28 de janeiro de 2018

Coragem de Mãe - Marie-Laure Picat

Tempo de leitura:
(Título Original: Le Courage d'une Mère
Tradutora: Inez Cabral
Editora: Fontanar/Objetiva
Edição de: 2010)


Em parte uma carta de amor, em parte o testemunho de uma vida de muita superação, Coragem de Mãe narra a luta de uma mulher que, condenada a morrer dentro de alguns meses, fez de tudo para encontrar uma família para seus quatro filhos. Sua história de vida, seu bom humor, sua convicção e sua força de espírito diante da adversidade já comoveram milhares de pessoas.




Palavras de uma leitora...



- Se você me perguntar como este livro veio parar em minhas mãos não saberei lhe responder. Não consigo recordar! Já tentei várias vezes e não me lembro. Acho (não tenho certeza) que o troquei quando fazia curso na rua em que existia uma loja onde você levava um livro e o trocava por outro. Não eram vendidos livros lá. Você simplesmente deixava um livro no lugar daquele que desejava. Sei que encontrei verdadeiros tesouros naquele lugar, mas a verdade é que não lembro de jeito nenhum se foi assim que encontrei Coragem de Mãe. Mas uma coisa é certa: jamais esquecerei esta história. Por mais que minha memória esteja uma grande porcaria, os anos poderão passar e nunca poderei deixar para trás todas as coisas que aprendi com a protagonista, com sua história real, com sua força. 

"Existem coisas que não mudarão nunca. Mesmo morta, continuarei sendo a mamãe de vocês para sempre."

Esta é a autobiografia de Marie-Laure Picat, uma mulher que, aos 36 anos de idade, descobriu que estava com câncer no fígado. Dona de um otimismo e desejo de viver contagiantes, ela não entregou os pontos de primeira. Lutou contra o câncer. Deu tudo de si para sobreviver. Tinha quatro filhos que dependiam dela e morrer não era bem uma opção. Todavia, após quimioterapias que não produziram o menor efeito sobre a doença e diante da impossibilidade de eliminar o tumor através de uma cirurgia, teve que encarar a dura realidade: não havia cura, ela estava em estado terminal. Os médicos, por mais relutantes que estivessem, tiveram que ser sinceros: ela tinha poucos meses de vida. Não duraria até o próximo ano. Aquele era o ano de 2008. 

"Assim que soube que ia morrer, tive apenas uma obsessão: que suas vidas mudassem o mínimo possível depois que eu partisse, que vivessem juntos, criados pelas pessoas que amam vocês."

Mesmo destroçada por dentro, não foi em si mesma, na injustiça de morrer tão jovem que ela pensou. Seus pensamentos foram para os seus filhos. O que seria deles? Quem cuidaria de suas crianças de 11, 9, 5 e 2 anos quando ela já não estivesse mais ali? Seriam separados? O governo se encarregaria do destino deles? Ela já aceitara o fato de que iria morrer, mas não aceitaria que seus filhos ficassem desamparados. Assim, aproveitou seus últimos meses de vida para buscar um lar seguro para suas crianças e, ao encontrá-lo, viu-se diante de uma porta fechada. Porque o governo e o sistema jurídico do país não permitiam que um pai ou mãe em estado terminal escolhesse com quem seus filhos ficariam. Ela não possuía o direito de decidir qual seria a família adotiva. Tinha encontrado o lar perfeito, mas o governo lhe disse que não. Não interessava que a família estivesse mais do que disposta a receber as crianças e tivesse estrutura para manter os quatro juntos. Tampouco importou o fato daquele ser o último desejo de uma mãe que sabia que iria morrer e tudo que queria era que seus filhos ficassem seguros. A resposta era um simples e terrível "não". 

"Quem melhor que eu podia julgar com que pais meus filhos seriam mais felizes?"

Uma pessoa menos forte talvez tivesse entrado em desespero e tivesse visto naquilo mais um motivo para desistir de tudo, entregar os pontos. Mas não Marie! Era a vida dos seus filhos que estava em jogo e ela faria o que fosse necessário para que eles ficassem exatamente com a família que ela escolhera. 

"A família dos meus filhos já estava escolhida. Julie, Thibault, Matthieu e Margot iriam para lá, ou eu não me chamaria Marie-Laure."

