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14 de fevereiro de 2024

Os Abismos - Pilar Quintana



Literatura Colombiana
Título Original: Los abismos
Tradutora: Elisa Menezes
Editora: Intrínseca
Edição de: 2022
Páginas: 272

Sinopse: Novo livro da autora de A cachorra aborda, pelos olhos de uma criança, a solidão feminina e as imposições sociais na vida de mulheres.

Claudia mora com os pais em Cáli, na Colômbia, em um apartamento tomado por plantas e rodeado por precipícios físicos e metafóricos. O ambiente, exuberante e bem-cuidado, é um contraste, uma oposição à mãe indiferente e apática que está em conflito com os caminhos escolhidos e impostos para a própria vida. Como muitas famílias, a de Claudia passa por uma crise, e basta o casamento de seus pais estremecer para que ela comece a entender a fragilidade dos limites que mantêm a previsibilidade do cotidiano.

A partir da expectativa e de seu olhar agudo e ao mesmo tempo inocente de criança, é a menina que narra os acontecimentos que abriram as fendas por onde entraram seus piores medos, aqueles que são irreversíveis e podem levar à beira dos abismos. Nos últimos anos da infância, Claudia percebe que a vida chega ao fim e que essa ruptura pode ser uma escolha pessoal. É pelos relatos da mãe, obcecada por revistas de celebridades ― em especial pelas figuras femininas com finais trágicos, como Grace Kelly ―, que ela faz a correspondência entre a morte e as escolhas e passa a temer pelas decisões de sua progenitora.

Em meio à beleza e à violência da natureza, confrontando desejos inconfessos, criança e mãe se encontram e, assim, o destino da mais velha parece se debruçar sobre o abismo contra o qual tantas outras mulheres também já se depararam.



"Aos poucos o apartamento foi se enchendo de plantas até se transformar numa selva. Sempre pensei que a selva eram os mortos da minha mãe. Seus mortos renascidos." 

Impacto. Dor. Desespero. Reflexão. Certeza da brevidade da vida e de como escolhas podem nos abrir portas ou nos colocar num precipício, lutando entre a vontade de viver e de simplesmente acabar com tudo. 

Quando iniciei esta leitura não tinha sequer noção do que encontraria. O livro me atraiu pela capa e por seu título que te faz pensar de que tipos de abismos a história tratará... Isto porque o livro estava embalado e eu nunca tinha visto ninguém falar sobre ele. Comprei primeiro para só depois ler a sinopse e entender que ele acabaria por abordar transtornos psicológicos através da visão e narrativa de uma criança. 

"Pensei nas mulheres mortas. Debruçar-se em um precipício era olhar em seus olhos."

A leitura fluiu bem, mas foi bastante difícil justamente pelos temas abordados e por tudo ser mostrado através do olhar de uma menina, que entende o que os adultos se esforçam em negar: sua mãe estava doente, caindo lentamente num abismo do qual ela talvez não conseguisse tirá-la. É doloroso acompanhar o dia a dia dela na casa, rodeada pelas plantas (que são os mortos de sua mãe, como ela diz), tendo que lidar com os altos e baixos de sua genitora enquanto o pai prefere fingir que nada está acontecendo, preso em seu silêncio e em seu trabalho. 

Claudia, que tem o mesmo nome de sua querida mãe, é uma menina solitária e observadora. Tudo o que mais deseja da vida é receber da mãe a atenção que tanto tenta atrair. A atenção que ela dava para as plantas... que dava para suas revistas sobre celebridades e que dedicava aos finais trágicos de outras mulheres. Sua mãe mergulhava naqueles assuntos, como se ansiasse estar no lugar das mulheres cuja vida acabou tão de repente, de um golpe, deixando no ar a suspeita (mas nunca a confirmação) de suicídio. 

Através dos fragmentos que obtém do passado de sua mãe, e da relação existente entre ela e a avó, Claudia, com tão pouca idade, traça um paralelo com sua própria vida e a relação com sua mãe. Os erros cometidos por sua avó e repetidos em sua mãe, que jura que jamais seria como a outra, mas repete os mesmos comportamentos e palavras como se num ciclo inquebrável. 

"Fechei os olhos e surgiu um precipício. Abri e continuei vendo."

A Claudia mãe é uma mulher triste, que não admite para si mesma o quanto a tristeza a está consumindo. As escolhas de seus pais, o quanto não teve coragem para enfrentá-los e realizar seus sonhos. Como deu ouvidos somente para o que esperavam dela e se conformou com um casamento sem amor e em ser mãe quando na verdade não era o que queria. O que sonhava viver. Estar presa naquela vida era sentir-se morta. Amava a filha, mas gostaria de poder voltar no tempo... Teria aceitado o que aceitou? Novamente teria abandonado seus sonhos? Ou teria ido embora sem olhar para trás? Teria cursado a universidade? Teria fugido com o rapaz que amava? Queria apenas poder voltar e descobrir se tudo poderia ter sido diferente. 

