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11 de dezembro de 2020

A Sociedade Literária e a Torta de Casca de Batata - Mary Ann Shaffer e Annie Barrows


Literatura norte-americana
Título Original: The Guernsey Literary and Potato Peel Pie Society 
Tradutora: Léa Viveiros de Castro
Editora: Rocco
Edição de: 2009
Páginas:304

 69ª leitura de 2020 (60ª resenha do ano)

Sinopse: Janeiro de 1946: enquanto Londres deixa para trás a sombria realidade da Segunda Guerra Mundial, a escritora Juliet Ashton busca um novo tema para seu próximo livro. Quem poderia imaginar que o encontraria na carta enviada por um homem desconhecido?


Morador da longínqua Guernsey, ilha britânica ocupada pelos nazistas durante a guerra, Dawsey Adams havia se deparado com o nome de Juliet na folha de rosto de Seleção de ensaios de Elia. Foi assim que decidiu corresponder-se com a autora. Talvez ela o ajudasse a encontrar mais livros do ensaísta romântico Charles Lamb. 


Tem início, assim, uma correspondência intensa: na troca de cartas, Juliet toma conhecimento da Sociedade Literária de Guernsey, formada por Dawsey e seus amigos. De criadores de porcos a frenólogos, eles decidiram que um clube de livro seria o melhor álibi para não serem capturados pelos alemães. 


Nas cartas que recebe de Dawsey e, depois, dos outros membros da sociedade, Juliet passa a conhecer a ilha, o gosto literário de cada um e uma famosa receita de torta de casca de batata, além do impacto transformador que a recente Ocupação alemã teve na vida de todos. Cativada por suas histórias, ela parte para Guernsey, e o que lá encontra irá transformá-la para sempre. 


Escrito com senso de humor e delicadeza, este romance epistolar é uma celebração da palavra escrita em todas as suas formas. 



É sempre mais difícil falar de um livro que se torna um favorito do nosso coração. Parece que as palavras simplesmente somem, escapam, e não sabemos como expressar o imenso amor que sentimos por uma história, a forma como ela nos atingiu e nos arrancou muitas lágrimas e sorrisos... assim, bem misturado mesmo. Em alguns momentos eu realmente ria e chorava ao mesmo tempo. 


Histórias que possuem como tema a Segunda Guerra Mundial sempre são dolorosas, ainda que o escritor tente contar as coisas de forma mais leve, apelando para o humor para tornar menos pesados certos acontecimentos. Ainda assim, essas histórias machucam. Abrem feridas não totalmente cicatrizadas dentro de nós que nunca esquecemos o passado podre da humanidade. É o mesmo que se passa com livros que falam da escravidão, das ditaduras e diversas outras barbaridades que mancham de sangue o nosso mundo, que nós seres humanos insistimos em destruir ao mesmo tempo que destruímos uns aos outros. A Mary Ann Shaffer tenta muito tornar sua história bem leve, com muito humor, e embora eu tenha rido bastante com algumas cenas, eu também chorei muito. E o que mais me marcou neste livro foi justamente isso: o sofrimento que os personagens, por mais otimistas e corajosos que fossem, jamais seriam capazes de esquecer. Como um trecho do livro bem diz: "A guerra agora faz parte da história de nossas vidas, e não há como esquecê-la." 


Eu não vou fazer um resumo muito grande do livro, pois a sinopse é bastante completa e te dá uma clara noção do que encontrará na história. Aqui temos um início bem parecido com o de Querida Sue (outro livro que me arrancou muitas lágrimas), quando há uma troca de cartas entre um leitor e uma escritora que nunca tinham se visto na vida, mas que se conectam através das palavras escritas como se fossem amigos de longa data. 


Juliet, uma jovem escritora e jornalista de trinta e dois anos, não sabia sobre o que escrever agora que a guerra havia acabado e ela estava cansada da série de histórias que a tinha tornado famosa, mas que não lhe dava tanto prazer assim. Queria falar de algo diferente, mais profundo. Sua vida estava um tanto bagunçada, pois pouco antes do fim da guerra, seu apartamento foi bombardeado e ela perdeu tudo o que ali tinha, incluindo os livros que tanto amava. Mas o que lhe acontecera não era nada comparado com o que milhões de pessoas enfrentaram durante aquela sangrenta e desesperadora guerra. 


"Mas a verdade é que estou deprimida - mais deprimida do que jamais estive durante a guerra. Tudo está tão destruído, Sophie: as ruas, os prédios, as pessoas. Particularmente as pessoas."

 

A vida sem perspectiva de Juliet muda quando ela começa a se corresponder com Dawsey Adams, um morador das Ilhas do Canal, local invadido e ocupado pelos nazistas durante a guerra, cujos habitantes sentiram de perto o terror de conviver com os inimigos. Dawsey havia encontrado um antigo livro que tinha pertencido a Juliet (seu nome e seu antigo endereço estavam na contracapa), então ele lhe escreve para lhe pedir o favor de indicar alguma livraria em Londres, que pudesse lhe enviar mais livros do autor, pois embora os nazistas tivessem partido, já não existiam mais livrarias em Guernsey.


Através da troca de cartas, Juliet fica sabendo sobre a Sociedade Literária e Torta de Casca de Batata de Guernsey e a forma como ela surgiu. Assim, acaba decidindo escrever sobre os membros daquela sociedade e como a literatura desempenhou um papel importante para tornar mais suportável os cinco anos em que estiveram sob o domínio do exército nazista. As cartas que antes trocava apenas com Dawsey, se tornam ainda mais significativas quando diversos outros moradores de Guernsey passam a lhe escrever e compartilhar suas experiências de leitura e de vida. Não demora para que ela se sinta parte daquele lugar e deseje conhecer pessoalmente aquelas pessoas que já sentia serem suas amigas. 


E é assim que a narrativa é construída: por meio de cartas. Trata-se, portanto, de um romance epistolar, no qual a autora (e sua sobrinha Annie Barrows, que foi quem finalizou o livro, pois a tia adoeceu pouco antes de concluí-lo) mostra todo o seu talento. Sempre considerei a narrativa epistolar algo sensacional e muito difícil de funcionar se o autor não souber o que está fazendo. Tem que ter talento e tomar muito cuidado para não se perder e tornar a história algo sem nexo. Felizmente, as autoras fizeram um excelente trabalho, nos proporcionando uma leitura emocionante, fazendo com que nós leitores também nos sentíssemos parte de Guernsey e da vida dos personagens. Eu desejei muito me mudar para lá.rs Mas só se pudesse conhecer Dawsey, Amelia, Isola, Eli e seu avô, e a pequena Kit, o que é impossível, já que são todos fictícios (esta é a parte ruim da leitura, querermos que os personagens sejam reais). 


