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25 de outubro de 2021

Ensaio sobre a Cegueira - José Saramago


Literatura Portuguesa
Editora: Companhia das Letras
Edição de: 2001
Páginas: 312

30ª leitura de 2021 (23ª resenha do ano)

Sinopse: Um motorista, parado no sinal, subitamente se descobre cego. É o primeiro caso de uma "treva branca" que logo se espalha incontrolavelmente. Resguardados em quarentena, os cegos vão se descobrir reduzidos à essência humana, numa verdadeira viagem às trevas.

O Ensaio sobre a cegueira é a fantasia de um autor que nos faz lembrar "a responsabilidade de ter olhos quando os outros os perderam". José Saramago nos dá, aqui, uma imagem aterradora e comovente de tempos sombrios, à beira de um novo milênio, impondo-se à companhia dos maiores visionários modernos, como Franz Kafka e Elias Canetti. 

Cada leitor viverá uma experiência imaginativa única. Num ponto onde se cruzam literatura e sabedoria, José Saramago nos obriga a parar, fechar os olhos e ver. Recuperar a lucidez, resgatar o afeto: essas são as tarefas do escritor e de cada leitor, face à pressão dos tempos e ao que se perdeu - "uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos". 




Mergulhar nesta leitura foi como fazer uma viagem ao inferno... Me senti dentro de um pesadelo, de um filme de terror. Foi uma experiência angustiante, desesperadora. Quando cheguei ao capítulo onze, quando li todas aquelas atrocidades... o sentimento de desesperança em relação à humanidade se fez intenso. Ao mesmo tempo que me senti sem forças para prosseguir com a leitura, passei dias refletindo sobre a maldade humana, como somos capazes das coisas mais monstruosas... Como o ser humano consegue ser vil, abjeto, cruel! Como o próprio autor diz no livro através das palavras de um personagem:

"É desta massa que nós somos feitos, metade de indiferença e metade de ruindade."

Aqui temos a história de uma epidemia que foge completamente ao "normal": uma cegueira branca, que parece se espalhar com apenas uma troca de olhares entre alguém infectado e os outros. Do nada, um homem que estava dentro do seu carro, parado no sinal, começa a gritar em desespero ao se perceber cego. Mas ele não vê tudo escuro, ele vê uma luz, algo branco que o impede de enxergar tudo ao seu redor. Transtornado, é conduzido até sua casa por um "bom samaritano" que aproveita o seu momento de sofrimento para furtar seu carro e, logo em seguida, nem é capaz de desfrutar do seu crime, pois também é contaminado pela cegueira da qual ninguém nunca tinha ouvido falar e que não podiam fazer ideia de que era contagiosa. 

O primeiro cego, sentindo que a vida deixava de ter qualquer sentido, é consolado pela esposa e levado até uma clínica oftalmológica para que o estranho caso seja analisado por um médico. O oftalmologista nunca tinha se deparado com algo como aquilo antes... Nada nos olhos daquele homem indicava que ele estava cego e, no entanto, o homem via tudo branco. Decide passar alguns exames e voltar a vê-lo quando as análises estivessem prontas. Mas, após atender os demais pacientes do dia e ir para casa, não consegue tirar aquele caso de sua cabeça. Entra em contato com um colega e resolve consultar alguns livros... mas, de repente, também fica cego. 

"Nunca se pode saber de antemão de que são capazes as pessoas, é preciso esperar, dar tempo ao tempo, o tempo é que manda, o tempo é o parceiro que está a jogar do outro lado da mesa, e tem na mão todas as cartas do baralho [...]"

A partir daí, ao comunicar seus chefes do ocorrido e o Ministério da Saúde ser informado, o verdadeiro inferno começa. As pessoas "contaminadas" são retiradas de suas casas, sob a falsa promessa de que receberão todos os cuidados necessários e trancadas num antigo manicômio, tratadas de uma maneira que nem mesmo os animais devem ser tratados e tendo que lutar, dia após dia, contra a morte e a loucura, vítimas das mais bárbaras formas de violência. 

Eu não consigo chamar a realidade desesperadora na qual os personagens são jogados de outra coisa que não seja inferno. Assassinatos, doenças provocadas pelas condições insalubres nas quais são obrigadas a viver, fome, sede, estupros... as pessoas trancadas naquele manicômio mal eram alimentadas, pois  o que os soldados encarregados de "cuidar" delas mais queriam era que morressem, pois "morrendo o bicho acaba-se a peçonha". Tinham sede, não podiam tomar banho, pois a água que vinha das tubulações eram podres. Até mesmo para fazer as necessidades básicas do corpo se viam sem dignidade, pois não era fornecido papel em quantidade suficiente, o encanamento para que os dejetos fossem eliminados estavam entupidos... e as pessoas foram colocadas ali para viverem dessa forma até que não aguentassem e morressem, fosse pela fome, por doenças provocadas por aquelas condições de enorme insalubridade ou mesmo que se matassem entre si, pois estavam ali reunidas pessoas das mais diversas personalidades. Não existia só gente "boa", mas também criminosos e nenhum segurança. Sem contar os momentos nos quais os próprios soldados atiravam para matar. Como eu disse, aquilo era o inferno. 