Com a indiferença de um marido que só viu nela a sua beleza e a desejou como uma esposa "perfeita", padrão, e as obrigações da maternidade, Claudia encontra refúgio nas tragédias de outras mulheres... até que isso deixa de ser um escape. Então, seu humor começa a subir e descer de forma descontrolada, mas com alegrias bem fugazes e momentos prolongados de depressão, quando viver parece o pior dos castigos. 

A Claudia filha tenta conseguir a ajuda do pai, da tia... mas ninguém acredita que sua mãe está doente. Não era algo que se falasse, era mais confortável negar. E a menina precisa lutar para não permitir que sua mãe vá... que encontre o precipício, ao mesmo tempo que também só quer ser criança, estudar e brincar. Mas o abismo da mãe começa a invadir e destruir sua infância, transformando sonhos em pesadelos, brincadeiras em medos. 

"- Mamãe...
Não se via nada. 
- Mamãe!
[...] Quis me jogar no chão e começar a chorar. Parar de procurá-la. Que ela se jogasse do precipício e não voltasse. Que me deixasse sozinha com meu pai, afogada com ele no seu mar de silêncio."

Este é um livro muito sensível. Realmente impactante. Ainda não li A cachorra, o livro aclamado da escritora. Os Abismos foi meu primeiro contato com sua escrita e foi um início que me marcou e me fez desejar ler todos os seus escritos. Ela escreve com um cuidado, uma delicadeza que transborda pelas páginas. Conseguimos nos colocar no lugar da mãe e da filha e temer pelo final da história. Temer que seja uma luta perdida, até porque nenhuma das duas tem alguém que lhes estenda a mão, que as ajude naquele momento tão frágil.

Durante a leitura eu senti raiva. De todas as personagens que contribuíram para que mãe e filha chegassem àquele ponto. É verdade que a Claudia mãe fez as suas escolhas. Mas seus pais tiveram grande participação nisso. Ela estava sufocada. Eu sentia a agonia daquela mulher. Lendo era como se eu própria me sentisse presa naquela situação, na vida não desejada, condenada a seguir somente pelas obrigações. Ninguém queria que ela fosse ela de verdade. Tinha que ser o que esperavam dela. E ponto final. Como escapar? 

"Então eu o vi em seus olhos. O abismo dentro dela, igual ao das mulheres mortas [...], uma fenda sem fundo que nada pode preencher. 
- Este lugar é perfeito para desaparecer."

Ao mesmo tempo você sabe que existe amor entre mãe e filha. Ambas perdidas naquela situação. Com a filha em muitos momentos tendo que ocupar o lugar de mãe, tendo que cuidar daquela que lhe deu a vida. Quando a menina sentia medo de perdê-la, eu sentia uma dor dentro do meu peito. Sem saber como tudo terminaria, com medo do fim. Com medo de que nada fosse suficiente. 

É um livro que merece cinco estrelas e passagem direta para os favoritos. Me atingiu em cheio. Me fez refletir muito e de certo modo contribuiu para que eu dissesse "não" para certas situações que estava aceitando em minha vida. Viver é um privilégio. Mas a vida... ela é fugaz. Tudo pode acabar de um momento para o outro. E no que dedicamos os nossos dias? Em realizar nossos sonhos ou em ser o que esperam de nós, nos anulando pelos outros?

"Queria guardar aquele cheiro dentro de mim [...] O cheiro da minha mãe, para que eu nunca esquecesse. Acariciei sua testa e depois seus cabelos. Desembaracei os fios com os dedos até deixá-los lisos e brilhantes. Dei um beijo na sua testa e me deitei ao seu lado."


11 de novembro de 2020

Fique Comigo - Ayòbámi Adébáyò


Literatura Nigeriana
Tradutora: Marina Vargas
Tradução de: Stay with me
Editora: Harper Collins 
Edição de: 2018
Páginas: 240

66ª leitura de 2020 (57ª resenha do ano)

Sinopse: Finalista do Baileys Women’s Prize for Fiction, este romance de estreia inesquecível ambientado na Nigéria dá voz a marido e esposa enquanto eles contam a história de seu casamento ― e as forças que ameaçam destruí-lo.

Yejide e Akin se apaixonaram na faculdade e logo se casaram. Apesar de muitos terem esperado que Akin tivesse várias esposas, ele e Yejide sempre concordaram que o marido não seria poligâmico. Porém, após quatro anos de casamento ― e de se consultar com médicos especialistas em fertilidade e curandeiros, tomar chás estranhos e buscar outras curas improváveis ―, Yejide não consegue engravidar. Ela está certa de que ainda há tempo, mas então a família do marido aparece na sua casa com uma jovem moça que eles apresentam como a segunda esposa de Akin. Furiosa, chocada e lívida de ciúmes, Yejide sabe que o único modo de salvar seu casamento é engravidar. O que, enfim, ela consegue ― mas a um custo muito maior do que poderia ter imaginado. 