Os membros da sociedade literária de Guernsey são muito diferentes uns dos outros e a maioria não tinha o hábito de ler. Eles tinham se reunido uma noite para comer um porco que tinham conseguido esconder dos nazistas. Era um período muito difícil, em que havia pouco o comer, em que tudo faltava. Acontece que após o excelente e raro jantar, alguns deles acabaram sendo parados pelos soldados inimigos (tinham violado o toque de recolher) e Elizabeth, com bastante coragem, inventou a mentira sobre uma reunião literária e que tão distraídos com os livros acabaram não percebendo o tempo passar. Era uma mentira difícil de "colar", mas contra todas as probabilidades funcionou. Então, Elizabeth resolveu tornar a mentira real e fundou a sociedade literária. Algo que se tornou um refúgio para aquelas pessoas, que viram na literatura uma chance de escapar, mesmo que por poucas horas, do horror da guerra.


"Nós nos agarramos aos livros e aos nossos amigos; eles nos faziam lembrar que havia um outro lado em nós. Elizabeth costumava recitar um poema. Não me lembro dele todo, mas começava assim: 'Será algo tão insignificante ter apreciado o sol, ter se alegrado na primavera, ter amado, ter pensado, ter feito, ter cultivado amizades verdadeiras?' Não é. Eu espero que, onde quer que esteja, ela se lembre disso."

 

Eu não consigo falar da Elizabeth sem chorar. E não posso dar spoiler. Portanto, não me verão mencionando muito sobre ela. Só digo que é a personagem que mais me marcou neste livro. Aquela que tornou a leitura tão especial, tão emocionante. 


Como eu disse, o livro tem uma narrativa leve, divertida, que nos arranca sorrisos e até gargalhadas. Mas também não nos poupa das realidades brutais da guerra e é impossível segurar as lágrimas diante de certas lembranças dos personagens. Sentimos dor e sentimos ódio. Uma vontade enorme de matar aquelas pessoas cruéis, dignas de serem chamadas de monstros e que destruíram tantas vidas. 


O livro fala de literatura, amizade, recomeço, fé, esperança... bondade. Amor em suas mais diversas formas. Mas também fala de fome, perdas, tortura, desaparecimentos e assassinatos. Não dá para falar de Segunda Guerra Mundial sem mencionar toda essa dor. 


A história termina de forma engraçada e bonita, mas considerei um final tão abrupto! Eu cheguei a dar um grito aqui, chocada. Falei: "Não! Não acredito que elas terminaram o livro assim!"kkkkkk Fiquei frustrada?! Com certeza! Esperava um final diferente. Mesmo assim, isso em nada diminuiu o imenso amor que sinto por esta história. É uma querida do meu coração. 


P.S.: Eu pensei em assistir o filme baseado no livro, mas antes resolvi ver o trailer. Resultado: não gostei. Pelo trailer já percebi que fizeram várias mudanças, inclusive na personalidade dos personagens. E isso me fez tomar a decisão de não ver o filme. 



13 de julho de 2020

Flores para Algernon - Daniel Keyes

Literatura norte-americana
Título Original: Flowers for Algernon
Tradutora: Luisa Geisler
Editora: Aleph
Edição de: 2018
Páginas: 288

36ª leitura de 2020

Sinopse: Uma cirurgia revolucionária promete aumentar o QI do paciente. Charlie Gordon, um homem com deficiência intelectual severa, é selecionado para ser o primeiro humano a passar pelo procedimento. O experimento é um avanço científico sem precedentes, e a inteligência de Charlie aumenta tanto que ultrapassa a dos médicos que o planejaram. Entretanto, Charlie passa a ter novas percepções da realidade e começa a refletir sobre suas relações sociais e até o papel de sua existência. 
Delicado, profundo e comovente, Flores para Algernon é um clássico da literatura norte-americana. A obra venceu o prêmio Nebula e inspirou o filme Os Dois Mundos de Charlie, ganhador do Oscar de Melhor Ator, um musical na Broadwaye homenagens e referências em diversas mídias.




Eu tinha ouvido falar muito sobre este livro, mas de modo algum poderia imaginar que ele me marcaria tanto. Que me destroçaria. Que me faria pensar em tantas coisas...

Não sei como falar de tudo o que sinto, do quanto fui impactada pelo Charlie e a história dele. Como chorei até não ter mais forças. Quando nos colocamos no lugar deste protagonista sentimos sua dor em nossa pele, sentimos como se tudo aquilo estivesse acontecendo em nossa vida. E é simplesmente horrível. 

"[...] inteligência e educação sem doses de afeto humano não valem droga nenhuma."

Charlie Gordon é um homem de 32 anos com uma deficiência intelectual grave, que desde os 15 anos trabalhava como faxineiro na padaria de um amigo de seu tio. Muito esforçado, sonhava em aprender a ler e escrever, algo que nunca tinha conseguido, e por isso buscou se matricular em aulas especiais voltadas para adultos com problemas de aprendizado, que lutavam para aprender o máximo que pudessem. 

Inocente como uma criança, acreditava ter muitos amigos entre seus colegas de trabalho e não percebia o desprezo, a zombaria e os ataques deles, enxergando tudo como uma "brincadeira", incapaz de notar a maldade daqueles que tanto admirava e tinha como sua família. Não conseguia recordar o seu passado. Esquecia logo em seguida muito do que aprendia; em suas próprias palavras "não sabia pensar", não lembrava como tinha chegado naquela padaria na qual trabalhava há dezessete anos e nem quem eram os seus pais, se estavam vivos ou mortos, onde moravam... Nada. Seu passado era como uma página manchada, na qual todas as informações tinham sido cobertas com tinta. 

Por conta de seu esforço em aprender a ler e escrever, mesmo com inúmeras dificuldades, foi escolhido como o primeiro ser humano a ser submetido a uma cirurgia que prometia "tornar a pessoa inteligente". Os cientistas envolvidos no experimento viam que as vantagens, as chances de sucesso eram muito maiores que os riscos e tinham quase total confiança que daria certo. 

"Depois da operasão vou tentar ser esperto. Vou tentar com toda minha força."

