas entenderam o quis dizer) e perigoso nas duas hipóteses. É spoiler? Eu disse que teria. 

"É que tudo se acha fora de um livro falho, leitor amigo. Assim preencho as lacunas alheias; assim podes também preencher as minhas."

- Com toda certeza! Estou mais do que disposta a preencher todas as lacunas desta história, pois me nego a aceitar que ele vença em suas palavras, em sua infundada e miserável acusação. Este desgraçado destruiu a vida de uma mulher que o único crime que cometeu foi amar a pessoa errada. O mínimo que ela merece é que alguém enxergue a verdade nas entrelinhas, nas palavras amargas dele, na injustiça, aquilo que ele se negou a aceitar até o fim. 

Quem leu o livro talvez se recorde que o Bento, este desprezível protagonista, era dono de uma mente muito criativa ainda bem jovem. Era capaz de imaginar toda uma situação... de tal maneira que parecia realmente verdade. Sabem onde estou tentando chegar, não é mesmo? Pois bem. As situações eram tão "reais" quando ele desejava vê-las assim! Uma imaginação brilhante, uma criatividade que muitos poderiam desejar ter, mas tais qualidades na mente errada... não pode dar certo. 

Outra coisa forte no protagonista era seu ciúme. Quando "descobriu" que amava Capitu, também descobriu o ciúme,  e o sentimento de posse. Que ela era dele, que não poderia olhar para outra pessoa. Que não poderia estar feliz longe dele. 

- Ainda no início do relacionamento dos dois... Troca das primeiras carícias, dos primeiros beijos, houve uma cena. Eles estavam juntos e um rapaz passou. Alguém que a Capitu sequer conhecia, mas que olhou para ela. Apenas olhou, como poderia olhar para qualquer moça. Isso bastou para vermos toda a imaginação e ciúmes do Bento em ação. Para ele aquela era prova suficiente de sua traição. Que ela esteve se divertindo com aquele rapaz e que provavelmente também namorara outros pelas costas dele. Querem uma mostra da reação dele? De como o amor que ele tanto jurou sentir por ela o fez ter... como digamos? "Belos desejos". Sim, porque são muito belos os pensamentos que lhes mostrarei no trecho a seguir:

"A vontade que me dava era cravar-lhe as unhas no pescoço, enterrá-las bem, até ver-lhe sair a vida como o sangue..."

- Parece uma mente saudável? Eu respondo que não. Desde o princípio, mesmo se eu nunca tivesse ouvido falar deste livro, saberia que a relação não tinha como dar certo. O Bento me lembrava esses tantos homens que enxergam as mulheres como posses e que muitas vezes por traições imaginárias chegam ao ponto de assassiná-las, cometendo os chamados "crimes passionais". Eu o via bem capaz de cometer um homicídio. De matar a própria mulher. E sabemos que ele esteve perto de fazê-lo... 

- O que também percebemos ao longo da leitura é que o Bento era pura insegurança e covardia. Capitu era cheia de vida, de risos, de alegria, de determinação. Ela sabia o que queria e lutava por isso, ainda menina, mesmo quando adolescente. Enquanto ele não tinha forças para nada, nem mesmo para decidir a própria vida. Ele invejava a Capitu. Isso esteve presente em todo o relacionamento. Ele a adorava, dizia amá-la, mas também a invejava. 

"Era mulher por dentro e por fora, mulher à direita e à esquerda, mulher por todos os lados, e desde os pés até à cabeça."

- Observando bem a história (eu li este livro com toda a atenção e cuidado), percebemos também que o Bento sempre soube que a Capitu era muito para ele. Que ela poderia ter mais e que ele poderia perdê-la. Temia a existência de outros rapazes, ficava se consumindo imaginando que ela estaria sorrindo para outros e incomodava-se inclusive com o que ela pudesse vestir. Porque seus braços não poderiam aparecer, sabiam? Isso despertaria o interesse dos outros e era inaceitável. Assim, Capitu conhecendo-o bem, deu um jeito de esconder os braços, para evitar crises de ciúmes. Agora eu lhes pergunto: como um homem que tinha ciúmes até do ar que a Capitu respirava, não teria ciúmes do melhor amigo e não imaginaria, tendo uma mente tão criativa, um relacionamento entre ele e Capitu? Só que sendo ele o narrador e estando em suas mãos o poder de escrever como bem queria, não dá todos os indícios abertamente. Mas sempre esteve lá: a desconfiança, a imaginação, a teia que ele estava tecendo para no momento devido acusar, julgar e condenar. E tal era sua loucura que foi maquinando pouco a pouco, dizendo uma coisinha aqui e outra ali, tentando convencer as pessoas inclusive de que sua própria mãe suspeitava de Capitu e os outros personagens chegaram a não entender de onde ele estava enxergando frieza no tratamento entre as duas. Ele foi construindo o ambiente adequado para o que sua mente queria. 

"Cheguei a ter ciúmes de tudo e de todos. Um vizinho, um par de valsa, qualquer homem, moço ou maduro, me enchia de terror ou desconfiança."

