28 de maio de 2021

Cinzas na Neve - Ruta Sepetys

Tempo de leitura:



Literatura norte-americana
Título Original: Between shades of gray 
Tradutora: Fernanda Abreu
Editora: Arqueiro
Edição de: 2019
Páginas: 240
Ficção Histórica

15ª leitura de 2021 (14ª resenha do ano)
 
Sinopse: Quando a voz de uma garota quebra o silêncio da história

Lina Vilkas é uma lituana de 15 anos cheia de sonhos. Dotada de um incrível talento artístico, ela se prepara para estudar artes na capital. No entanto, a noite de 14 de junho de 1941 muda seus planos para sempre.

Por toda a região do Báltico, a polícia secreta soviética está invadindo casas e deportando pessoas. Junto com a mãe e o irmão de 10 anos, Lina é jogada num trem, em condições desumanas, e levada para um gulag, na Sibéria.

Lá, os deportados sofrem maus-tratos e trabalham arduamente para garantir uma ração ínfima de pão. Nada mais lhes resta, exceto o apoio mútuo e a esperança. E é isso que faz com que Lina insista em sua arte, usando seus desenhos para enviar mensagens codificadas ao pai, preso pelos soviéticos.

Cinzas na neve conta a história de um povo que perdeu tudo, menos a dignidade, a esperança e o amor. Para construir os personagens de seu romance, Ruta Sepetys foi à Lituânia a fim de ouvir o relato de sobreviventes dos gulags durante o reinado de horror de Stalin.




Quando você vê a imagem na capa já te bate uma tristeza e a certeza de que a história te fará chorar... O título te dá mais uma dica e a frase: "Quando a voz de uma garota quebra o silêncio da história" te provoca uma certa angústia. Pelo menos, foi isso que se passou comigo. Mas tudo foi intensificado por eu já ter lido e ficado em prantos com O Sal das Lágrimas, que é a sequência de Cinzas na Neve, embora eu tenha lido fora da ordem. Todavia, na verdade não há uma ordem a ser seguida, pois são histórias que podem ser lidas de maneira independente, vez que a única coisa que as liga é o parentesco entre a protagonista de Cinzas na Neve (Lina) e uma das protagonistas de O Sal das Lágrimas (Joana). Além, é claro, das duas histórias se passarem durante o reinado do demônio do Stálin e do outro demônio (Hitler). 

Eu não paro de pensar nesta história desde que terminei de lê-la. Sonhei com o livro mais de uma vez. Revejo as cenas em minha mente e fico refletindo sobre tantas coisas ao mesmo tempo... Eu gostaria de não escrever esta resenha de tão abalada que ainda me sinto. Gostaria de pular para outra história, falar de narrativas mais leves, de um romance água com açúcar daquele tipo que tanto amo e vocês sabem... Até mesmo falar de um suspense daqueles psicológicos e de dá calafrios seria mais fácil no momento. Tudo seria mais fácil do que falar de Cinzas na Neve. Do que revisitar toda aquela crueldade enquanto escrevo a resenha. 

Me vendo tão angustiada o dia inteiro ontem, minha mãe voltou a me fazer uma pergunta que ela já me fez várias vezes: "Por que leio este tipo de história se fico tão mal?" Porque preciso. Porque me obrigo a enfrentar as realidades das quais muitas vezes fugimos. Porque não quero esquecer. Nenhum ser humano deveria esquecer o que já aconteceu. A História existe não só para entendermos o presente, mas para que monstruosidades "perdidas" no passado não voltem a acontecer. 

Em A Rosa Branca, livro de não ficção escrito por Inge Scholl, irmã de dois universitários alemães executados por enfrentarem o nazismo, há o seguinte trecho: "Mas a palavra história remete ao passado - o que é perigoso, pois leva a crer que os acontecimentos ficaram para trás e não se repetirão nunca mais!" 

Em O Sal das Lágrimas, a autora Ruta Sepetys, que resgata a história não contada da morte de milhares de civis (entre eles muitas crianças) no naufrágio provocado pelos soviéticos, diz o seguinte: 

"O que determina a maneira de recordarmos a história, e que elementos são preservados e penetram na consciência coletiva? Se os romances históricos despertam o seu interesse, busque os fatos, a história, as memórias e os testemunhos pessoais que estiverem disponíveis. É sobre esses ombros que se assenta a ficção histórica. Quando os sobreviventes se vão, não devemos deixar que a verdade desapareça com eles. Por favor, dê-lhes voz."