Fascinado com a promessa de ser tão esperto quanto as outras pessoas e com isso fazer mais amizades, Charlie aceita ser usado naquela experiência, mesmo que também sentisse medo. A cirurgia acaba sendo um grande sucesso, possibilitando que ele vá muito além de simplesmente aprender a ler e escrever. Sua inteligência supera as expectativas. Quanto mais o tempo passa, mais inteligente, excepcional ele se torna, ao ponto de ser considerado um gênio. Mas... tudo na vida tem um preço. 

16 de fevereiro de 2020

Os Sofrimentos do Jovem Werther - Johann Wolfgang von Goethe

Literatura Alemã
Título Original: Die leiden des jüngen Werthers
Tradutor: Marcelo Backes
Editora: Folha de São Paulo
Edição de: 2016
Páginas: 144
9ª leitura de 2020

Coleção Folha Grandes Nomes da Literatura #15
Sinopse: Os sofrimentos do jovem Werther foi um dos primeiros best-sellers europeus. Lançou modas de comportamento e mesmo de roupas; é também uma história de amor impossível. Mas este primeiro romance de Goethe (1749-1832), mestre maior da literatura alemã, foi ainda uma obra que marcou uma virada importante nas ideais artísticas, morais e sociais da Europa do fnal do século XVIII, e se tornou precursora do romantismo. Publicado pela primeira vez em 1774, trata-se de um romance composto de cartas escritas por um jovem burguês hpersensível, Werther. Inclinações artísticas, modos e pensamentos levam o jovem Werther a entrar em conflito com convenções e preconceitos da sociedade aristocrática, na qual acaba esnobado e humilhado. Além do mais, apaixona-se por Lotte, jovem também sensível, mas já noiva e depois esposa de um homem de senso prático da vida. As frustrações de Werther acabam por levá-lo ao suicídio, atitude que foi imitada por vários de seus leitores e causou grande escândalo na época. 



Eu não sei como falar deste livro. Do impacto que ele provoca em quem o lê, da confusão de sentimentos... do "peso" que deixa em nossos corações.

"Tudo aquilo que me foi dado encontrar na história do pobre Werther, eu ajuntei com diligência e agora deposito à vossa frente, sabendo que havereis de me agradecer por isso. Não podereis negar vossa admiração e vosso amor ao seu espírito e ao seu caráter, nem esconder vossas lágrimas ao seu destino."

Esta é uma leitura que eu deveria ter feito no ano passado, mas tive medo de ler o livro e acabar ficando muito mal, pois tinha conhecimento que esta história havia provocado uma onda de suicídios quando de sua publicação. Muitos jovens infelizmente desistiram de viver e fico imaginando como o autor deve ter se sentido, pois com certeza não imaginava tamanha reação à sua obra. Só de imaginar aquelas pessoas colocando fim à própria vida, eu me sinto muito mal. Então o autor deve ter ficado arrasado.

"Tu sabes que não existe no mundo nada tão instável, tão inquieto quanto o meu coração."

O livro pesa, a sensação que nos deixa é de um imenso "peso nos ombros", porque lidar com todos os sentimentos do jovem Werther não é fácil, é desgastante emocionalmente. E acabamos sim nos identificando com muitos dos pensamentos e sentimentos do protagonista, que sente a vida de maneira intensa, apaixonada. Com ele não existe meio-termo. Nada é moderado. Ama e odeia com a mesma força. Está sempre sentindo o mundo e o enxergando de uma maneira que poucos sentem e veem. É isso que acaba tornando tudo forte demais. Insuportável para ele. :( E isso não é spoiler: sabemos desde o início da leitura que Werther se suicidou. A história é contada após a morte dele.

14 de agosto de 2017

As Relações Perigosas - Choderlos de Laclos

(Título Original: Les Liaisons Dangereuses
Tradutor: Sérgio Milliet
Editora: Nova Cultural 
Edição de: 2002)

Você está prestes a ler uma obra 'diabólica'. A crítica, que não poupou adjetivos para desclassificar As ligações perigosas quando do seu lançamento, em 1782, não chegou nem perto de captar a poderosa ambiguidade deste marco da literatura epistolar. Choderlos de Laclos (1741-1803) construiu um romance em cujo primeiro plano se destacam as relações amorosas, a perda da inocência e a traição, mas cujo pano de fundo é um dos mais sofisticados e ferinos retratos da aristocracia pré-Revolução Francesa e uma sofisticada reflexão sobre a hipocrisia do poder. Além disso, o livro teve inúmeras adaptações para o teatro e para o cinema.

A Marquesa de Merteuil e o Visconde de Valmont, apesar de todo o luxo que os rodeia e da extrema cortesia e sofisticação que aparentam, personificam o que há de mais vil na humanidade. Ex-amantes, os protagonistas destas 175 cartas fingem e manipulam as pessoas a seu bel-prazer. Talvez para testar seu poder, talvez para passar o tempo, tecem um plano de sedução e vingança para provar que não são manipuláveis e descartáveis como os outros. Esse plano é descrito com requintes de perversidade por eles em cartas nas quais revelam seus mais íntimos pensamentos - e o fazem com tanta precisão que na época imaginou-se que o romance era, na verdade, uma reunião de cartas verídicas sobre fatos que realmente aconteceram.



Palavras de uma leitora...


- No início do ano passado, eu assisti uma minissérie em 10 capítulos da Globo chamada Ligações Perigosas. Seduzida pelas chamadas da emissora e pelo fato de contar com atores dos quais gosto muito, resolvi ver o primeiro capítulo. Fiquei imediatamente presa ainda que pudesse prever que nada terminaria bem. Naquela época, ainda não conhecia o livro. Não fazia ideia do que se tratava, mas toda a perversidade que transparecia em Isabel e Augusto, protagonistas e antagonistas dessa história, deixou mais do que claro que o final seria trágico. Não foi com surpresa que vi a sucessão de desgraças que ocorrem nos últimos episódios. Mesmo assim, o fim de uma personagem em especial me marcou bastante. 

Quando falei da minissérie aqui, disse: "É uma história forte, sensual e sombria. Mostra o lado escuro do amor, da paixão e das relações humanas." E o mesmo, é claro, se aplica ao livro. Creio que nunca li um clássico (depois de O Morro dos Ventos Uivantes) que me impactasse como esta história. Heathcliff é um anjo perto da marquesa de Merteuil e do visconde de Valmont. Eles sim podem ser chamados de demônios. Mas ela... muito mais que ele. 