Um romance eletrizante e de enorme poder emocional, Fique comigo não apenas debate as questões familiares da sociedade nigeriana, como também demostra com realismo as mazelas e as dificuldades políticas enfrentadas pela população desse país nos anos 1980. No entanto, acima de tudo, o livro faz a pergunta: o quanto estamos dispostos a sacrificar em nome da nossa família?



Ela sempre desejou ser amada... Ter alguém que procuraria por ela se desaparecesse... Que sentiria a sua falta, que se importaria. Filha da segunda esposa de seu pai, que era polígamo e teve quatro ou cinco esposas aos mesmo tempo, mesmo numa família grande Yejide se sentia sozinha, uma intrusa dentro do seu próprio lar e tendo como único "aliado" apenas um pai que insistia em fazê-la recordar que seu nascimento lhe arrancara o grande amor da vida dele. 

Tendo perdido a mãe logo ao nascer, Yejide nunca conseguiu chamar nenhuma de suas madrastas de mãe, sabia que era desprezada por todas elas, que seus próprios meio-irmãos eram ensinados a excluí-la, a fazê-la se sentir sozinha. Pelas costas do pai sempre a tratavam muito mal e tudo o que ela mais desejava era fugir daquela vida. Em seu coração ainda acreditava que teria sua própria família. Que conheceria um homem que se contentaria em ter somente a ela como esposa, que juntos teriam três, quatro filhos e seriam muito felizes. Era o seu sonho. Sua esperança. 

"As coisas que importam estão dentro de mim, encerradas em meu peito como em um túmulo, onde permanecerão para sempre, meu baú de tesouros sepultados."

Ela o conheceu quando estava na faculdade. Como suas madrastas e todo o resto da família acreditavam que ela seria uma fracassada, que nunca conseguiria nada, Yejide lutou para cursar a faculdade. Como a viam como uma "perdida", ela decidiu que se casaria virgem. Sua existência se baseava em provar aos outros que ela não seria o que eles queriam. E Akin se mostrou compreensivo desde o primeiro instante. Eles se apaixonaram praticamente à primeira vista. Ela já tinha sido beijada por outros rapazes, mas somente os beijos dele a atingiam, a faziam sentir coisas que nunca antes experimentara. Ao seu lado ela se sentia amada. Era possível partilhar todos os seus segredos e inseguranças, seus sonhos e medos. 

Em pouco tempo estavam casados. Tudo era perfeito. Ela tinha sua profissão e ele também era bem-sucedido. Tinham seu lar, eram compatíveis de muitas formas e se divertiam com as tentativas de seus parentes de interferirem em suas vidas. Eram cúmplices, verdadeiros companheiros... pelo menos era nisso que Yejide acreditava. Foi nisso que ela acreditou por quatro anos. Que ninguém seria capaz de separá-los, que não existiam segredos entre os dois, que sempre poderia confiar no homem com quem se casara. Isso até aquela mulher ser levada até sua casa e apresentada como a segunda esposa de Akin.

"Hoje digo a mim mesma que foi por isso que me esforcei para aceitar cada nova humilhação: para ter alguém que procurasse por mim caso eu desaparecesse." 

O golpe foi forte demais. O choque, a descrença, a angústia... Não. Akin jamais teria a coragem de fazer aquilo com ela. Ele sabia o que ela tinha passado na infância, como odiava a poligamia, que não se casaria com um homem que quisesse ter mais de uma esposa. Ele sabia. Então, não podia ser verdade. Akin não poderia ter se casado com outra mulher, muito menos pelas suas costas. Devia ser uma brincadeira. Uma piada de mau gosto. 

Mas era verdade. De um momento para o outro, a vida de Yejide vira um inferno. Tudo o que ela dava como certo desmorona. Ela lutava desde o início do seu casamento para poder engravidar. Tinha tentado de tudo e os exames diziam que não havia nada de errado em seu corpo, que nada a impedia de engravidar. Então, embora sofresse por ainda não ter conseguido dar um filho a Akin, nunca passou pela sua cabeça que ele buscaria outra mulher. Que apenas por ela não ter engravidado nos quatro primeiros anos de casamento, ele se acharia no direito de quebrar todas as promessas e traí-la daquela forma. E o pior era vê-lo agindo como se tudo estivesse bem. Como se o que fez fosse algo absolutamente normal e aceitável. Como se ela não tivesse motivos para se sentir traída e em pedaços. 

"Não me sentiria melhor durante muito tempo. Já estava me desfazendo, como um lenço amarrado às pressas que se afrouxa e cai no chão antes que o dono perceba."

No entanto, mesmo destroçada ela ainda o amava. E precisava salvar seu casamento. A única maneira de impedir que a segunda esposa roubasse de maneira definitiva o homem que ela escolhera para estar ao seu lado por toda a vida... era engravidar. Ela precisava dar-lhe um filho. Deus teria piedade dela. Ele lhe daria o seu milagre, o seu bebê. Desistir não era uma opção. Ela salvaria seu casamento. 