"Por favor, dê-lhes voz." Algo semelhante ao que ela nos pede ao final de Cinzas na Neve. Que não deixemos que a história dos mortos e sobreviventes pouco ou nunca lembrados pela História Mundial seja apagada. Quantas vezes você estudou ou ouviu falar do naufrágio lembrado pela autora em O Sal das Lágrimas? Quantas vezes ouviu falar do que Stalin fez com os países bálticos, como Estônia, Letônia e Lituânia? As milhares e milhares de deportações, trabalhos forçados nas condições mais miseráveis e mortes? Em Cinzas na Neve você encontra o terror vivido pelos lituanos, condenados a um inferno que nem sequer podemos imaginar. 

"O padre ergueu os olhos, aspergiu óleo e fez o sinal da cruz enquanto nosso trem se afastava. Estava nos dando a extrema-unção."

Lina era apenas uma jovem artista de 15 anos quando o terror em sua vida teve início. Era uma noite como outra qualquer e ela estava feliz, usando o presente que ganhara da tia para guardar seus papéis de carta. Escreveria para Joana antes de dormir, na segurança do seu quarto, na sua cama quentinha. Sabia que se precisasse, poderia chamar pelos pais, que sempre estariam ali para ajudá-la. Bem... seu pai ainda não tinha chegado, mas ela não precisava se preocupar. Ele logo chegaria. Mas não chegou...

Quem bateu na porta, como se quisesse arrombá-la, foram os soviéticos. Naquela manhã ela não poderia imaginar como tudo seria diferente no dia seguinte... Como tudo mudaria com o cair daquela noite... Que aquele seria o seu último dia em casa. Que seu pai não voltaria. Que a mãe, o irmão pequeno e ela seriam levados pelos soviéticos, junto com milhares de outras pessoas, em vagões de animais, para um destino pior que a morte. 

"O rosto de cada um mostrava seu futuro. Vi coragem, raiva, medo, incompreensão. Em alguns só havia desespero. Esses já tinham desistido da vida."

Durante seis semanas eles são obrigados a permanecer nos vagões, amontoados, tendo que fazer as necessidades ali mesmo ou por um pequeno buraco encontrado e usado como latrina. Quando o trem parava, aqueles que se atreviam a sair sem a permissão dos soldados eram espancados ou executados a tiros. Todas aquelas pessoas passavam dias sem comer e quando recebiam alguma refeição era uma papa cinzenta e de gosto ruim, que precisavam engolir para terem forças para sobreviver. Muitos adoeceram, morreram e tiveram seus corpos largados pelo caminho, sem direito sequer a um enterro. Aqueles que conseguiram sobreviver à viagem sequer poderiam considerar aquilo alguma sorte... Porque a brutal viagem não era a pior parte. 

Mulheres, crianças, até mesmo recém-nascidos eram tratados pelos soviéticos como se não fossem pessoas. Como se não passassem de "coisas" facilmente descartáveis. Riam de suas desgraças, de seu sofrimento, de suas lágrimas. Quando corpos ficavam pelos caminhos, não havia sequer um segundo de compaixão, pois até na morte daquela gente massacrada pela maldade deles, os soldados encontravam motivos para rir. 

"Ele disse que iria me encontrar. Será que sabia para onde haviam nos levado? Será que sabia que eles riam dos que morriam e faziam apostas sobre quanto tempo resistiríamos? Venha me encontrar, sussurrei."

A história é contada em primeira pessoa, pela protagonista Lina, e durante a leitura inteira um medo muito grande tomava conta de mim. Um medo que quem leu O Diário de Anne Frank (não ficção) consegue entender: da história ser interrompida por uma desgraça. Durante toda a leitura eu tive medo da Lina morrer, embora fosse um fim extremamente provável, considerando todo aquele inferno que ela e tantas outras pessoas estavam vivendo, com muitas delas morrendo dia após dia. Eu sabia que ela poderia morrer, mas ainda assim tinha esperança. Que Lina conseguisse suportar e sobrevivesse... Mesmo que tudo indicasse que não, eu ainda tinha esperança. 