"Quem deixaria de estremecer pensando nas desgraças que pode causar uma só relação perigosa!"

A senhora de Volanges não poderia prever os perigos que ameaçariam a vida de sua filha ao tirá-la do convento no qual a menina passara toda sua vida. Aos 15 anos de idade, nada conhecia do mundo ou das perversidades humanas. Crescera protegida de tudo, sendo tirada da segurança daqueles muros apenas para casar-se, conforme ocorria com várias moças de boa família. Embora sua mãe não tivesse deixado claro que a casaria, Cécile sabia que não teria sido autorizada a ir para casa por outro motivo. Assim, de certa forma ansiosa pelos acontecimentos do seu futuro, não deixa de ficar deslumbrada pela vida diferente da que até então tivera no convento, ainda que seguisse tendo que obedecer à regras e à autoridade de sua mãe que a mantinha constantemente vigiada. Mas a amizade carinhosa de uma parente distante de sua mãe, a marquesa de Merteuil, que não a tratava como criança, assim como os sentimentos que começaram a surgir em seu coração pelo cavaleiro Danceny seriam o início da sua perdição. Guiada por aquela mulher, que aparece em sua vida como a amiga compreensiva que tanto necessitava naquele momento, Cécile segue por um caminho sem volta, perdendo muito mais do que a inocência... 

"Chamar-me-ia pérfida, e esta palavra 'pérfida', sempre me deu prazer."

Desejando vingar-se de alguém do seu passado, o homem escolhido pela senhora de Volanges para desposar sua filha, a marquesa de Merteuil decide recorrer ao seu leal amante e cúmplice nas crueldades. Ambos possuíam uma longa história juntos e ela sabia que somente a ele poderia confiar o seu pequeno projeto. Quem melhor do que o sedutor mais notório de toda a França, alguém que dedicava-se intensamente à missão de arruinar uma mulher? Quem melhor do que ele para fazer com que Cécile chegasse ao casamento sem a pureza que o seu inimigo desejava possuir? Jamais lhe daria o prazer de encontrar em sua cama uma jovem inocente e ingênua. Não. Era sua missão fazer dela a sua pupila e ensinar-lhe, ao lado de Valmont, tudo o que alguém como ela merecia saber... 

"[...] Como se não fosse nada arrebatar numa noite uma jovem e seu bem-amado, usá-la, em seguida, à vontade, como uma propriedade, sem maiores precauções, obter dela o que não se ousa sequer exigir das profissionais."

De início, Valmont recusa-se a participar dos planos da marquesa. Não porque possuísse algum escrúpulo e não desejasse corromper uma menina de 15 anos, mas porque estava ocupado com seus próprios projetos... Os de seduzir e dominar uma jovem senhora casada, devota e amiga querida de sua tia. Embora a tivesse conhecido antes, foi somente ao tê-la bem próxima, enquanto ambos passavam uma temporada na casa de campo de sua tia, que ele percebeu que seria muito prazeroso destruir a fé e os princípios daquela mulher, fazer com que ela se submetesse às suas vontades e não fosse mais do que o seu objeto de prazer até que, satisfeito e cansado, ele a abandonaria para que ela lidasse sozinha com os seus pecados. Sabia que seria capaz de destruir sua resistência, de usar seus bons sentimentos contra ela e rendê-la aos seus desejos. 

"Terei essa mulher; roubá-la-ei ao marido que a profana; ousarei roubá-la ao próprio Deus a quem adora. Que delícia ser ora o objeto ora o vencedor de seus remorsos! Longe de mim a ideia de destruir os preconceitos que a obsedam: aumentarão minha felicidade e minha glória. Que acredite na virtude, mas que a sacrifique a mim."

Só que o que parecia fácil, torna-se mais complicado quando a senhora de Volanges trata de aconselhar sua jovem amiga dos perigos de deixar-se acreditar nas palavras mentirosas que saíam dos lábios de Valmont. Embora a presidenta de Tourvel, a quem Valmont desejava conquistar, não se imaginasse capaz de cair nas garras dele ou de homem algum, pois era fiel ao marido e ao Deus que amava, seu coração bondoso se deixava enternecer pelo arrependimento que aquele homem de péssima reputação aparentava sentir por sua vida desregrada. Ela acreditava que toda pessoa era capaz de arrepender-se de seus pecados e mudar e acaba por ver naquele homem alguém com potencial para ser convertido. Mas os avisos de sua amiga, por quem tinha enorme carinho, fortalecem suas defesas e a fazem afastá-lo dela. Embora acreditasse sinceramente que poderia trazê-lo de volta para o bom caminho, não desejava expor-se a perigos desnecessários, o que só serve para provocar a fúria de Valmont contra a mulher que a preveniu contra ele e aumentar, por sua vez, a obsessão que ele sentia por ela. 

"Ah, sem dúvida, cumpre seduzir-lhe a filha; mas não basta: é preciso desmoralizá-la; e, já que a idade dessa maldita mulher a coloca ao abrigo de meus golpes, cabe feri-la no objeto de suas afeições."

Assim, ao descobrir quem era a mulher que estava atrapalhando seus planos, Valmont percebe que seria uma vingança perfeita ceder ao projeto da marquesa e fazer daquela menina, filha de sua inimiga, uma jovem bastante versada nas artes do sexo e do prazer. A tomaria como aluna e amaria ser seu professor. 

Desta forma, iniciam-se as cartas que contariam a história de diversas vidas destruídas pelo jogo de poder e crueldade de dois amantes que, entediados com a vida de luxo e riqueza que levavam, divertiam-se jogando com as pessoas e as arrastando para um mundo sórdido do qual nem todas escapariam com vida. 

"Em verdade, quanto mais vivo, mais sou levado a crer que só há nós dois neste mundo valendo alguma coisa."

- Não tenham dúvidas de que esta resenha terá spoiler. Será impossível falar de certas coisas sem contar demais. Por isso, se não quiserem conhecer certos segredos sobre o livro, parem de ler esta resenha imediatamente! 