"[...] ainda o que nos vale é sermos capazes de chorar, o choro muitas vezes é uma salvação, há ocasiões em que morreríamos se não chorássemos"

Existiram momentos nos quais me senti doente lendo sobre tanto sofrimento, tanta crueldade e falta de esperança. Por estarmos vivendo uma pandemia provocada pelo Covid-19 e milhões de pessoas terem morrido, muitas sem reverem seus familiares, sem poderem se despedir, sozinhas num leito de hospital, onde o medo é um dos mais terríveis companheiros, a leitura se tornou mais dolorosa. Por diversas vezes eu tinha que fechar o livro e "respirar", pois me sentia esgotada, sufocada e com muito medo. Medo da pandemia atual, medo de que outras doenças ainda podem surgir e quanto inferno nós seres humanos poderíamos suportar sem enlouquecer, sem perdermos nossos sentimentos, sem nos perdermos. Sem que nossa alma também se acabasse... 

Mas, diante de algumas cenas capazes de nos jogar no chão e nos manter lá em pedaços, sem forças para levantar... Eu refleti sobre coisas nas quais não gosto de pensar: que nós já estamos perdidos. Que a humanidade já está se destruindo e que não são guerras, catástrofes, pandemias que podem provocar a maldade no ser humano. Ela já existe latente, esperando apenas uma desculpa qualquer para se manifestar. Saramago conseguiu me abalar muito com Ensaio sobre a Cegueira. Se ele queria, como na passagem do primeiro livro de A Divina Comédia (intitulado Inferno), do escritor Dante Alighieri, que abandonássemos toda esperança ao passarmos pelas portas do livro, ele conseguiu. 

"[...] a cegueira também é isto, viver num mundo onde se tenha acabado a esperança."

Em muitos momentos, inclusive, lembrei bastante de Inferno de Dante. Não só da famosa passagem: "Deixai toda esperança, ó vós que entrais", mas do livro como um todo, que me marcou profundamente quando o li. Muitos e muitos versos de Inferno nos descrevem exatamente o que suportam e sofrem os personagens de Ensaio sobre a Cegueira, o que me faz pensar que o Saramago se inspirou bastante neste maravilhoso clássico para escrever sua impactante história. 

Todavia, por mais insuportáveis que muitas cenas presentes no livro sejam, tanto pela maldade quanto pelo sofrimento humano que desesperam nós leitores e nos fazem sentirmos impotentes, querendo fazer cessar toda aquela angústia vivida pelos personagens, mas sem nada poder fazer... Por mais dolorosos que tais momentos sejam e por mais pessimista e fatalista que o narrador se mostre, a esperança não é de todo perdida. Ele nos possibilita o alívio principalmente na figura da mulher do médico, mas também na de outros personagens. Mostrando que por mais que a maldade reine e se espalhe, sempre haverá quem dê tudo de si para ajudar os outros, quem escolherá fazer o bem, quem não pensará apenas em si mesmo. Há muitos exemplos da indiferença e ruindade que o autor menciona no livro, massa da qual ele diz que nós somos feitos. Mas também existem exemplos de bondade, solidariedade, compaixão... amor. E é isso que torna este um dos melhores livros que já li em minha vida. 

"Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos."

Busquei não dar spoilers em minha resenha, pois eu própria iniciei a leitura sem saber muito da história e isso tornou a experiência mais incrível. Mas, Luna, você mencionou assassinatos e estupros! Sim, mas não considero isso spoiler, mas sim informações necessárias a serem dadas, por conta dos intensos gatilhos que tais cenas representam. Por mais que tenha sido maravilhoso (e doloroso ao mesmo tempo) conhecer a história sem saber quase nada sobre ela, em relação às cenas de violação eu queria muito que alguém tivesse me avisado. Queria muito estar preparada para o que iria encontrar, pois foi um golpe terrível lê-las sem nenhum aviso. Foi de me fazer passar mal, literalmente. Por mais que seja impossível suportar tais cenas, com ou sem spoiler, eu preferia saber. Preferia ler ciente do que encontraria. 

São tantas as coisas que eu gostaria de falar sobre esta história e não posso para não estragar a experiência de leitura de vocês... Só digo que recomendo muito que deem uma chance ao livro! Mas que estejam preparados para sofrer porque não existe maneira de passar por esta leitura sem ficar destroçado, sem chorar, sem sentir uma espécie de dor não só emocional, mas física. Esta história é visceral. Este livro é uma alegoria sobre a vida e as relações humanas e nem sempre somos capazes de captar tudo o que está nas entrelinhas, todos os sentidos do texto e das cenas... Em alguns momentos me lembrou a Bíblia também e o autor até faz uma comparação irônica com algumas passagens das Escrituras Sagradas. É Saramago, então, quem conhece as obras do autor já sabe que ele gosta de fazer isso. 