Quase todos os personagens desta história (tirando os lixos daqueles soldados e comandantes soviéticos) atingiram o meu coração de alguma forma. Mas nenhum deles tanto quanto a mãe da Lina. Aquela mulher era de uma força e uma bondade tão grandes, que eu muitas vezes me pegava chorando sem nem entender em que momento as lágrimas tinham começado a escorrer. Sempre que lia sobre o carinho dela com as outras pessoas, a maneira como tentava fazer seus filhos continuarem lutando para sobreviver, como muitas vezes deixava de comer para dividir com os outros... Como cuidava de todos, sorria quando queria chorar... Eu sinto por Elena um amor semelhante ao que Emilia (de O Sal das Lágrimas) provocou em mim. E meu coração sangrou pelas duas. Elas me fizeram chorar demais e querer reescrever suas histórias, desfazer todo aquele horror. Não consigo falar delas sem chorar. Não consigo. 

"[...] Em breve voltaremos para casa. Quando o resto do mundo descobrir o que os soviéticos estão fazendo, vão pôr fim nesta situação. Iriam mesmo?"

São várias as perdas ao longo da leitura... Eu dizia para a minha amiga Ayala (que estava lendo o livro comigo) que eu só não suportaria perder o Andrius, a mãe dele, a Lina, o Jonas (irmão dela) e a Elena. Mas a verdade é que toda morte me doía demais. Bebezinhos morreram de fome e frio.... Crianças.... Mães que não tinham direito nem ao luto foram executadas por chorarem por seus filhos! Vocês têm noção do que é isso?! Do que é uma mãe ser executada por chorar ao ver o corpinho do seu filho ser levado pelos soldados para ser jogado num lugar qualquer?! 

Além das execuções... Era insuportável também ver criancinhas chorando de fome, pessoas morrerem de frio... Saber que seres humanos estavam fazendo isso com outros seres humanos. Eu disse para minha amiga que de nada valeu o sacrifício de Jesus por nós. Que não aprendemos nada! Que Jesus passou por todo aquele tormento, toda aquela tortura e morte de cruz e nós seres humanos seguimos sendo os mesmos!!! Jesus passou todo o tempo nos ensinando a amar uns aos outros, a ter compaixão, a nos ajudarmos... e em vez de nos amarmos, nós nos destruímos! Os soldados RIAM quando as pessoas morriam! Durante uma tempestade de inverno, quatro pessoas morreram congeladas e o comandante gargalhou por isso! Aquelas pessoas só podiam comer um pedaço de pão por dia e mais NADA. E muitas vezes até isso lhes era negado. Eu lhes pergunto: "Como um ser humano consegue fazer isso com outro?! O que há em nós para sermos capazes de algo assim?!" Eu senti muita, muita revolta durante esta leitura. E uma desesperança muito grande.

"Enquanto desenhava, pensei em Munch e em sua teoria segundo a qual a dor, o amor e o desespero eram elos de uma corrente infinita."

Mas este não é um livro que fala apenas de dor, de sofrimento e da maldade do ser humano. É um livro escrito de maneira extremamente sensível e não canso de me surpreender com a capacidade da autora em nos fazer sentir tantas coisas ao mesmo tempo, de contar os piores terrores de uma forma delicada, sensível e tão tocante. Há muito amor transbordando pelas páginas desta história. Aquelas pessoas tão cheias de dores, eram capazes dos atos mais belos de amor, de compaixão. Dividiam até o pedaço de pão que recebiam se algum deles estava doente e precisava de mais para tentar superar a doença e sobreviver. Os poucos alimentos que às vezes conseguiam roubar dos soldados, dividiam com os outros, mesmo que fosse totalmente compreensível se comessem sozinhos, pois a fome era imensa. Ainda assim, dividiam. Consolavam uns aos outros, tentavam salvar uns aos outros... Nunca serei capaz de esquecer esta história. 

"Nós estávamos no fundo do oceano, mas ainda assim tentávamos alcançar o céu. Percebi que, se erguêssemos uns aos outros, talvez conseguíssemos chegar um pouco mais perto."

Assim como eu pedi ao fazer a resenha de O Sal das Lágrimas, volto a pedir agora com Cinzas na Neve: NÃO deixem de ler a Nota da autora depois de terminarem de ler a história. 

A história presente neste livro foi escrita com base no passado da própria família da autora (cujo pai é um refugiado lituano) e no testemunho de sobreviventes e descendentes de pessoas que viveram os terrores dos gulags (os campos de trabalhos forçados dos soviéticos, semelhantes aos campos de concentração nazistas). Ela fez duas viagens à Lituânia para sua pesquisa. Encontrou-se com sobreviventes, historiadores, funcionários do governo, chegou até mesmo a visitar uma antiga prisão soviética, como ficamos sabendo num agradecimento que ela faz na última página do livro, pois foi um amigo que conseguiu isso e ela o agradece no livro. 

