(Título Original: Animal Farm: a Fairy Story
Tradutor: Heitor Aquino Ferreira
Editora: Companha das Letras
Edição de: 2007)
Cansados da exploração a que são submetidos pelos humanos, os animais da Granja do Solar rebelam-se contra seus donos e tomam posse da fazenda, com o objetivo de instituir um sistema cooperativo e igualitário, sob o slogan "Quatro pernas bom, duas pernas ruim".
Mas não demora muito para que alguns bichos - em particular os mais inteligentes, os porcos - voltem a usufruir de privilégios, reinstituindo aos poucos um regime de opressão, agora inspirado no lema "Todos os bichos são iguais, mas alguns são mais iguais que outros."
A história da insurreição libertária dos animais é reescrita de modo a justificar a nova tirania, e os dissidentes desaparecem ou são silenciados à força.
Palavras de uma leitora...
- Confesso para vocês: depois de ler romances tão maravilhosos nos últimos tempos eu não estava no clima para ler um livro com "pegada" política. Sobretudo considerando a atual situação política do país. Não era o tipo de leitura que eu queria fazer no momento, mas como o livro fazia parte do meu Desafio Mensal e o mês já está chegando ao fim não tive muita escolha.rsrs
Ao iniciar a leitura tinha uma boa noção do que encontraria. Todavia, por mais que esperasse me deparar com determinadas cenas de tortura e assassinatos, tão típicos de governos totalitários, nada me preparou para o que eu senti. Porque o livro desperta "memórias". De épocas que eu não vivi, mas estudei profundamente, revi em livros de ficção como A Menina que Roubava Livros e O Cavaleiro de Bronze, não ficção como O Diário de Anne Frank e filmes como O Menino do Pijama Listrado e Zuzu Angel. Além de documentários ao longo dos anos. Quanto mais lemos A Revolução dos Bichos mais evidente se torna a semelhança com diversos governos ditatoriais que marcaram o mundo e provocaram milhões de mortes. Que destruíram vidas de pessoas que o tempo tratou de condenar ao esquecimento.
Não irei me aprofundar em temas políticos, mas uma coisa que me revolta bastante é ver determinados comentários na internet e fora dela (até mesmo de parentes) defendendo a volta de uma ditadura. Vocês já se depararam com textos assim? Eu já, para meu desespero e profunda decepção com a natureza humana. Me pergunto se essas pessoas têm alguma noção do que estão dizendo, se realmente sabem o que significa uma ditadura. Vários são os argumentos, mas essas pessoas parecem ignorar algo primordial: direitos humanos são violados quando uma ditadura é estabelecida. Sua opinião? Pode te condenar à morte se um governo ditador assim o decidir. Pessoas desaparecem, são torturadas, assassinadas por traições fictícias. Não se iluda: ditadura alguma consertaria um país. Muito pelo contrário.
"O Homem é o nosso verdadeiro e único inimigo. Retire-se da cena o Homem e a causa principal da fome e da sobrecarga de trabalho desaparecerá para sempre."
- Tudo o que os animais da Granja do Solar conheciam era uma vida de sofrimento. Trabalhavam de sol a sol e viam os frutos de seus esforços serem consumidos desenfreadamente pelos seres humanos, enquanto eles ficavam com o resto dos restos e, às vezes, nem isso. Pelo simples fato de serem animais eram escravizados, maltratados e humilhados. Estavam cansados daquela vida de miséria, mas não sabiam como acabar com tudo aquilo. Porque o Homem era mais forte, inteligente e reprimiria facilmente qualquer tentativa de revolta. Mas, um dia, alguém apareceu com a solução.
Após um sonho estranho, o Major, um porco sábio e ancião, reuniu todos os animais da Granja com a profecia de que chegaria um tempo em que todos os animais seriam livres, tratados como iguais. Que a fome e os maus-tratos seriam apenas uma lembrança ruim. Mas que, para isso, era necessário que os animais se reunissem e se rebelassem para derrotar o gênero humano. Pouco tempo depois, o Major veio a falecer, porém a semente plantada por suas palavras ficou no coração daqueles animais e instigou alguns, guiados por seus próprios interesses, a tramar o necessário para concretizar a tal profecia.
Num momento de particular agonia dos animais, que estavam passando fome por negligência do dono da granja, os porcos, considerados os mais inteligentes da espécie animal, incitaram a rebelião que, por pegar de surpresa os moradores do local, foi bem-sucedida. Bola-de-Neve, o porco carismático e aparentemente preocupado com a população, bem como Napoleão, astuto e observador, sabiam bem o que estavam fazendo. Tinham o apoio do povo que os idolatrava. Era o cenário perfeito para um jogo de poder.
"[...] jamais um animal deverá tiranizar outros animais. Fortes ou fracos, espertos ou simplórios, somos todos irmãos. Todos os animais são iguais."