- Acho que foi a curiosidade (por vezes minha inimiga) que me levou a ler esta história. Ela não estava em meus planos, não fazia parte de minhas metas de leituras nem nada. Todavia, depois que assisti a minissérie, vez e outra me pegava lembrando dela e sentindo uma curiosidade enorme acerca do livro. Ao mesmo tempo que desejava lê-lo sentia medo. Sabia que nada terminava bem, sabia que era uma história recheada de crueldades e jogos desprezíveis, protagonizada por dois seres humanos que mais mereciam ser chamados de demônios. De verdade, gente! Eles são de uma maldade que arrepia e nos choca. Não que eu nunca tenha lido algo pior. Realmente já li livros bem terríveis: suspenses, thrillers psicológicos, dramas... Histórias nas quais seres humanos torturam e assassinam outras pessoas por puro prazer, por simples perversidade. Mas no livro As Relações Perigosas não vemos uma maldade tão explícita e imediata assim. O que acompanhamos, através das cartas que constroem a história, é algo mais profundo e duradouro... São pessoas tecendo cuidadosamente a trama que destruiria a vida de duas mulheres que nada lhes tinham feito, que eles desejavam arruinar por puro prazer. Mas não com atitudes claras, não com um ataque direto. Mas com um jogo lento e certeiro, no qual ambos eram mestres. Sabiam como ninguém como usar as palavras, como manipular, envolver os outros de tal forma que quando fossem capazes de perceber o que tinha acontecido, já seria tarde demais. Uma adolescente de 15 anos que absolutamente nada conhecia do mundo e uma devota inocente e crédula realmente não possuíam nenhuma chance contra eles. 

"Que Deus ousava invocar? Haverá algum bastante poderoso contra o amor? Em vão procura ela agora socorros estranhos; sou eu quem decidirá de sua sorte."

- Conhecemos tudo o que se passou através das cartas trocadas entre vários personagens. Os principais, obviamente, sendo a marquesa de Merteuil e o visconde de Valmont. Mas também temos a oportunidade de conhecer os pensamentos e sentimentos da menina Cécile, da presidenta de Tourvel (nunca ficamos sabendo seu primeiro nome), da senhora de Volanges, da tia de Valmont e do jovem que se apaixona pela Cécile e também tem uma participação importante nos acontecimentos desta história. Assim, são vários os pontos de vista, o que nos permite amarmos ou odiarmos determinados personagens, pois os conhecemos diretamente, através de suas próprias palavras. 

É angustiante observar a maneira como o Valmont invade a vida daquela mulher, como a usa, como a manipula, como a faz acreditar nele. E como ela não acreditaria? Talvez seja fácil julgar e condená-la estando de fora da situação, mas eu não fui capaz de fazer tal coisa. Ao me permitir entrar na história, viver tudo com os personagens, eu tinha total noção de como Valmont era habilidoso no seu jogo e como seria fácil para qualquer pessoa acreditar em suas palavras. Ele dizia tudo de tal maneira, com tanta verdade, que ele próprio por vezes acreditava no que dizia! Sabe essas pessoas que mentem ao ponto de acreditar na própria mentira? Assim era ele. 

"Ah, virá cedo demais o tempo em que, degradada pela sua queda, ela não será mais para mim senão uma mulher comum."

- Ela era uma pessoa feliz com a vida que levava. Amada de maneira tranquila e confiante pelo marido, querida pelos amigos e pela sociedade que a admirava, encontrava prazer em ajudar os outros e dedicar-se ao Deus no qual acreditava. Nunca experimentara a intensidade da paixão e não desejava para si nenhum sentimento que pudesse perturbá-la. Não é fácil para Valmont seduzi-la, por isso ele recorre à sua religião, pois ali encontrava uma porta para acessar sua vida e aproximar-se dela. 

Mas quando ela percebe que começava a sentir por ele coisas que antes desconhecia, luta com todas as suas forças para resistir, para afastá-lo, para fugir dos sentimentos que a confundiam. E quanto mais ela lutava com mais determinação ele aproximava-se, excitando-se com suas lágrimas, com suas súplicas, com suas tentativas de evitá-lo. Até mesmo em seu desespero ele encontrava prazer e estava empenhado em esperar o tempo que fosse necessário para vencê-la pelo cansaço e tê-la exatamente onde desejava. 

"Que ela se renda, mas que lute; que, sem ter a força de vencer, tenha a de resistir; que saboreie longamente o sentimento de sua fraqueza e seja constrangida a confessar sua derrota."

- Ela não era uma mulher fácil que apenas estivesse fingindo "resistir" e Valmont sabia bem disso, o que o satisfazia ainda mais. É muito triste observar a luta dela, torcendo para que ela não caísse, para que lutasse contra o amor que acreditava estar começando a sentir por ele, torcendo para que ele não conseguisse destruí-la. Nós conhecíamos seus planos, sabíamos tudo o que ele pretendia fazer com ela e era desesperador não poder fazê-la enxergar isso, não sermos capazes de evitar a tragédia que se seguiria. 

Embora ela aguente durante meses, Valmont era realmente muito bom em sua sedução. Interpretou com maestria o papel de jovem apaixonado e destroçado por tal amor. Ele merecia um prêmio pela maravilhosa interpretação, sem sombra de dúvidas. E, em determinado momento, ela não suporta mais lutar. Acaba cedendo aos desejos dele e conhecendo a felicidade que antecederia a maior tristeza de sua vida. Uma tristeza que lhe roubaria tudo. 

"Eu era inocente e tranquila; foi por te ter visto que perdi o repouso; foi escutando-te que me tornei criminosa. Autor de minhas faltas, que direito tens de me punir?"

- Para mim, o trecho acima é um dos mais marcantes do livro. Que nos mostra toda a desesperança e dor dessa personagem. De uma mulher cujo crime foi se apaixonar pela pessoa errada. Uma mulher que lutou com todas as suas forças, que se afastou, que foi para bem longe dele, mas que acabou vencida por alguém muito mais experiente e ardiloso como ela jamais conseguiria ser. É de partir o coração o seu sofrimento. Foi a única personagem que me fez chorar. Foi a única por quem senti realmente. Ela não merecia tudo o que lhe aconteceu. Era uma pessoa boa, ingênua, feliz. Alguém que despertou sem mesmo tentar o interesse de alguém perigoso que não sossegou enquanto não destruiu a sua vida. O fim dela é triste e doloroso demais. Vocês não têm noção do quanto chorei, ainda que tivesse visto o mesmo final na minissérie. Eu sabia como terminaria sua história, mesmo assim ler foi pior que assistir. Não consigo aceitar algo tão injusto. Uma fala da amiga dela também me marcou bastante. Foi numa carta que a amiga escreveu à outra, após o final da minha personagem preferida. Nesse trecho da carta, ela lembrava do passado, de um ano antes, quando ambas conversavam sobre essa moça, sobre a certeza de que ela sempre seria uma pessoa feliz, daquelas raras que eram abençoadas com tudo o que uma pessoa poderia desejar. A senhora Volanges mostra o quanto estava inconformada que alguém como a presidenta, uma pessoa tão querida como ela, pudesse terminar daquela maneira. É algo que eu também não sou capaz de aceitar ou suportar. 

