(Editora: Abril Cultural
Edição de: 1982)
"Memórias Póstumas de Brás Cubas é um romance original desde a dedicatória: "Ao primeiro verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver' e prossegue na idéia de um autor defunto que, para fugir ao tédio do túmulo, escreve suas memórias."
Palavras de uma leitora...
- Esta é a edição que eu tenho do livro. Adquirida em 2012, quando a instituição de ensino na qual eu fazia um curso de Enfermagem promoveu um incentivo à leitura. Você deixava um livro que não queria mais e poderia levar outro da sua escolha. Nem lembro qual livro eu troquei, mas fiquei muito feliz ao ter em minhas mãos esse exemplar tão bonito. Fiquei completamente apaixonada. E tenho muitos ciúmes dele. Não empresto. Além de ser raro, uma edição de 1982, está bem conservado. Parece que a pessoa cuidou com todo o carinho antes de abrir mão dele. Nunca tive um exemplar antigo que estivesse tão "novo".
Quem acompanha o blog sabe que me apaixonei pela escrita do Machado de Assis ao conhecer seus contos. Embora eu tivesse esse exemplar de Memórias Póstumas de Brás Cubas/Dom Casmurro, foi somente no ano passado, ao comprar Contos Escolhidos, uma reunião de diversos contos do autor, que fiquei completamente envolvida por ele e desejando ler os seus romances. Foi nesse momento que despertei para os seus livros.rs
- Minha primeira aposta foi o tão famoso Dom Casmurro, de 1899/1900, que até os dias atuais causa tantos debates, estudos e polêmicas. Afinal de contas, Capitu traiu ou não traiu o Bentinho?! Vocês podem conferir minha opinião acessando a resenha aqui. Acabou se tornando uma das minhas histórias preferidas da vida, ainda que eu tenha desejado matar o Bento e o considere parte da escória do mundo. Um lixo. Um dos piores vermes. Sim, penso muito bem do personagem.rs
Eu deveria ter iniciado a leitura de Memórias Póstumas de Brás Cubas em junho, pois ele preenchia o Desafio Mensal e o Desafio Literatura Nacional. Todavia, foi impossível. Somente no dia 1º deste mês dei o pontapé inicial na leitura e apenas nos dias 05 e 06 eu consegui de fato lê-lo. Levei dois dias para concluí-lo, o que me surpreende considerando o quanto a história é arrastada. Tudo acontece lentamente. Sabe aquilo de "devagar quase parando"? É bem assim.kkkkkk... E se você pensa que o autor não tinha consciência disso te digo que ele fez de propósito.
"Começo a arrepender-me deste livro. Não que ele me canse; [...] Mas o livro é enfadonho, cheira a sepulcro, traz certa contração cadavérica; vício grave, e aliás ínfimo, porque o maior defeito deste livro és tu, leitor. Tu tens pressa de envelhecer, e o livro anda devagar; [...]"
- E quem é o autor destas memórias? Brás Cubas, claro! Não seria o Machado de Assis.rsrs A originalidade desta narrativa não me era desconhecida, pois ouvi falar imenso da história quando estava no colégio, muitos anos atrás. Lembro que nas provas perdia um tempo fascinada com os trechos selecionados em cima dos quais trabalharíamos. Eu lia e relia, muito envolvida mesmo. Mas te digo que se eu tivesse me deixado levar pelo fascínio que tais trechos despertavam, com tão pouca idade, provavelmente teria odiado este livro. Aquela, definitivamente, não era a época certa para lê-lo. Não seria capaz de compreender nada. Porque é um livro "difícil". E entendo quem considere chato ou o pior livro que já leu (li alguns comentários do tipo). Realmente entendo porque, além de ser arrastado, o autor (Brás Cubas) viaja tanto em certos momentos que é necessária muita atenção para chegar ao núcleo do que ele quer dizer com tantas divagações.
"Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte."
- Aos 64 anos de idade, Brás Cubas expirou vítima de uma pneumonia malcuidada. Foi em agosto de 1869. Ele culparia não a pneumonia em si, mas um bendito emplasto que o distraiu e o fez tratar a doença como se nada fosse. Estava concentrado demais em seu projeto para perder tempo com a própria saúde. Daí que acabou morrendo.
Muito entendiado com a morte no túmulo, sem nada para fazer, resolveu escrever suas memórias. Um meio de passar o tempo. E sem saber se começava pelo início ou fim, acabou por nos mostrar como partiu para só então voltar no tempo... e nos apresentar a sua vida. Infância, adolescência, juventude, velhice. Sem muitos filtros. Tão bem expôs sua personalidade dúbia e cínica que não é surpreendente terminarmos a leitura detestando-o. Ele não me provocou nada de empatia. Está se tornando um hábito odiar os protagonistas do Machado de Assis (vide o que aconteceu quando conheci o Bento). São seres humanos normais, com qualidades e defeitos... muitos defeitos, na verdade. Mas são pessoas que podemos encontrar no nosso dia a dia. Um tipo que gostamos de ver longe. Quanto mais longe melhor.
Ao iniciar por sua morte, o autor menciona que umas nove ou dez pessoas estavam presentes quando da sua partida. Entre elas, três mulheres. Sua irmã e sua sobrinha e... uma terceira mulher. Ele cria meio que um mistério em torno de sua identidade, mas não demora a "soltar" quem era a que padecia mais, que mais sofria por perdê-lo. Não seria spoiler algum dizer quem era a criatura.
"De dois grandes namorados, de duas paixões sem freio, nada mais havia ali, vinte anos depois; havia apenas dois corações murchos, devastados pela vida e saciados dela, não sei se em igual dose, mas enfim saciados."