Nas palavras da própria autora: "Muitos dos acontecimentos descritos nesta história foram relatados por sobreviventes e suas famílias, experiências compartilhadas por muitos deportados espalhados pela Sibéria."

Hoje em dia ainda existem guerras. Conflitos sangrentos entre países, nos quais sempre quem perde são os inocentes. Crianças morrem vítimas de bombardeios e as que sobrevivem muitas vezes ficam órfãs. Pessoas morrem tentando escapar dos terrores das guerras, desesperadas para encontrar refúgio em outros países. 

Ainda existe ditadura. Vários governos autoritários, em pleno século XXI. E onde não há ditadura, existem manifestantes indo para as ruas pedir a volta da ditadura. O que aprendemos com o passado? NADA. 


"Estima-se que Josef Stalin tenha matado mais de 20 milhões de pessoas durante seu reinado de terror. Estônia, Letônia e Lituânia perderam mais de um terço de sua população durante o genocídio soviético. [...] Ainda hoje, muitos russos negam ter deportado uma pessoa sequer." [Trecho da Nota da autora]



Leitora apaixonada por romances de época, clássicos e thrillers. Mãe da minha eterna princesa Luana e dos meus príncipes Celestino e Felipe (gatinhos filhos do coração). Filha carinhosa. Irmã dedicada. Amiga para todas as horas. Acredita em Deus. E no poder do amor.

7 comentários:

  1. Achei essa capa linda e esse cenário de guerra que é pouco explorado em livros do gênero, me deixou mega curiosa porque sei que o enredo pode ser uma boa aula de hist´pria. Adorei a proposta do livro e já quero ler!!!

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  2. Oi Luna!

    Eu acho essa capa muito bonita mas ainda não tive oportunidade de ler o livro. Sua ressenha me deixou muito curiosa, parece muito o tipo de história que eu favoritaria, principalmente por conta dos temas abordados na história, tô bem curiosa agora. Adorei!!

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  3. Olá tudo bem ?
    Eu achei a temática do livro incrível, no entanto é um tema ainda complicado para mim. MInha avó era Lituania e veio para cá fugindo da guerra, então todas essas histórias me remetem as coisas que não foram agradaveis para ela e até evito um pouco.
    Mas achei linda a sua resenha.
    Beijos

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  4. Olá, tudo bom?
    Essa autora é incrível e o trabalho dela foi tão intenso que me peguei chorando realmente em diversos momentos. Realmente não é um livro fácil de se ler, mas é extremamente necessário e só se torna ainda mais precioso por saber que a autora se baseou em histórias de sobreviventes desses horrores. Amei a sua resenha e me emocionei novamente com essa história.
    Beijos!

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  5. Oi Luna, sua linda, tudo bem?
    Eu sempre fico com o coração muito pesado quando conheço mais um livro sobre guerra, porque acabo descobrindo que não sabia sobre os fatos. Isso que é assustador, existem milhares de histórias que nós ainda iremos descobrir e outras que não. Muito importante o trabalho de pesquisa que a autora fez para construir seu livro. Dica mais do que anotada.
    beijinhos.
    cila.

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  6. Oi Luna!
    Me senti assim com essa revolta quando li o "O Diário de Anne Frank e Os sete últimos meses de Anne Frank" foi assustador e perturbador e depois li "O jardim de inverno" meu Deus quanta dor, quantas pessoas horríveis sem coração uma falta tremenda de humanidade. Lendo sua resenha fiz algumas comparações e reflexões a esses livros onde o enredo e o horror da guerra são o mesmo. Parabéns pela resenha estou intrigada e curiosa para ler e chorar também porque as emoções que provocam abalam e desestabiliza qualquer uma, obrigado pela dica, bjs!

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  7. Oi Luna, tudo bem? Apesar de ser um tema triste (as guerras) acredito que lendo obras como essa nos aprofundamos ainda mais na história e aprendemos com outros povos. O que sei sobre a Rússia é apenas o que estudei no colégio nunca pensei em procurar outras fontes de informações. Pensando em tudo o que aconteceu conseguimos ter uma ideia de como influenciou diversas famílias ao longo dos anos. Não apenas na Rússia, mas na Alemanha, Japão, Itália, e muitos outros países que ainda hoje vivem sob o peso do passado. Se para os adultos isso é difícil quem dirá para as crianças que não fazem ideia do que está havendo. E quando são separadas das famílias? É mais desolador ainda. Vi a divulgação da adaptação e fiquei bem curiosa. Espero conseguir assistir em breve. Um abraço, Érika =^.^=

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