"Não há mais felicidade para mim, nem repouso, senão com a posse dessa mulher que odeio e amo com igual furor."

- É possível que muitas pessoas acreditem que o Valmont chegou a amar a mulher por quem ficou obcecado. Que tudo o que ele fez foi por amá-la loucamente. Mas nem por um segundo eu acredito em tal amor. Até mesmo a minissérie tentou nos fazer acreditar no amor dele e mesmo o autor do livro tenta redimi-lo no final, mas nada poderia me convencer. Tudo o que esse canalha faz... Não. Aquilo não era amor. Era obsessão sim, era maldade, ódio por encontrar em alguém as qualidades que ele jamais possuiria. Despeito por ver uma mulher tentar resistir aos seus avanços, uma vez que nenhuma jamais se atreveu a isso. Mas amor?! Nunca foi amor. Nem por um instante! Ele a empurrou para a morte. Ele a destruiu sem piedade. Espero que ele tenha queimado no inferno. A minha compaixão ele jamais irá encontrar. 

"Visconde, quando uma mulher golpeia o coração de outra, raramente deixa de encontrar o lugar sensível, e a ferida é incurável."

- E o que falar da nossa tão "querida" marquesa?! Se Valmont desempenhava com perfeição um papel, ela era a mente por traz de muitas das desgraças desta história. Profundamente perversa, era um perigo para todos os que a cercavam. Alguém que não hesitaria antes de fazer o que julgasse necessário para ter o que queria. Que seria capaz das piores crueldades para satisfazer seus desejos. Ela era muito inteligente, astuta, a única capaz de jogar com seu cúmplice, de fazer dele sua marionete. Ela controlava as vontades dele, seus passos, até seus pensamentos. Ele podia ser mau, mas ela era sua mentora e sua dona. E quando Valmont decide livrar-se de suas garras... As consequências são as piores possíveis. Ninguém a contrariava sem pagar caro por isso. Se ela era capaz de planejar, incentivar e aplaudir o estupro de uma adolescente e ainda empenhar-se em prostituí-la do que mais não seria capaz, não é mesmo? Esses dois amantes malditos realmente se mereciam. No fim, é uma certa justiça que tenha um acabado com o outro. Mas nem mesmo esse castigo foi suficiente para mim. Eles mereciam muito mais. 

"A humanidade não é perfeita em nenhum gênero, tanto no mal como no bem."

Publicado originalmente em 1782, este livro causou grande impacto na sociedade hipócrita da época. Muita gente chegou a acreditar que tratava-se realmente de uma coletânea de cartas verdadeiras, trocadas entre pessoas reais. E o autor dá a entender isso, de propósito. O livro mostra um outro lado da nobreza francesa. Um lado bastante obscuro e desumano. Eu fico aqui tentando imaginar como as pessoas devem ter reagido após ler tudo o que encontra-se nas páginas deste livro.rs Adoraria ter podido observar tais reações, as caras de choque, a indignação que sentiram... Mas o autor não criticou e atacou apenas a nobreza ou a sociedade de sua época. Não. Esta obra-prima vai muito além disso. Ele criticou a natureza humana de maneira geral, mostrando um lado vil que há em muitas pessoas por aí, em qualquer época ou lugar. Pessoas manipuladoras e que se divertem com o sofrimento dos outros existem aos montes por aí. Mesmo hoje existem relações perigosas. O livro Cuco é um exemplo disso. 

- Na minha opinião, muitos livros são considerados clássicos sem merecerem. Mas isso não se passa no caso de As Relações Perigosas. Este livro é realmente um clássico mundial, um livro muito importante que não me arrependo nem por um instante de ter lido. É verdade que ele mexe profundamente com nossos sentimentos, que um acontecimento é pior que o outro, que sofremos por aqueles que não mereciam um final tão terrível. Porém, mesmo assim é um livro que ninguém deveria perder a oportunidade de ler. 

"Vejo em tudo isso os maus castigados; mas não encontro consolo algum para suas desgraçadas vítimas."

28 de julho de 2017

Querida Sue - Jessica Brockmole

(Título Original: Letters from Skye
Tradutora: Vera Ribeiro
Editora: Arqueiro
Edição de: 2014)

Uma carta dá início a uma história de amor que nem duas guerras poderão apagar

Março de 1912: Elspeth Dunn, uma poetisa de 24 anos, nunca viu o mundo além de sua casa na remota Ilha de Skye, na Escócia. Por isso fica empolgada ao receber a primeira carta de um fã, David Graham, um estudante universitário da distante América. Os dois começam a trocar correspondências - compartilhando os segredos mais íntimos, os maiores desejos e os livros favoritos - e fazem florescer uma amizade que, com o passar do tempo, se torna amor. Porém a Primeira Guerra Mundial toma a Europa e David se oferece como voluntário, deixando Elspeth em Skye com nada além de esperanças de que ele sobreviva.

Junho de 1940: É o início da Segunda Guerra Mundial e Margaret, filha de Elspeth, está apaixonada por um piloto da Força Aérea Real. A mãe a adverte sobre os perigos de se entregar ao amor em tempos de guerra, mas a jovem não entende por quê. Então, durante um bombardeio, uma parede de sua casa é destruída e, de dentro dela, surgem cartas amareladas pelo tempo. No dia seguinte, Elspeth parte, deixando para trás apenas uma carta datada de 1915. Com essa única pista em mãos, a jovem decide ir em busca da mãe e, nessa trajetória, também precisará descobrir o que aconteceu à família muitos anos antes. 

Querida Sue é uma história envolvente contada em cartas. Com uma escrita sensível e cheia de detalhes de épocas que já se foram, Jessica Brockmole se revela uma nova e impressionante voz no mundo literário. 



Palavras de uma leitora... 


- Creio que é a primeira vez que começo a escrever a resenha aqui no blog sem antes colocar a sinopse. Claro que quando vocês lerem este post tudo já estará arrumadinho, formatado, com a sinopse em seu devido lugar antes do "Palavras de uma leitora..."rsrs Acontece que só tenho cerca de uma hora e trinta minutos para tentar colocar em palavras tudo o que sinto por esta história. Depois terei que me arrumar correndo para ir trabalhar. Por isso, comecei pela resenha em si. 