Apenas lembrar deste livro já me deixa péssima. Com um aperto no peito, uma angústia enorme. Me arrependo muito de tê-lo lido, confesso. Preferia nunca ter conhecido esta história. Nunca ter mergulhado na dor da Yejide e em toda a violência que é cometida contra ela. 

Não. Não darei spoiler. Dizer que a protagonsta sofre violência em diversos níveis não é spoiler. Vocês precisariam ler para compreender, pois as coisas não são explícitas. E a autora cria um drama tão forte, "pinta" alguns personagens como pobres coitados que se "sacrificavam" por amor, que somente com muita atenção é que conseguimos perceber a violência... em suas mais diversas formas. Eu chorei muito com e pela Yejide. Sua dor atingiu um ponto vulnerável dentro de mim, de alguma maneira me identifiquei com ela... com sua solidão, seu desejo de ser amada e a traição que ela sofre daqueles que deveriam protegê-la. Em muitos momentos eu desejei sacudi-la, fazê-la acordar, parar de acreditar que as pessoas mudariam, que ainda era possível salvar o que estava perdido desde o começo. O sofrimento dela me marcou demais. Sinto como se eu própria mergulhasse num abismo quando recordo tudo o que se passou neste livro. É uma história que me fez muito mal. Que me deixou apenas dor. E por isso eu preferia nem ter lido. 

"Quando o fardo é pesado demais e o carregamos por muito tempo, até mesmo o amor se verga, racha, fica prestes a se despedaçar, e às vezes se despedaça de fato."

Já li muitos livros pesados, de fazer os olhos ficarem inchados de tanto chorar, mas a maioria deles, como O Caçador de Pipas e Corações Feridos, por exemplo, me deixou algo de bom, mesmo no meio de todo o inferno que os personagens viveram. São livros que me acrescentaram de alguma maneira, que me deixaram lições, que mesmo me fazendo mal também me fizeram bem. Fique Comigo não me deixou nada de positivo. Eu fiquei depressiva depois de concluir a leitura, chorando de um jeito como se eu própria tivesse sentido tudo no lugar da protagonista. Fiquei péssima, com um mal estar muito forte, como se estivesse ficando doente. Cheguei a decidir que não faria resenha, que não suportaria sequer falar deste livro. Mas mudei de ideia hoje, pois desde que terminei de lê-lo não consigo me concentrar em nenhum outro livro. Então, resolvi fazer a resenha na tentativa de me libertar um pouco da Yejide, da sua dor e todos os acontecimentos de sua vida. 

A história é contada em forma de carta. Na verdade, não são cartas trocadas entre os personagens nem nada, mas a narrativa nos faz sentir como se os protagonistas Yejide e Akin estivessem escrevendo um para o outro, entende? Eles estão contando a história deles para nós leitores, mas a sensação que fica é que estão falando um com o outro, que é algo particular, íntimo, que nos exclui. Em alguns momentos, também parece uma conversa com eles mesmos. Sabe quando falamos sozinhos?rsrs Ou quando escrevemos num diário, confessando coisas para nós mesmos. É uma narrativa diferente. Bem íntima e muito intensa. Mergulhamos profundamente nos sentimentos dos protagonistas, como se estivéssemos passando por tudo aquilo. Quer dizer... Mergulhamos nos sentimentos da Yejide. Nos do Akin, não. Sobre este personagem me recuso a falar senão vou começar a explodir aqui e não conseguirei parar. Apenas digo isso: eu o odeio. Com todas as minhas forças. 

"Talvez, quando pedimos ao Senhor que nos livre do mal, estejamos na verdade pedindo que nos livre de nós mesmos."

O livro começa pelo ano de 2008 e o que é narrado neste início nos confunde e preocupa. Já começamos a leitura em tensão, imaginando o que aconteceu para que as coisas chegassem àquele ponto. Então, logo em seguida a autora nos leva ao ano de 1985 para nos contar o que deu errado, para nos contar a história dos dois do ponto de vista deles. 

É uma história que nos rouba a energia. Eram dementadores, certo? Os monstros que provocavam pavor no Harry Potter? Que tiravam a felicidade e deixavam somente escuridão e desespero. É meio assim que me sentia enquanto lia este livro. Que ele estava me roubando o ânimo, a alegria e deixando somente dor. Só isso já mostra o talento da autora. Porque um autor conseguir envolver tanto assim os leitores é muito difícil. Não é qualquer autor que consegue fazer você sentir tanto assim uma história. 

Mas mesmo reconhecendo o talento da autora, a escrita maravilhosa e envolvente, vai demorar muito até eu ter coragem de ler outra história dela. Não quero ficar tão destroçada como fiquei com este livro. Tudo o que quero agora é conseguir esquecer que o li. Mas já sei que será impossível. 