E então... ele passa a enxergar no próprio filho provas da traição de Capitu. Porque o menino não se parecia com ele, segundo sua opinião. A criança tinha o olhar de Escobar, suas mãos, seus gestos... estava ficando mais e mais parecido com ele. Conforme os anos se passavam e sua loucura aumentava, ele enxergava novas semelhanças. 

Claro que ele não acusaria o amigo abertamente. Era um covarde, como bem temos que lembrar. Assim, foi somente após a morte de Escobar num acidente, que ele se permitiu considerar como fato que os dois o tinham traído. Que Capitu fora amante de Escobar e que o filho era dos dois e não dele. O mais interessante é que enquanto ele não tinha reais provas de tal traição (apenas sua imaginação fértil e doentia), ele próprio traiu o amigo. Porque desejou a mulher de Escobar. E que era melhor amiga de Capitu. Ele sim foi desleal. Estava na casa do amigo e olhou sua mulher com desejo, imaginando ainda ser correspondido. Depois ele desfaz tudo. Diz que foi ilusão, que a outra não o quis, que ele tinha imaginado tudo e inocenta a outra em suas lembranças, deixando toda e qualquer culpa de traição para Capitu. 

"Senti ainda os dedos de Sancha entre os meus, apertando uns aos outros. Foi um instante de vertigem e de pecado."

- Quando Escobar morre e ele finalmente dá como certo que o filho é do outro, passa a nutrir um ódio grande de Capitu. Decide acabar com a própria vida, mas muda de ideia, entendendo que quem tinha que morrer era ela:

"O último ato mostrou-me que não eu, mas Capitu devia morrer."

Ele cogita assassiná-la, fazê-la pagar por sua traição, mas volta a mudar de ideia e alimentar os desejos suicidas. Chega a preparar tudo e quando está prestes a executar-se... o filho o busca. Então... outros pensamentos. Por que não? Por que não matar a ele, quem não suportava sequer olhar? Ele chega a empurrar a xícara com veneno para a boca do menino, mas desiste no último instante. Talvez o sangue tivesse gritado o que ele não queria ver. 


"- Pois até os defuntos! Nem os mortos escapam aos seus ciúmes!"

- É horrível o que ele faz. Como a acusa, como não lhe dá oportunidade de se defender. A envia para outro país junto com o filho, para que a separação não fosse tão pública. E lá a Capitu morre, longe do seu país, das pessoas que a amavam. Longe do homem que ela amou até a morte e que a magoou como ninguém. Ele não foi atrás dela. Nunca pediu perdão. E nunca acreditou em sua inocência. Acreditava apenas no que queria. Lamento demais por essa menina. Pela criança que cresceu com ele, que o tornou todo seu mundo. Ela poderia ter tido qualquer outra pessoa. Poderia ter sido realmente feliz, mas esteve cega durante toda a vida. 

Ele sustentou o filho que dizia não ser seu. Não descumpriu suas obrigações materiais, embora desprezasse o rapaz. Embora tenha chegado a confessar que desejava a sua morte. Um verme de pai. Considerando que acredito na existência de um inferno e mesmo que o livro seja uma obra de ficção, eu desejo que o Bento esteja queimando no inferno! 

No fim, ele não deixa de nos confessar que viveu bem. Em suas próprias palavras: "Vivi o melhor que pude, sem me faltarem amigas que me consolassem da primeira." Ele nos confessa que comia bem, dormia bem, tinha amantes e levava a vida que desejava. 

- Eu odiei o Bento com todas as minhas forças. Para mim, ele é um lixo. Me dá nojo! Mas o livro recebeu cinco estrelas porque é impossível não enxergar a genialidade do autor, a maneira como ele conduziu a história, sua ambiguidade, a construção dos personagens, a própria criação de um protagonista com quem não simpatizamos. O autor foi brilhante! O livro é maravilhoso, por mais que nos desperte revolta. Se os contos dele já tinham feito eu me apaixonar por ele, ao ler o seu romance eu não poderia ser mais que sua fã incondicional. Amo o Machado de Assis, autor que um dia temi!rsrs Mas realmente odeio profundamente seu personagem. Não suporto nem recordar este maldito Bento. 

- A capa ridícula que coloquei no início da resenha, não é da edição que tenho. Minha edição é de 1982, publicada pela Editora Abril Cultural. Acontece que ela não possui sinopse, então resolvi colocar esta capa feia só porque ela tinha sinopse no Skoob.rs Eu amo muito a minha edição da história. A adquiri em 2012, sem ter que pagar nada. Foi numa troca de livros no meu curso. Saí ganhando, pois o livro parecia novo. Quem o possuía antes o conservou como poucos fariam. Não foi atingido pelo tempo. Sua capa é dura, as páginas não possuem aquelas manchas que os livros adquirem com o passar dos anos. Não. Parece que foi mantido em algum lugar que o conservou. É um dos livros que mais tenho ciúmes. :D 






Dom Casmurro foi o livro que escolhi para abrir o Desafio 12 Meses Literários. O tema deste mês era ler um livro de Literatura Nacional. Foi uma escolha acertada, por mais que tenha desejado matar o protagonista.rs
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