Não seria spoiler, mas não revelarei seu nome. Deixo que descubram lendo. Basta dizer que tal personagem foi importante na vida do autor, nosso detestado Brás Cubas, todavia, não tanto ao ponto de ter realmente lutado por ela. Foi o proibido que a tornou parte de sua vida. Foi o perigo que o fez querê-la durante tanto tempo. Não acredito em amor sincero de sua parte. Como uma música que ouço tocar em vários lugares eu diria que era mais um "amor falso". Conveniente por ser desafiador. Por representar uma aventura. Mas não digo também que sinto pena da tal mulher. Considero os dois farinha de um mesmo saco. Feitos um para outro, sem dúvida.rs Eram dois hipócritas.
"De manhã, antes de do mingau, e de noite, antes da cama, pedia a Deus que me perdoasse assim como eu perdoava aos meus devedores; mas entre a manhã e a noite fazia uma grande maldade."
- Não é possível sequer gostar da criança que o nosso narrador personagem foi. Era um menino criado com bastante liberdade por um pai que achava "bonitinho" o seu comportamento deplorável. Que não achava errado ele agredir os escravos (a história se passa numa época em que a escravidão ainda existia) por não fazerem suas vontades e que estava sempre disposto a dar tudo o que o garoto quisesse. Enfim... Seu estrago começou ainda na infância. E a mãe, apesar de existir, via o marido como um herói, seu deus na Terra, e não fazia nada para corrigir a criança. De todos os parentes com os quais o personagem teve contato, apenas uma tia não tinha paciência para suas birras e lhe dava umas lições. Mas, como ele mesmo disse, quase não teve contato com essa tia.
Há inclusive um episódio terrível, quando já adulto, o protagonista reencontra um antigo escravo, que recebeu a alforria de seu pai muitos anos antes, para revolta do nosso "querido" Brás. Ele reencontra essa pessoa num momento de violência, uma vez que seu ex-escravo, agora homem livre, espancava outro ser humano. Acontece que o Prudêncio (acho que era esse o nome dele) se sentia muito bem em ter seu próprio escravo, já que era livre. E descontava no pobre infeliz tudo o que tinha sofrido. Isso fez o Brás lembrar do que fazia com ele no passado e entender que ele fazia o mesmo como forma de vingança, mesmo que indireta. Achei simplesmente insuportável tal cena.
"Talvez espante ao leitor a franqueza com que lhe exponho e realço a minha mediocridade; advirta que a franqueza é a primeira virtude de um defunto. Na vida, o olhar da opinião, o contrate dos interesses, a luta das cobiças obrigam a gente a calar os trapos, a disfarçar os rasgões e os remendos [...] Mas, na morte, que diferença! que desabafo! [...] Porque, em suma, já não há vizinhos, nem amigos, nem inimigos, nem conhecidos, nem estranhos; não há platéia."
- Como eu disse, o defunto autor (ele diz que não é um autor defunto, mas sim um defunto autor) não filtra nada de sua própria personalidade. Uma vez que já está morto não há perigo algum em contar os seus defeitos, falar francamente do que foi ou deixou de ser. Expõe sua hipocrisia, seu interesse, sua inveja, cobiça, seu cinismo, embora algumas vezes tente se defender, por um instinto natural. É difícil gostar dele. Bem fácil desprezá-lo.
Fazendo uma análise de toda a leitura, não posso dizer que existiram muitos personagens dos quais eu tenha gostado. A "querida" do Brás Cubas caminha lado a lado com ele pela minha antipatia. O Quincas Borba é tão perturbado que nem mesmo pena eu consegui sentir. Sei que o autor (Machado de Assis) tem um livro publicado com esse título, mas não sei se fala do mesmo personagem, uma vez que a história do Quincas Borba tem um ponto final neste livro. Enfim... Mas duas personagens chegaram a despertar minha compaixão e aumentaram minha raiva pelo protagonista. Uma delas foi a pobre Eugênia. Jovem muito inocente que se apaixonou pela pessoa errada, mesmo sabendo disso. O fim dela me deixou revoltada. A outra personagem foi a Dona Plácida. O passado dessa mulher foi muito triste. Sem muita opção, como meio de sobrevivência, ela aceitou fazer parte de algo que reprovava e caiu bem na lábia do Brás. Chegou a se apegar a ele, vendo como um filho. Mas o muito egoísta só agia por interesse. Sempre. Não considero bondade alguma o que ele fez por ela. Tudo era baseado no seu amor próprio, que era o único amor capaz de sentir. Mas essa senhora... a vida foi injusta demais com ela. E seu fim também me partiu o coração.
"Cada estação da vida é uma edição, que corrige a anterior, e que será corrigida também, até a edição definitiva, que o editor dá de graça aos vermes."
Memórias Póstumas de Brás Cubas é um livro "diferente", mas que em síntese nos apresenta as memórias de um protagonista, suposto autor do livro, que após morrer resolveu escrever como passatempo. Através de suas palavras conhecemos um pouco da vida de outros personagens (lembrando que é tudo do ponto de vista dele, o que não é confiável), de pessoas que cruzaram seu caminho, umas permanecendo atá o fim outra seguindo viagem também. Tem uma narrativa difícil, mas eu já estou acostumada com os livros do Machado de Assis, então, depois das primeiras páginas tudo acaba fluindo naturalmente. Todavia, pode sim ser considerado cansativo, entediante. Eu não achei. Gostei bastante, até. Só não fui com a cara da maioria dos personagens.rs