-> DLL 20: Um livro de autor africano



30 de abril de 2020

O Mapa de um Desejo Impossível - Anuradha Roy

Literatura Indiana
Tradutora: Maria Fernanda Abreu
Editora: Nova Fronteira
Edição de: 2009
Páginas: 336

24ª leitura de 2020

Sinopse: Uma fotografia que se recusa a ficar parada. Retratada nela, uma casa que parece flutuar em um rio caudaloso de águas escuras... Com essa bela e instigante metáfora de sua própria narrativa, Anuradha Roy inicia o relato da história de três gerações de uma família bengalesa, de seus desejos e amores, seus dramas e correntezas mais profundas. Tudo começa na pequena cidade indiana de Songarh, onde Amulya e a esposa, Kananbala, constroem sua casa junto a um rio, com um belo jardim e um poço profundo, que nunca seca. Ali, a família vê crescer o número de vizinhos na rua pouco movimentada, envelhece, fala sobre amenidades durante o jantar... Certo dia, em 1927, Amulya salva Mukunda, uma criança nscida da relação entre o filho de um emprgado seu e uma moça de uma tribo, deixando-o num orfanato. Nesse meio-tempo, Nirmal, filho caçula de Amulya, casa-se com shanti, cuja casa paterna, em Manoharpur, também se situa às margens de um rio. É nessa casa que Shanti morre ao dar à luz Bakul. Quando a menininha está com quatro anos, Nirmal traz para a casa da família o garoto Mukunda, agora com seis anos. Apesar da oposição ferrenha de seu irmão e sua cunhada, uma vez que ninguém sabe a que casta o menino pertence, Mukunda passa a viver com eles, morando numa cabana no quintal e cuidando das tarefas domésticas. Bakul e Mukunda tornam-se amigos inseparáveis, mas, quando chegam à adolescência, essa amizade vai se transformando num sentimento mais profundo e as manobras familiares conseguem enfim afastar o rapaz da casa. Treze anos vão se passar até que Bakul e Mukunda voltem a se encontrar. E, a essa altura, a vida de todos mudou radicalmente. 



Um livro do qual eu pensei em me desfazer várias vezes. Eu o tinha adquirido através de uma troca em junho de 2013 e nunca sequer tinha ouvido falar da história. Creio que, na época, o que me chamou a atenção foi a capa melancólica, mas nem passou pela minha cabeça colocá-lo logo na lista de leituras. Simplesmente fui deixando o tempo passar... Cheguei a separar o livro algumas vezes, no intuito de trocá-lo ou doá-lo. Até o tirei da estante... Mas sempre sem entender o motivo, voltava atrás e decidia mantê-lo comigo. Talvez, bem lá no fundo, eu soubesse que não poderia abrir mão deste livro sem lê-lo. Talvez sentisse que ele se tornaria especial na minha vida. Que me marcaria

"Um dia ela desapareceria entre as árvores de verdade, e ninguém nunca mais a encontraria."

Não sei como falar de um livro tão complexo e intenso. Tão cheio de camadas, de dramas familiares, de escolhas equivocadas... Três gerações de uma mesma família. Mais de quarenta anos de uma história contada em 336 páginas. Ainda estou impressionada com o talento da autora em ter criado algo tão profundo, percorrendo tantos anos, em tão poucas páginas. Por incrível que pareça, elas foram suficientes...

Tudo começou em 1907. Amulya, sem se importar com a opinião de sua jovem esposa, resolveu se mudar de Calcutá para a pequena Songarh e ali estabelecer-se, construindo uma bela e sólida casa, que sobreviveria, quase sem deterioração, ao passar dos anos e guardaria em suas sombrias paredes os segredos daquela família. Aquele foi o começo do fim de Kananbala, a esposa de Amulya. O fim dos seus sonhos, das suas ilusões. Mas o início da história de seus dois únicos filhos: Kamal e Nirmal, que cresceriam juntos e cujos laços de sangue seriam colocados à prova pelos caminhos da vida. 

18 de março de 2020

Dilacerada - Helô Delgado

Literatura Brasileira
Autora: Helô Delgado
Editora: Coerência
Edição de: 2017
Páginas: 254
14ª leitura de 2020

"O que você faria se alguém do seu passado voltasse para a sua vida e você tivesse que enfrentar seus traumas?

Sinopse: Uma família peculiar. Uma mãe rigorosa. Um romance. Aos 27 anos, Vivian é uma adulta marcada por seu passado e leva uma vida reservada. Não confia em quase ninguém e acredita ser incapaz de amar. Quando menos espera, depara-se com uma situação delicada, a qual evita por vários anos: a necessidade de buscar ajuda profissional para falar sobre seu passado, seus sentimentos e enfrentar seus conflitos mais profundos. 



Eu achava que 2019 tinha sido um ano extremamente difícil. E realmente foi. Mas acredito que muitos de nós estão sentindo falta dele, não é? :( Ninguém, ninguém mesmo, poderia imaginar que 2020 nos traria um pesadelo tão grande.

