(Título Original: North and South
Tradutores: Carlos Duarte e Anna Duarte
Editora: Martin Claret
Edição de: 2016)
Publicado em 1854, Norte e Sul retrata os efeitos da Revolução Industrial no solo inglês. As personagens principais: Margaret e Sr. Thornton dualizam o sul (bucólico e aristocrático) e o norte (industrial, sujo e sem modos). O relacionamento entre os dois pode evocar no leitor lembranças de Orgulho e Preconceito, pois, assim como na obra de Austen, os personagens de Gaskell também precisam passar por cima das convenções sociais e dos pré-conceitos, em busca do amor e da realização.
Palavras de uma leitora...
- Norte e Sul é um livro que não estava sequer nos meus planos futuros de leitura. Ele não fazia parte de nenhuma das minhas metas. No entanto, quando a Amanda, do blog Confissões Femininas, propôs que continuássemos o nosso projeto de leitura coletiva e apostássemos nessa autora eu nem hesitei. Não tinha o livro. Ele furaria fila e ainda poderia ser uma decepção, mas mesmo assim eu quis participar. Simplesmente por ter amado a experiência da leitura coletiva e desejar continuar com o projeto. E não é que foi uma das melhores decisões que já tomei em minha vida?! Porque ler essa história... mergulhar no mundo criado pela Elizabeth Gaskell, um mundo baseado nas realidades da época e que tanto mexiam com a própria autora foi simplesmente um privilégio. Ler este livro é um presente que ninguém deveria recusar.
E falando em presente... Ele foi um dos meus pedidos de aniversário. :D Minha mãe aceitou me fazer tão feliz (risos) e permitiu que eu o escolhesse, por mais que ela achasse que eu já tinha livro demais e fosse doença ler tanto.rs As pessoas que não gostam de ler não conseguem compreender que às vezes desejamos ler uma história que ainda não temos.kkkkkkk
"De bom grado ela se teria agarrado às bordas do tempo que se despedira e rezaria para que ele voltasse e lhe devolvesse aquilo que tivera outrora e valorizara tão pouco como sendo seu. Como a vida parecia um espetáculo sem sentido! Quão insignificante e frágil e passageira! Era como se de algum campanário, lá do alto acima da agitação e do barulho da terra, houvesse um sino batendo continuamente. "Tudo são sombras - tudo é passageiro - tudo é passado!"
- Após passar anos sendo criada por sua tia materna, tendo sua prima Edith como uma irmã, Margaret estava ansiosa para voltar para casa. Foram nove anos de distância, mal vendo sua família, aquela que ela ainda considerava sua, porque compreendia as escolhas dos seus pais, que tudo o que desejaram foi que tivesse uma educação e os cuidados que eles sentiam que não poderiam lhe dar na casinha no interior. Ela tinha o direito de ter uma vida grande, rodeada pelas diversões proporcionadas por Londres. Mas a realidade é que tudo o que seu coração mais quis foi poder retornar... e reatar com os pais os laços de afeto. Queria a proximidade com a mãe, aquela que invadia suas lembranças. Queria sentar ao lado do pai e ouvi-lo falar de seus livros. Queria simplesmente estar em casa.
Só que seu retorno não é bem como ela imaginava. Pouco tempo depois é surpreendida por uma revelação chocante do seu pai, do homem que ela achava que tinha as ideias e os princípios mais sólidos, que sabia exatamente o que queria da vida. Mas suas palavras mudam não só a maneira como ela enxergava sua família como também todo o seu mundo. De uma hora para outra é obrigada a sair da paróquia de Helstone, no sul da Inglaterra, para a desconhecida Milton, uma cidade do norte, cujo ar era contaminado pelas fábricas e todos eram grosseiros e mal-educados. Como conseguiria sobreviver tão longe dos amigos que amava, da vida que tivera até então? Como estar longe do lugar para o qual tanto quis voltar? E precisavam ir justamente para uma região que ela já desprezava. O pior de tudo era ter que se mostrar forte. Ser o amparo que a mãe necessitava e o ponto de reconciliação de seus pais, pois se a mudança era brusca para ela, para sua mãe era um tormento.
Logo ao chegar em Milton, antes mesmo que sua família conseguisse se estabelecer, o caminho de Margaret se cruza com o de John Thornton, um industrial arrogante, que parecia considerar apenas a sua opinião como certa. Não demora para que primeiras impressões sejam formadas e mal-entendidos não sejam esclarecidos. De um lado, existia ela e sua aparente indiferença, tão dona de si e altiva, que ao conhecer as pessoas menos favorecidas da cidade se transforma em sua defensora contra a intransigência dele. De outro lado, John se via dividido entre o fascínio que aquela mulher lhe provocava e a irritação que seu orgulho e suas palavras lhe provocavam. Ele sentia o desprezo que ela sentia por ele e não fazia grande esforço para esconder. E embora quisesse retribuir o sentimento se via incapaz de calar o amor que o tempo tratou de nutrir em seu coração. Por que justamente ela? Por que tinha que se apaixonar pela única mulher que jamais olharia para ele e enxergaria mais que o homem de negócios cujas ideias e decisões ela repelia? E quando a greve que por tanto tempo ameaçara atingir os donos das fábricas finalmente estoura a relação de "antagonismo amistoso" que de mútuo acordo estabeleceram acaba por se transformar em algo mais violento... como se o destino conspirasse para que não existisse nenhuma possibilidade dos preconceitos serem superados e uma chance ser dada ao amor.