No início, as coisas foram um verdadeiro mar de rosas. Qualquer animal, desde o mais belo cavalo até o pequenino rato possuía os mesmos direitos. Todos eram iguais e os frutos dos seus trabalhos pertenciam à coletividade. Havia equilíbrio, justiça, solidariedade. A felicidade se espalhava pela granja e os animais tinham a tão sonhada paz. Mas então...
... O leite retirado das vacas se tornou exclusivamente dos porcos. Nenhum animal poderia comer maçãs, pois os porcos, líderes da rebelião por serem os únicos que possuíam inteligência, precisavam mais delas do que os outros. Claro que tais privilégios não eram concedidos por vaidade ou egoísmo. Não. Tudo era pelo bem do povo. Os porcos comiam melhor e viviam em condições mais favoráveis, bem como tomavam todas as decisões, pelo bem dos outros animais. Eles eram completamente altruístas.
E o que começou como uma sucessão de pequenos privilégios não demorou a se agravar. Mas o estopim veio quando Bola-de-Neve, o porco que queria melhorar a educação e as condições de trabalho (em tese) entrou em choque com Napoleão, o porco astuto, que em silêncio criava um exército pessoal e forte. Sabendo que Bola-de-Neve ganhava o apoio e simpatia dos demais, Napoleão decidiu instituir, a partir daquele momento, um governo intimidador, que venceria pelo medo. Acusando o adversário de diversas mentiras, o expulsou da Granja, utilizando seu exército para reprimir qualquer palavra em contrário. Logo em seguida, direitos começaram a ser suprimidos, vozes foram caladas, animais foram torturados e assassinados. E tudo era justificado com muita lábia e persuasão.
"Ninguém mais que o Camarada Napoleão crê firmemente que todos os bichos são iguais. Feliz seria ele se pudesse deixar-vos tomar decisões por vossa própria vontade; mas às vezes poderíeis tomar decisões erradas, camaradas; e então, onde iríamos parar?"
Alguns animais, como o burro Benjamim, já não tinham mais qualquer ilusão: sabiam que tinham sido enganados e que qualquer coisa que lhes fosse dita tinha um tom de ameaça. Dominados, controlados por Napoleão e seus aliados, não tinham outra escolha senão se sujeitar à nova ordem. Sim, até existia outra alternativa: contrariar seu líder e morrer. Todavia, o pior era que a maioria dos animais sequer conseguia notar em que condições estava vivendo. Tão profundamente alienados e controlados estavam que não eram capazes de ver.
"E assim prosseguiu a sessão de confissões e execuções, até haver um montão de cadáveres aos pés de Napoleão e um pesado cheiro de sangue no ar [...]"
- Inebriado pelo poder, querendo cada vez mais e com a política de eliminar qualquer um que ousasse pensar por si mesmo ou ganhasse a simpatia do povo que ele tinha controlado pelo pavor, Napoleão avançou o seu domínio, não se contentando apenas em possuir a Granja e todos os animais que viviam ali, mas unindo-se a outros líderes para expandir o seu controle e atingir outras fazendas.
- Mentiras levantadas contra desafetos, traições fictícias punidas com a morte, condenações e execuções sem o devido julgamento, confissões provocadas por tortura... Isso com certeza te lembra não apenas um, mas diversos governos opressores que espalharam sangue ao longo dos anos, destruíram vidas por ambição, por poder. Sei que o autor provavelmente (leia-se: com certeza!) tinha em mente um determinado país ou regime político quando da criação de seu livro, sei que o livro foi vendido e utilizado como arma contra determinada ideologia política, mas ao lê-lo vi a síntese da maldade humana, um resumo chocante do que pode acontecer (e já aconteceu ao longo da História) quando entregamos o poder nas mãos das pessoas erradas, quando nos deixamos ser alienados, quando paramos de pensar por nós mesmos e seguimos a maré, apoiando e votando sem utilizar o cérebro. Muitos governos totalitários tiveram o apoio da população no princípio. As desgraças vieram depois.
"Aquelas cenas de terror e sangue não eram as que previra naquela noite em que o velho Major, pela primeira vez, os incitara à rebelião. [...] não podia compreender por quê - havia chegado uma época em que ninguém ousava dizer o que pensava, em que cachorros rosnadores e malignos perambulavam por toda parte e todos eram obrigados a ver camaradas feitos em pedaços após confessar os crimes mais chocantes."
- Este livro não me fez bem. Ainda assim, não me arrependo de lê-lo, pois ele nos provoca reflexões, nos faz pensar em assuntos que muitas vezes preferimos ignorar. A verdade é que vivemos num mundo em que muitos encontram-se tão alienados que, obviamente, não percebem. E seguindo essa maré, eu me pergunto, onde iremos parar...
"As criaturas de fora olhavam de um porco para um homem, de um homem para um porco e de um porco para um homem outra vez; mas já era impossível distinguir quem era homem, quem era porco."