Só neste início de ano já tivemos chuvas fortíssimas, enchentes, desabamentos, mortes causadas por essas chuvas e agora esse vírus maldito, que está tirando a vida de milhares de pessoas pelo mundo. Eu estou completamente chocada e muito, muito angustiada. Minhas leituras, que já estavam afetadas por conta de tudo o que passei com as chuvas, ficou ainda mais prejudicada. Isso porque eu já sofro de ansiedade e essa grande quantidade de informações sobre o coronavírus me fez ter crises de ansiedade. E é uma luta para conseguir controlá-las e ficar bem.

Mas de nada nos adianta entrar em pânico. É momento de mantermos a calma e seguirmos as orientações do Ministério da Saúde e dos especialistas. Por isso, peço POR FAVOR, que todos que puderem ficar em casa, fiquem!!! Não saiam! Lavem as mãos com frequência (com água e sabão), passem álcool em gel a 70%, evitem aglomerações, evitem contatos físicos, tenham cuidado especial com idosos e pessoas com doenças crônicas e/ou que afetem a imunidade e tornem essas pessoas mais vulneráveis a complicações causadas pelo vírus. Vamos todos ter amor a nós mesmos e ao próximo!

Tentando manter a normalidade, na medida do possível, continuarei lendo (é momento para lermos ainda mais, pois os livros são ótima companhia para mantermos a sanidade mental durante a quarentena) e postando resenhas no blog. Talvez eu faça também um post com dicas especiais de leituras para aliviarmos nosso coração durante esse período.

"- Mesmo quando pessoas muito próximas nos machucam, não conseguimos extinguir os sentimentos que temos por elas."

Quando comecei a leitura deste livro não fazia ideia do que esperar. Imaginava que tinha um certo drama, algo envolvendo acontecimentos do passado da protagonista. Mas não sabia que o livro abordaria assuntos como relacionamentos familiares abusivos. E que a Vivian, mocinha da história, passaria por um trauma tão, mas tão grande.

Ela tinha apenas quinze anos quando o conheceu. Filha de uma mãe controladora e perfeccionista, não tinha contato com o mundo além de sua casa e o quintal da propriedade. A única outra pessoa que via além da mãe e da irmã mais nova (com Síndrome de Down), era a dona Célia, responsável por dar aulas às duas adolescentes diariamente, no interior da casa. Vivian passava cada dia sob o controle da tensão, pois antes de sair para trabalhar a mãe sempre deixava uma lista de afazeres, que a adolescente precisava cumprir com PERFEIÇÃO, caso contrário existiriam consequências. Ela precisava ter um comportamento perfeito e abrir a boca para dizer sempre o que agradasse à mãe. Sentia em seu coração muito medo de desafiar as regras impostas por ela. Não por si mesma, mas pelo que a mãe poderia fazer com Valéria, sua irmã mais nova. Vivian fazia tudo o que podia para protegê-la.

"Existem algumas passagens das nossas vidas que são complicadas de serem lembradas. Muito mais simples deixá-las trancafiadas no fundo de nossa memória."

Ela o conheceu numa tarde, durante os breves momentos em que sua mãe a deixava ir ao quintal "respirar" um pouco antes de ficar presa novamente em casa. Nunca o tinha visto por ali e ficou bastante surpresa, mas também de certa forma atraída. Tinham a mesma idade e Vivian ansiava por poder conversar com alguém além da irmã, da mãe e de dona Célia. Seria tão errado assim fazer amizade com outro adolescente?

Mesmo que sentisse que seu contato com Lucas não deveria provocar reprovações, sabia que precisava esconder aquela relação da mãe. Ela não era uma pessoa normal. Nunca se sabia como poderia reagir e Vivian faria todo o possível para ser amiga dele pelo máximo de tempo que conseguisse.

"Você já quis voltar no tempo e poder mudar alguma coisa?"

Ao lado de Lucas, ela vive os momentos mais lindos de sua vida. Ainda que se encontrassem escondidos e por poucos minutos, ainda que sentisse que tudo poderia acabar abruptamente, Vivian não desperdiçou nenhum instante que o destino lhe deu. Mas quando tudo chegou ao fim.... foi mais traumático do que qualquer pessoa poderia imaginar. Nada. Nada a preparou para um trauma tão grande.

Agora, aos vinte e sete anos, formada em biologia marinha e com um futuro promissor pela frente, o aparecimento de alguém de seu passado a força a revisitar antigos sofrimentos e encarar as feridas deixadas por toda aquela dor.

"Era tão complicado processar tudo, que, na maior parte do tempo, me recusei a pensar."

A história não é dividida em capítulos, mas em "semanas", conforme acompanhamos as sessões de tratamento da nossa protagonista que decide procurar ajuda psicológica para finalmente conseguir lidar com todas as marcas emocionais deixadas por seu passado (que é realmente muito doloroso). É através de cada consulta que conhecemos os acontecimentos de mais de dez anos atrás, ao passo que Vivian vai se abrindo e contando tudo o que aconteceu até que ela chegasse àquele ponto.