"A questão é sempre a mesma: foi feito tudo que se podia para minorar o sofrimento dos menos privilegiados ao máximo? Ou, na vitória das massas, os desvalidos teriam sido pisoteados, em vez de serem gentilmente afastados do caminho trilhado pelo vencedor, cuja marcha eles não tinham força para acompanhar?"
- Se iniciamos a leitura de olhos fechados, sem conhecer muito sobre a obra, podemos acreditar que se trata de um romance entre duas pessoas que no princípio se odiavam. Mas logo que a família de Margaret chega em Milton e somos apresentados à realidade daquelas pessoas entendemos que é muito mais que isso. Que é um romance com forte contexto social, no qual a autora quis transmitir uma importante mensagem. Mostrar de maneira aberta e um tanto crua como era a vida das pessoas que trabalhavam e dependiam das fábricas, cujos patrões se mostravam cegos, como se operários e industriais tivessem que ser inimigos, onde concessões não eram admitidas. Conhecemos uma realidade de desespero e fome, de doenças causadas pelo trabalho extenuante e insalubre, de salários que não eram suficientes sequer para colocar comida na mesa, quando o preço da carne e dos outros alimentos subia e os salários em vez de aumentarem eram reduzidos sem que os patrões estivessem dispostos a darem explicações. Como não estourar uma greve? Se nenhum patrão estava disposto a olhar para o outro lado e enxergar que seus funcionários não eram máquinas? Que tinham famílias que precisavam sustentar? Que a angústia e as doenças os estava destruindo?
"Creio que o sofrimento, ao qual a srta. Hale se refere e que está impresso no semblante do povo de Milton, não é outra coisa senão a punição natural pelo prazer desfrutado desonestamente em um período anterior da vida."
- Por me sensibilizar pelo sofrimento daquele povo eu não simpatizei muito com o John. Embora ele tenha construído sua carreira do zero, quando sua própria família se viu sem recursos ou perspectivas, embora tenha passado por enormes provações e soubesse o que era não ter nada, ele fechava seu coração para os outros. Porque acreditava que se estavam numa posição diferente era por serem preguiçosos, por não terem a mesma garra e coragem que ele teve. Então, segundo sua opinião, eles mereciam a vida que levavam. Isso me irritou profundamente e foi o que também fortaleceu o desdém da Margaret. Ela não podia gostar de um homem que tinha ideias tão insensíveis e não parecia sentir compaixão pelas outras pessoas, por aquelas que não tiveram a mesma força ou oportunidades que ele.
"- Papai, eu acho realmente o sr. Thornton um homem fora do comum, mas pessoalmente não gosto nem um pouco dele."
Ainda que reconhecesse a inteligência e a garra dele, que admitisse que era um homem de negócios com inegável valor e admirasse o que ele construíra do nada, sua capacidade de não desistir até poder proporcionar uma vida confortável e segura à sua mãe e irmã, não podia gostar dele. Porque por mais que fosse um homem cujo exemplo devesse ser seguido, pelo menos no que se referia aos laços com a família e os amigos e o trato nos negócios, as ideias dele entravam em choque com o que ela acreditava. E a antipatia que no início tentara esconder não demora a se tornar mais latente, ainda que um outro sentimento também a confundisse.
"Penso se esta vida é a única e se não existe um Deus para enxugar as lágrimas de todos os olhos."
- É um livro que mexe profundamente com algo dentro de nós. Que nos desperta a compaixão e a revolta. E que ao mesmo tempo nos mostra os dois lados da moeda, tanto o lado dos operários e de suas famílias quanto os dos donos das fábricas, uma vez que John é um dos protagonistas e conhecemos bem a sua vida, chegando inclusive a compreender a sua maneira de ver algumas coisas, por mais que não concordemos. A autora tem todo o cuidado de tornar a sua história real. De ser imparcial quando tinha que ser, por mais que ela própria fosse forte defensora dos menos favorecidos, para poder dar voz também aos que poderiam ser vistos como "vilões", porém eram apenas seres humanos que não acreditavam realmente que estavam fazendo algo errado. Principalmente através das mudanças gradativas que ocorrem com o John é que percebemos como as coisas poderiam mudar... como só era necessário se permitir estar no lugar do outro, descer de seu pedestal e entender que empregados também têm sentimentos e necessidades. O John cresce muito ao longo da história e o desprezo que eu própria sentia por ele foi se transformando também até que só existia espaço para o amor. Ele é um personagem extremamente bem construído e seu amor pela Margaret é lindo e divertido. Lindo porque ele era capaz de fazer tudo por ela, mesmo sabendo que ela o odiava. São coisas simples, mas cheias de significados. E é também um amor divertido porque ele é bem passional, sabe.kkkkkk... Tudo é elevado a décima potência. Ele sente as coisas de maneira intensa e nesses momentos eu não conseguia controlar o riso. É muito drama num homem só, meu Deus! Mas isso só o tornava mais querido. :)
"O que queria saber era quais eram os direitos dos homens, fossem eles ricos ou pobres... Desde que fossem apenas homens."