Sabendo que tinha pouquíssimo tempo para assegurar um futuro feliz aos seus filhos, Marie não ficou de braços cruzados. Se a lei e o governo diziam que não, ela levantaria a voz e faria aquele "não" virar um sim e se para isso seria preciso gritar na mídia, não hesitaria. E foi exatamente o que ela fez. De um momento para o outro ela deixou de ser uma "simples" mãe morrendo jovem demais e deixando quatro crianças órfãs e se transformou num caso de interesse nacional. Sua história emocionou e envolveu milhares de pessoas em toda a França e finalmente fez aqueles que não queriam ouvi-la, prestarem atenção. 

"Quando a PMC me disse 'não', vi uma porta se fechar para mim. Decidi arrombar essa porta, porque me pareceu o certo para meus filhos. Ainda não estava morta, podia agir: enquanto há vida, há esperança, não é? Hoje quero dizer a todos os que virem uma porta se fechar para não desistirem, para insistir, continuar a lutar."

O interesse da mídia incomodou o governo e o sistema jurídico do país. De repente, o telefone começou a tocar, Marie foi visitada pelo próprio prefeito e promessas de que seus filhos seriam recebidos pela família que ela escolhera foram feitas. A França não queria passar uma imagem errada, uma imagem de pura insensibilidade e falta de importância com o futuro de quatro crianças. Assim, o sistema começou a andar, papeladas foram sendo preparadas e quanto maior era a pressão da mídia e da população mais rápido as coisas corriam. No fim das contas, as crianças foram entregues à família substituta escolhida por Marie, sem terem que mudar de escola, sem terem que abandonar seus amigos e sua cidade. 

"De tanto levantar a voz, fiz com que as coisas se mexessem, burlei todas as regras, passei por cima da lei, essa lei estúpida que diz que é o juizado de menores que decide onde irão viver os órfãos."

Tudo o que essa mãe queria era que a mudança fosse o menos traumática possível, que seus filhos não perdessem os laços que tinham conquistado, que não fossem parar em abrigos e depois adotados em separado. Ela queria manter os quatro juntos e próximos daqueles que os conheciam de toda a vida. Será que era pedir demais? Era algo tão impossível para necessitar se desgastar em seus últimos meses? 

- É revoltante, sinceramente! A história inteira da Marie me causou diversos níveis de revolta e choque, mas senti vontade de gritar com todo o estresse que ela teve que passar porque uma lei estúpida não permitia que ela pudesse escolher a família dos seus filhos. É inacreditável algo assim! A vontade dela não importava, a felicidade de seus filhos era insignificante para aquele sistema. Só queriam seguir as "regras" e que se danasse amor, laços de sangue ou humanidade. Como se não bastasse lutar o máximo para se manter viva por alguns meses, para estar com seus filhos mais tempo e prepará-los para sua partida, Marie foi obrigada a travar uma guerra contra a lei e a política do país. Teve que gritar na mídia para que seus filhos tivessem o direito de permanecer juntos e com uma família em quem ela confiava. 

"Uma mãe ou um pai à beira da morte deveria passar o tempo que lhe resta aproveitando o contato com seus filhos, e não gastando suas forças num combate estúpido."

- Não consigo nem imaginar tudo o que a Marie passou. Me dá um nó na garganta me colocar no lugar dela. Não tenho filhos ainda, mas se um dia os tivesse e de repente me visse diante de uma doença terminal, da certeza de que iria morrer e não poderia criá-los, estar presente quando eles precisassem de mim, certamente enfrentaria a pior dor da minha vida. Uma dor que viria acompanhada de um total desespero, de uma sensação de impotência. Como deixar um filho pequeno sozinho? Como morrer sabendo que não teria ninguém para cuidar dele? Uma mãe jamais deveria passar por algo assim. É muito injusto, uma crueldade sem tamanho. E nenhum filho deveria perder seus pais ainda criança, quando mais necessitava deles, quando dependia inteiramente deles. O mundo é cheio de injustiças assim. Este livro não é ficção. Isso realmente aconteceu com a Marie, com seus filhos, com sua família. Uma doença maldita simplesmente um dia veio e destruiu tudo. Ela teve que fazer o máximo com os cacos que restaram. Teve que lutar para proteger seus filhos mesmo depois de sua morte. 

"O que meus filhos guardariam na memória de todos esses artigos publicados nos jornais? Foi por eles que eu quis dar meu depoimento nestas páginas, para que me conhecessem melhor, para que entendessem minha luta. Quando forem mais velhos, não estarei mais aqui para lhes dizer quem fui, quanto os amei e tudo que fiz por eles."