Sabe quando a intuição te leva a ler um livro especial? E não apenas uma história especial, mas uma das mais preciosas da sua vida. Aquela que você quer guardar num cantinho único e folhear todos os dias, se possível. Aquela que te arrancou lágrimas diretamente da alma, te preencheu de sentimentos lindos e ao mesmo tempo deixou um vazio que não poderá ser ocupado nunca. Foi exatamente o que aconteceu comigo ao ler Querida Sue. Ah, gente! Nunca mais serei a mesma. Livros realmente transformam pessoas. Sem sombra de dúvidas! Livros são capazes de nos marcar, de cravar-se como cicatrizes dentro de nós. O que seria da minha vida sem os livros? Acho que não existiria uma vida. 

- Foi num dia como outro qualquer. Eu estava fazendo minha costumeira visita às Lojas Americanas (meu lugar preferido para comprar livros, seguido de perto pela Saraiva, é óbvio!) quando vi alguns livros em promoção. Daquelas promoções de verdade, sabe? Peguei alguns livros, li suas sinopses e fiquei com vontade de trazer vários, mas quando bati os olhos em Querida Sue, senti uma coisa diferente. Não sei explicar. Eu o peguei nos braços (sim, foi bem assim mesmo!) e antes mesmo de ler a sinopse o quis demais. Como eu queria aquela história! Pensei comigo mesma: "Com tantos livros dos quais já ouvi falar para comprar por que escolher justamente um do qual você nunca ouviu nada?" O que era Querida Sue? Não fazia a menor ideia. Embora leia muitas resenhas na blogosfera literária, nunca tinha esbarrado numa resenha sobre essa história. Mesmo assim, soube que precisava desse livro. E não sairia de lá sem comprá-lo. 

Minha pilha de leituras nunca diminui, como vocês já sabem, por isso fui adiando a leitura dele. Mas o comprei ano passado, gente! E não pensei duas vezes ao colocá-lo na meta literária deste ano. :) Sim, ele saiu passando na frente de diversos livros.rsrs E o li num dos momentos que mais necessitava. Estou aqui chorando outra vez!kkkkkkk Sinceramente, não sei como ainda tenho lágrimas! A Jessica Brockmole fez de tudo para me desidratar durante esta leitura. 

- Existem escritores maravilhosos espalhados por este mundo. Sei disso! Muitos eu sequer terei a oportunidade de conhecer um dia, infelizmente. Outros já tive o privilégio de ler. Mas entre todos esses escritores talentosos e que nos fazem sentir um milhão de coisas, existe aquela parcela especial. Existem aqueles que possuem mais que talento... Que nasceram para escrever, que vieram com algo além desde o nascimento, entende? Para mim, a autora de Querida Sue tem esse algo especial. Eu mais do que viajei durante a leitura, queridos! Realmente  me senti dentro da história, sentindo absolutamente tudo com os personagens. E não queria que acabasse. Adoraria fazer parte da vida deles para sempre. 

Ainda não consegui parar de chorar. Mas não me sinto triste. Estou muito feliz por ter conhecido esta história. É um privilégio e tanto! Por favor, me digam que a Jessica escreveu mais histórias como esta e que elas também foram publicadas no Brasil! Eu necessito ler tudo o que ela tiver escrito. E o que ainda venha a escrever. Já foi direto para minha lista de autoras mais que queridas. 

"Eu devia ter lhe contado. Devia tê-la ensinado a proteger seu coração. Ensinado que uma carta nem sempre é apenas uma carta. As palavras na folha são capazes de inundar a alma. Ah, se você soubesse..."

- Não sei por onde começar. Como a Sue, me sinto sem palavras. Como colocar no papel tudo o que sentimos, tudo o que uma história nos provocou? Meus pensamentos estão desorganizados e minhas emoções, então! Queria não ter que trabalhar hoje. Queria poder ir para a Ilha de Skye, onde tudo começou entre eles, e visitar o lugar em que a Elspeth viveu e onde recebeu as cartas que mudariam toda sua vida. Mais do que isso, queria voltar no tempo, a um ano em que eu nem sonhava em existir... 1912. Março de 1912. Quando a vida da nossa protagonista realmente começou. 

É possível se apaixonar por alguém que você nunca viu em sua vida? Por uma pessoa com a qual você apenas trocava cartas? Pode o amor invadir as palavras escritas e atingir seu coração antes mesmo que se possa perceber? Embora fosse uma poetisa sonhadora, que vivia afastada do mundo "real", Elspeth não teria acreditado em algo assim... antes de receber a primeira carta. 

- Embora fosse uma escritora muito querida por todos os que tiveram a oportunidade de ler seus poemas, ela jamais tinha recebido a carta de um fã. Por isso, qual não foi seu choque quando aquele americano atrevido lhe escreveu. Ele tinha ganhado o livro de presente de um amigo, pois suas histórias ainda não tinham sido publicadas nos EUA. E ficara tão encantado por toda emoção que transparecia daqueles versos, que tivera a ousadia de lhe enviar uma carta, mesmo acreditando que ela se perderia numa pilha de outras enviadas por fãs. E com isso, deu início a tudo... A uma história de amor que tempo e guerra alguma seria capaz de destruir. 

"Uma vez, faz muito tempo, eu me apaixonei. Um amor inesperado, estonteante. Que eu não quis deixar partir."

O que era para ser apenas uma inocente troca de cartas entre uma escritora e seu fã, não demorou nada para tornar-se algo mais profundo, algo que não queriam perceber. Ela era uma jovem mulher casada, que não conhecia outra vida que não fosse aquela. Jamais saíra de sua pequena ilha, pois tinha tanto medo do mar que se transformara em prisioneira de seu mundo, sem jamais ter coragem de conhecer todos os lugares que sonhava em ir. Ele era um estudante universitário que não sabia bem o que desejava da vida, apenas que não era cursar medicina como seu pai impusera. Ele queria viver. Sentir. Se apaixonar. E nos versos de sua querida poetisa, encontrava a paz que não conseguia enxergar no vazio que eram seus dias naquele campus. Amá-la foi natural. Ninguém era capaz de entendê-lo melhor que ela. Quanto mais lhe escrevia mais desejava largar tudo e conhecê-la. Mesmo que ela fosse casada. Ainda que fosse um pecado desejar tê-la ao seu lado. Quem pode mandar no coração? Quem é capaz de controlá-lo? 