- O romance que se constrói entre a Margaret e o John é lindo sim, mas, como eu disse, a história se concentra em outros pontos, é voltada para as questões sociais. Em muitos momentos eu senti meu coração apertar. Como não se comover quando uma jovem que deveria ter toda uma vida pela frente tem seu corpo e seu emocional destroçado por uma doença provocada pelo trabalho insalubre? Ela precisava trabalhar, no entanto, os patrões preferiam não gastar um dinheiro "desnecessário" com um exaustor que poderia evitar que as pessoas engolissem a penugem que se desprendia quando o algodão era fiado e as envenenava, provocando tosses e as fazendo cuspir sangue, diminuindo significativamente sua expectativa de vida?! Como não sentir um nó na garganta quando, por outro lado, existiam operários que até preferiam a ausência de exaustor, pois a penugem que engoliam pelo menos enganava a fome. É uma realidade desesperadora. E ainda vemos um pai de família angustiado porque não consegue trabalho, uma vez que participou de uma greve por melhorias e agora ninguém quer ter um "agitador" como empregado. Um homem que só lutou pelos seus direitos, ainda que tenha se excedido, e se via sem ter um centavo para dar de comer aos filhos, sabendo que quando voltasse para casa os encontraria chorando de fome. Isso dói dentro da gente.
"Fale comigo de novo daquele antigo modo, mamãe. Não nos deixe pensar que o mundo endureceu os nossos corações. Se voltasse a falar aquelas palavras, eu voltaria a sentir um pouco da simples felicidade da minha infância."
- É um livro riquíssimo. Com personagens que nos marcam, que nos conquistam, que nos ensinam muito. Margaret é uma das minhas heroínas preferidas. Uma mulher cheia de contraste e de humanidade. Que sofre muito ao longo da história, mas que não permite que coisa alguma transforme a maneira como ela enxerga as coisas e como se sensibiliza com a dor dos outros. Ela tem uma inteligência que nos causa admiração. Seus diálogos são uns dos melhores do livro, as conversas que ela mantinha, a forma como expressava seu ponto de vista e ao mesmo tempo permitia que o outro também tivesse voz. Ela chega até mesmo a compreender os donos das fábricas, mesmo não concordando com eles. E foi uma personagem muito importante na vida de muitos dos outros personagens.
Uma história que não fala só de sofrimento, mas também de compaixão. De como ainda existem pessoas boas nesse mundo, que mesmo não tendo nada ainda assim dividiam com o outro. Nicholas Higgins merece uma menção honrosa pelo homem maravilhoso que foi, um personagem pelo qual talvez não déssemos nada no início, mas que também cresceu bastante e se transformou num dos meus preferidos. Também não poderia deixar de mencionar a mãe do John, que mesmo sendo uma pessoa severa e que odiava a Margaret foi uma mãe incrível, apoiando o filho sempre e estando ao seu lado quando ele mais precisou. A relação dos dois era belíssima.
Se recomendo o livro?! Com todo o meu coração!!! Queridos, simplesmente não percam a chance de ler essa história. Vocês não fazem ideia do quanto ela é preciosa. Do tanto que nos ensina. É um livro que guardarei num lugar exclusivo do meu coração e da minha estante. Um livro que não vendo, troco ou empresto. É uma das minhas joias mais queridas. E tem um final daqueles que nos deixam com um sorriso no rosto. Amo demais!
- A leitura do livro teve a duração de cinco semanas por ter sido uma Leitura Coletiva. Iniciou em 04/08 e terminou em 09/09. Só que os debates no grupo do Facebook irão até o dia 16/09 quando então será realizado o sorteio do livro O Conto da Aia, nossa próxima leitura em grupo. Se você não conseguiu participar da leitura de Norte e Sul, mas gostaria muito de ler com a gente O Conto da Aia só precisará aguardar um pouquinho que logo, logo traremos todas as informações de como funcionará! Qualquer pessoa pode participar. Não é necessário seguir nenhum dos blogs organizadores ou seus perfis no Facebook. As regras geralmente são: ler o livro e participar do grupo de debate no Facebook. Mas nem mesmo a participação nos debates é obrigatória, só é uma maneira de interagirmos e dar a chance dos leitores concorrerem ao sorteio que fazemos sempre ao final do período de leitura. A Leitura Coletiva é um projeto que estamos levando muito a sério e que pretendemos continuar durante um longo tempo. :D