Tudo é contado bem aos poucos, ao longo de trinta e uma semanas. Então, quando a protagonista chega à cena mais dolorosa, não é só a psicóloga que sofre um grande golpe (pois ela também era humana), mas também nós leitores, que ficamos chocados e precisamos interromper por uns minutos a leitura, tentando entender como aquilo poderia ter acontecido. Eu me senti sem chão. Naquele momento a autora conseguiu me fazer chorar, sentir muitíssimo por tudo o que a Vivian passou, sendo apenas uma adolescente.

"Eu me sinto como se estivesse quebrada, sabe? Falta alguma coisa..."

Eu detestei profundamente a mãe da Vivian. Mulher desequilibrada, doentia. Tratava as filhas como prisioneiras, como se fossem propriedades dela, como se não tivessem sentimento nem nada. Fica mais que evidente, em diversos momentos das lembranças da protagonista, que ela vivia presa a um relacionamento abusivo com a mãe. Não são só companheiros (as), namorados (as), maridos/esposas, que podem prender uns aos outros numa relação tóxica, abusiva. Familiares também podem ser tóxicos. Uma mãe ou um pai pode sim exercer tal controle físico e emocional sobre os filhos ao ponto de se tornar uma relação nociva, doentia.

Conforme Vivian vai lembrando do dia a dia, do medo terrível que sentia, imaginando sempre que a mãe poderia ser capaz de fazer algo muito ruim, nós vamos nos sentindo "sufocados", como se estivéssemos dentro daquela casa com ela, como se passássemos pelas mesmas coisas. É horrível. E aí começam os meus motivos para ter dado 3 estrelas ao livro e não 5 ou 4.

A história da mocinha me atingiu profundamente. É comovente, dolorosa, nos provoca empatia, nos faz sofrer com ela. E torcer para que ela consiga se recuperar e ter o seu sonhado "felizes para sempre". E eu não gostei da maneira como certas coisas foram conduzidas.

Sei que é uma história de perdão e recomeço. De livrar-se de um passado que influenciava toda a vida da protagonista. De conseguir se libertar para ser feliz. Ainda assim, não havia, na minha opinião, necessidade de construir certas cenas. Algo que não posso explicar direito, pois precisaria dar spoilers. Mas o que posso dizer é que senti que todos os personagens (tirando os amigos da Vivian e uma outra personagem) jogavam com ela. O tempo todo. Manipulando, fazendo da vida dela o que bem entendiam. E ela permitia isso. Aquilo não era cura, era se deixar fazer de idiota. Desculpa, mas é assim que penso.

Primeiro, o suposto amor do Lucas pela Vivian não me convenceu. Nem por um instante. Se ele realmente a amava, não sabia como de verdade se ama alguém. O que já me fez tirar uma estrela do livro, pois eu enxergava algo de errado naquela relação. Algo que não era muito saudável (lembrando que é apenas a minha opinião). Mesmo assim, como era acima de tudo a história da Vivian e da sua superação, eu ainda pretendia dar quatro estrelas. Eu já tinha lido 90% do livro e seguia confiante de que daria quatro estrelas. E aí veio a revelação bombástica do livro. Algo que me pegou completamente de surpresa. E a história desandou.

Por quê? Porque foi aí que vi o quanto os personagens jogaram com a Vivian. O quanto brincaram com ela, manipularam, fizeram o que bem entenderam, sem se importar com sua dor, com seus sentimentos. Não se faz algo como aquilo. Nunca. É muito grave. Se eu já não acreditava no amor de certos personagens, depois daquilo se tornou impossível qualquer tentativa de eles me convencerem do contrário. Não tinha mais retorno, sobretudo, porque o livro chega ao fim poucas páginas depois, com a Vivian aceitando como "normal" e "justificável" o grande mal que aquelas pessoas lhe fizeram. Como assim, pelo amor de Deus?! Isso foi surreal para mim.

"Pretendo deixar para trás tudo o que vivemos de ruim. Sei que não posso fugir de quem sou e do que passei, porém, posso escolher ao que me apegar."

Isso não significa que acho a história ruim. Na verdade, de modo geral, é muito boa. Extremamente envolvente, faz com que nos apeguemos à protagonista. Sofremos com ela, torcemos para que seja muito feliz. E é provavelmente por isso que me revoltei tanto. Que não aceitei o que fizeram com ela. Seria impossível. Eu queria era socá-los.

Fiquei com raiva da Vivian por permitir que aquela gente fizesse parte de sua vida, quando não eram dignos disso. Fiquei com muita raiva. Mas ao mesmo tempo reconheci que não sou ninguém para julgá-la pelas decisões que ela tomou diante de tudo o que passou, de tudo o que teve que enfrentar. Se era assim que ela conseguiria recomeçar, se era desse jeito que ela encontraria a felicidade, eu precisava aceitar, mesmo desejando esganar aqueles infelizes. Ela era livre para fazer as escolhas que considerasse as melhores para a própria vida. Era um direito dela.