- Através das páginas deste livro não conhecemos apenas a luta dela pela segurança de seus filhos. Como este livro é uma espécie de lembrança para eles, para que soubessem quem foi a mãe deles quando estivessem mais velhos, Marie começa contando as coisas desde o princípio. Conhecemos a bebezinha abandonada pela mãe, que ficou horas e horas gritando com uma fralda suja que lhe deixou uma cicatriz por conta de uma queimadura provocada pelas horas em contato com sua pele. Conhecemos a infância miserável que ela teve sendo criada por um pai que a ignorava, mas que quando finalmente a notou foi para começar a violentá-la e manter esse padrão durante vários anos. Conhecemos a menina desesperada que confessou o que se passava para uma professora, mas que não recebeu a ajuda de ninguém, nem mesmo da lei e teve que retornar para o lado de um pai que abusava sexualmente dela enquanto a "justiça" fechava os olhos. Também somos levados até o passado de uma jovem que se viu grávida pela primeira vez e foi obrigada a enfrentar a dor de perder o primeiro filho. Conhecemos seus sonhos, suas dores, suas conquistas e perdas. Nos envolvemos profundamente e nos perguntamos como alguém que sofreu tanto, que passou por tantos pesadelos e sofria outro terrível golpe ao ser condenada à morte por uma doença terminal ainda podia sorrir, fazer piadas, ter um bom humor como o dela. Como ela conseguia?! Como tinha forças para tirar o melhor de tudo aquilo e não se entregar nunca? No lugar dela, eu jamais teria conseguido. Não mesmo. 

"Consegui para eles um novo lar e me assegurei de que não fossem separados, que crescessem juntos com pessoas formidáveis, no lugar que sempre conheceram. Essa luta eu a ganhei para eles."

- Marie-Laure Picat foi um exemplo. De mãe. De superação. De ser humano. Um exemplo que todos deveríamos seguir. Cresceu sem mãe, mas aprendeu sozinha a ser a melhor que seus filhos poderiam ter. Lutou por eles até o final. E não se permitiu perder. Foi violentada pelo pai dos 11 aos 14 anos de idade e poderia ter encontrado nessa grande tristeza, nessa monstruosidade motivos para se revoltar, para destruir a si mesma, mas não. Deu a volta por cima e não permitiu que aquele homem que jamais mereceu ter filhos afetasse toda sua vida. Viu o sistema falhar com ela quando procurou uma professora para pedir ajuda e foi obrigada a retornar à casa do seu agressor e viver com ele vários outros anos, mas nem por isso permitiu que aquele mesmo sistema calasse sua voz quando foi para proteger seus próprios filhos. Não pode fazer nada por si mesma quando criança, mas garantiria que seus filhos crescessem seguros, que fossem criados por boas pessoas. Não dá para aceitar, gente! Que alguém assim, que uma pessoa tão incrível e guerreira tenha morrido tão jovem. Por quê? Nunca vou entender. Nunca vou aceitar. Ela morreu em agosto de 2009, com 37 anos de idade. 

- É irônico e revoltante que uma mãe que tudo que desejava era criar seus filhos, amá-los e protegê-los tenha morrido dessa maneira enquanto certas desgraçadas que jogam seus filhos em latas de lixo, os afogam em banheiras ou fazem diversas outras monstruosidades fiquem por aí, muito bem a vida inteira. Que mundo é este?! 


- Com esta leitura eu concluí a Maratona Literária de Verão. Ele foi minha escolha para o terceiro tema que consistia em: ler um livro que aparentemente só você conhece. Como nunca tinha ouvido ninguém falar desta história, me pareceu uma excelente escolha. E realmente foi! Um livro incrível, que nos enche de lições maravilhosas e nos faz perceber o quanto somos ingratos. O quanto não valorizamos a sorte que temos por ter saúde, por ter tempo, por ter oportunidades que outras pessoas não têm. O simples fato de respirarmos, de podermos nos levantar dia após dia já é um privilégio enorme. 

Se quiserem conhecer os quatro livros que li para a maratona, basta clicar neste post aqui. Nele estão os links para todas as resenhas. A maratona possuía dois desafios extras, lembram? Eles não eram obrigatórios, a pessoa lia apenas se quisesse ou tivesse tempo. Os desafios oficiais eram os quatro que cumpri. Mas isso não significa que não lerei a minha escolha. :D Em breve vocês poderão conferir minha resenha sobre Sorrisos Quebrados, livro de Sofia Silva, uma portuguesa muito querida aqui no Brasil, que conquistou milhares de leitores com essa história emocionante. 

Leitora apaixonada por romances de época, clássicos e thrillers. Mãe da minha eterna princesa Luana e dos meus príncipes Celestino e Felipe (gatinhos filhos do coração). Filha carinhosa. Irmã dedicada. Amiga para todas as horas. Acredita em Deus. E no poder do amor.

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