"Mas então veio a comoção da guerra, e não era hora nem lugar para um novo amor. Numa guerra, as emoções podem ficar confusas, as pessoas podem desaparecer, as opiniões podem mudar. Talvez tenha sido um erro eu me apaixonar tão de repente."

Por anos eles se corresponderam. Cada carta era esperada ansiosamente, pois ambos sentiam que viviam por aqueles momentos, mesmo que tentassem controlar tudo o que sentiam. Não podiam se amar. Era errado. Por isso, nunca se atreviam a colocar em palavras o amor que aquelas cartas despertaram. Ela continuava com sua vida ao lado de um homem distante e ele decidira ficar noivo, prestes a começar seu próprio caminho. Então, por que não conseguiam parar de escrever? Por que ele não era capaz de sentir nada pela noiva? Eram os lábios de sua querida Sue que ele desejava. Era o toque de sua pele na dele. Então, a 1ª Guerra Mundial começara... e diante da possibilidade de uma perda definitiva finalmente tiveram coragem para viver aquele amor. No momento equivocado. Porque cada instante juntos era seguido de meses de separação. E sempre pairava sobre eles o adeus... aquele que não seriam capazes de enfrentar... 

"Não me deixe partir para o front sem tê-la tocado pela primeira vez, sem ter ouvido a sua voz dizer meu nome. Não me deixe partir para o front sem levar uma lembrança sua no coração."

Ano de 1940. Em plena 2ª Guerra Mundial, Margaret apaixona-se perdidamente por um piloto da Força Aérea Real. Jamais entregara seu coração antes, mas quando estava com ele, esquecia-se do mundo. De tudo. Sabia que poderia perdê-lo, que naquela guerra nada era garantido. Um dia simplesmente poderia receber uma carta informando sua morte. Mas não queria deixar de viver, de amá-lo. Nem mesmo a oposição de sua mãe a impediriam de seguir em frente com aquele romance. Mas quando uma bomba cai em sua rua e as paredes de sua casa revelam cartas amareladas pelo tempo, todo o mundo de Margaret sofre um tremendo abalo. Conseguindo esconder apenas uma carta datada de 1915, antes que sua mãe recolhesse e guardasse todas as outras, ela não consegue entender quem poderia ser Sue e por que sua mãe ficara tão transtornada ao olhar para aquelas cartas. Como se não bastasse isso, ela desaparece logo em seguida e Margaret não faz ideia de para onde possa ter ido. Teriam aquelas cartas alguma coisa a ver com o desaparecimento de Elspeth? O que se esconderia no passado de sua mãe? Num passado do qual a vida inteira ela se negou a falar... 

"Afora eu, minha mãe passou as duas últimas décadas sozinha. Até vê-la naquela noite de bombardeio, na noite em que a guerra lhe rasgou o coração, eu nunca saberia. Nunca teria visto quanto ela era solitária. Nunca teria descoberto o que ela perdeu."

- Querida Sue intercala presente e passado de uma maneira cuidadosa e fascinante. Ora acompanhamos os acontecimentos do ano de 1940 ora voltamos para 1912 e todos os outros anos que seguiram antes do abrupto fim. E uma coisa que vocês talvez não saibam é que essa história não possui um narrador imparcial, uma terceira pessoa que nada tem a ver com o livro e apenas nos conta como tudo aconteceu. Não tem nada disso. Nem mesmo um narrador-personagem contando toda a história. Não tem nada daquilo com o que estamos acostumados. A história nos é mostrada TODA por cartas. Não existe um só capítulo, uma só página que seja diferente. O livro é escrito em cartas, gente! Algo que eu nunca tinha visto antes. 

Os trechos que coloquei nesta resenha são trechos das cartas trocadas entre os personagens. Tudo o que conhecemos vem das palavras que escreveram. Achei que não daria certo, que em algum momento a autora precisaria narrar algo, mas não. A história flui naturalmente dessa maneira peculiar e quanto mais lemos as cartas mais desejamos conhecer todas as outras. Nós invadimos a vida dos personagens, conhecendo seus segredos mais profundos, tristezas, alegrias, amores, medos, perdas... Entendem agora por que me sinto tão perto deles? 

"Penso nisso muitas vezes, Sue. Aqui estou. Não importa onde eu esteja no mundo, 'aqui estou'."

- Esta é uma das histórias que mais me emocionaram nesta vida. Como era possível eu viver num mundo em que não tivesse lido este livro?! Sinto algo muito forte e lindo por ter tido a chance de ler as cartas de Elsepth e David. Por ter conhecido a Margaret e seu querido Paul... Por ter sentido tudo com eles. Como esquecê-los? Nem nascendo de novo. 

"Certa vez você me falou, há muito tempo, que era muito clichê dizer que se podia amar alguém para sempre. Existe alguma palavra que signifique 'por mais tempo do que para sempre'? É por esse tempo que eu a amarei. 
Agora, para sempre, e depois. Amo você."

- Me dói ter que me separar do livro. Sei que preciso conhecer outras histórias que também me apaixonarão. Mas mesmo enquanto eu as ler, seguirei pensando em Querida Sue e dormirei com o livro sob o meu travesseiro. Por algum tempo... 

Esta foi minha sexta leitura para a Maratona Literária de Inverno 2017. A história de Elspeth e David preenche o Desafio 7: ler um livro que se passe em um período histórico importante. O livro se passa durante as 1ª e 2ª Guerras Mundiais. Restam só 3 livros agora! Será que conseguirei cumprir todos os desafios até o dia 30?! Veremos!rsrs 

"A guerra é impulsiva, ela me disse, e o que nos resta não passa de fantasmas."

Obs.: Quer um conselho? Se encontrar esta história numa livraria, supermercado, sebo ou qualquer outro lugar no qual esteja à venda, compre-a!!! Não desperdice a oportunidade! Porque dei uma olhada no site da Saraiva hoje e o livro aparecia como indisponível. Não tive tempo de conferir outros sites ainda, mas suspeito que vai ser difícil para as pessoas encontrarem este livro. :( O que aparecia para venda na Saraiva era apenas o ebook. Graças a Deus, não desperdicei minha chance em 2016 e tenho o meu exemplar de Querida Sue ao meu lado. Amo demais esta história! Muito mais do que podem imaginar. 
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