Eu amei a escrita da autora e a admiro por ter conseguido construir toda a história através de semanas de tratamento psicológico da protagonista. É uma maneira diferente de narrar, de conduzir uma história, algo que eu já vi parecido apenas nos suspenses psicológicos da Chevy Stevens (e mesmo assim é um tanto diferente). É muito fácil ler o livro, a narrativa é deliciosa e fiquei com muita vontade de conhecer outras histórias dela.


-> DLL 20: Um livro de autora brasileira


6 de janeiro de 2020

As Mil Partes do meu Coração - Colleen Hoover

Literatura norte-americana
Título Original: Without Merit
Tradutora: Ryta Vinagre
Editora: Record
Edição de: 2018
Páginas: 336

1ª leitura de 2020
Sinopse: Nem todo erro merece uma consequência. Às vezes a única coisa que ele merece é o perdão. Os Voss são uma família peculiar e cheia de segredos. Eles moram em uma antiga igreja, batizada de Dólar Voss. A mãe, curada de um câncer, vive no porão, e o pai e o restante da família, no andar de cima. Isso inclui sua nova esposa - ex-enfermeira da ex-mulher -, o pequeno Moby, fruto desse relacionamento, o filho mais velho, Utah, e as gêmeas idênticas Merit e Honor. E, como se a casa já não estivesse cheia o bastante, ainda chegam o excêntrico Luck e o misterioso Sagan. Mas Merit sente que é o oposto de todos ali, que sempre está fazendo algo de errado e, consequentemente, que algo ruim está acontecendo com ela. Além de colecionar troféus que não ganhou, Merit também coleciona segredos que sua família insiste em manter. Assim, começa a acreditar que não seria uma grande perda se um dia ela desaparecesse. Mas, antes disso, a garota decide que é hora de revelar as verdades mais sombrias da família e obrigá-los a, enfim, encarar o que aconteceu. 
No entanto, seu plano não sai como o esperado e ela deve decidir se pode dar uma segunda chance não apenas à sua família, mas também a si mesma. As mil partes do meu coração mostra que nunca é tarde demais para perdoar e começar a construir pontes. 



As Mil Partes do meu Coração não estava nos meus planos de leitura de janeiro, mas como resolvi participar do Desafio Literário Livreando 2020 e estou fazendo parte do grupo no WhatsApp, acabei sabendo da leitura coletiva deste livro e, no fim das contas, li este antes mesmo de ler o primeiro do DLL 2020.rsrs

"Será que a morte é assim? Apenas um... nada?"

Esta foi minha primeira experiência com a escrita da autora. Há tempos vejo leitores falando extremamente bem dela, do quanto seus livros os transformaram, de que não conseguem ficar sem ler nada da Colleen. E confesso que eu morria de curiosidade. Ao ponto de adquirir dois livros dela e ficar morrendo de vontade de descobrir o que ela tem de tão especial para encantar tanta gente, de considerar passar o livro na frente de vários outros, como de fato fiz.rs

Logo de início me vi envolvida pela história. Só o primeiro capítulo já nos mergulha na vida e nos pensamentos da protagonista, a jovem Merit, de dezessete anos, que coleciona troféus que nunca ganhou (sempre que algo ruim acontece em sua vida, ela compra um troféu), possui uma irmã gêmea que não faz a menor questão de ser sua amiga, um irmão mais velho que odeia em segredo há anos, um pai que despreza por ter traído sua mãe quando ela estava lutando contra um câncer, uma madrasta que ela faz questão de infernizar, uma mãe agorafóbica que vive no porão da casa do ex-marido traidor, e um irmãozinho chamado Moby, fruto da traição do seu pai e o único membro daquela casa que ela não detesta. 

"O que as pessoas não sabem é que não existe família perfeita, por mais branca que seja a cerca."

Criada num lar onde todos parecem se importar apenas com a própria vida e insistem em comportamentos egoístas que acabam por afetar os outros membros da família, Merit, ao iniciarmos a leitura, já chegou a um ponto em que a dor se transformou em indiferença... ou, pelo menos, é nisso que ela acredita. Já não se importa com a distância e a imaturidade do pai. Não se importa se sua irmã gêmea prefere ser próxima apenas de Utah, seu irmão mais velho, e fazer de conta que ela não existe. Não a afeta que Utah também pareça considerá-la invisível e nunca a convide para suas saídas. Pouco lhe interessa que sua madrasta continue ocupando o lugar que um dia foi de sua mãe e que, sua mãe, por sua vez, esteja há mais de dois anos sem sair do porão que transformou em casa e há muito tenha deixado de desempenhar o papel que lhe cabia. Merit sabia que só podia contar consigo mesma. Fazia séculos que desistira daquela família.
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