"É um velho costume da humanidade, esse de passar ao lado dos mortos e não os ver"

Se estou preparada para ler Ensaio sobre a Lucidez ou algum outro livro do Saramago em breve?! Claro que não!rs Darei um tempo pelo bem da minha sanidade mental. Mas em algum momento dos próximos anos, estando viva, ainda pretendo ler outros livros do autor, que apesar das narrativas cruas e dolorosas, é, sem sombra de dúvidas, um grande escritor. Mesmo com as cenas mais pesadas, o leitor não consegue parar de ler, não consegue abandonar a leitura. Ao mergulharmos numa história dele sentimos a necessidade de chegar ao final, de saber como tudo termina. 


16 de outubro de 2021

Psicose - Robert Bloch


Literatura norte-americana
Título Original: Psycho
Tradutora: Anabela Paiva
Editora: DarkSide Books
Edição de: 2013
Páginas: 173 (e-book)

29ª leitura de 2021 (22ª resenha do ano)

Sinopse: Psicose, o clássico de Robert Bloch, foi publicado originalmente em 1959, livremente inspirado no caso do assassino de Wisconsin, Ed Gein. O protagonista Norman Bates, assim como Gein, era um assassino solitário que vivia em uma localidade rural isolada, teve uma mãe dominadora, construiu um santuário para ela em um quarto e se vestia com roupas femininas.

O livro teve dois lançamentos no Brasil, em 1959 e 1964. São, portanto, quase 50 anos sem uma edição no país, sem que a maioria das novas gerações pudesse ler a obra original que Hitchcock adaptou para o cinema em 1960.

Uma história curiosa envolvendo o livro é que Alfred Hitchcock adquiriu anonimamente os direitos de Psycho e depois comprou todas as cópias do livro disponíveis no mercado para que ninguém o lesse e, consequentemente, ele conseguisse manter a surpresa do final da obra.

Em Psicose, Bloch antecipou e prenunciou a explosão do fenômeno serial killer do final dos anos 1980 e começo dos 1990. O livro, junto com o filme de Hitchcock, tornou-se um ícone do horror, inspirando um número sem fim de imitações inferiores, assim como a criação de Bloch, o esquizofrênico violento e travestido Bates, tornou-se um arquétipo do horror incorporado a cultura pop.




Psicose é uma história que eu conhecia muito antes de ler. Não, não assisti o clássico filme de Hitchcock, mas recebi vários spoilers sobre o livro/filme ao longo da minha vida.kkkkkkk Sabia que tinha servido de inspiração para vários outros livros e filmes do gênero e sempre ouvi falar da tal cena do chuveiro, tanto que era a cena que eu mais aguardava na história, de tão curiosa para saber o que tinha de tão especial nela para ser tão marcante.rs

Vocês sabem que amo um suspense psicológico e embora Psicose, na minha opinião, não se encaixe exatamente neste gênero, nós acabamos entrando na mente do serial killer e é uma "viagem" bem perturbadora. 

Aqui temos como vilões Norman Bates e sua mãe, que dirigem juntos um decadente motel, que fica praticamente no meio do nada desde que a estrada nova foi construída e já não apareciam hóspedes como no passado. O caminho de Mary Crane se cruza com o dos dois numa noite chuvosa, após ela se perder e já ser tarde demais para encontrar a casa do noivo, para onde tencionava ir. Ao avistar o motel, ela decide se hospedar nele só por aquela noite e na manhã seguinte prosseguir com a viagem. O que não poderia imaginar é que os donos do local não eram as pessoas mais normais do mundo e que passar uma noite ali... poderia ser fatal. 

"Estava sozinha na escuridão. O dinheiro não a ajudaria e Sam não a ajudaria, porque ela errara o caminho e estava numa estrada desconhecida." 

Norman Bates já não era um menino, mas o peso de anos sob o domínio da mãe deixaram suas marcas. Por mais que tentasse enfrentá-la e se impor, agora que ela estava tão doente e já não deveria representar nenhuma ameaça nem para ele nem para ninguém, não conseguia reunir as forças necessárias para se libertar e sempre acabava abatido, cedendo às suas críticas, às suas vontades... à sua loucura. 

Quando aquela jovem apareceu, num sábado à noite, a única hóspede que chegara em todo o dia, ele ficou nervoso. Ela era atraente e estava sozinha. A convidou para jantar em sua casa, pois ela precisava de uma refeição e o restaurante mais próximo ficava longe demais para ir debaixo de chuva. Por isso, ela aceitou o convite. Norman sabia que deveria tomar todo o cuidado para não permitir que a mãe percebesse a presença de Mary... pois as consequências poderiam ser as piores possíveis...

"Eu acho que todos nós somos um pouco loucos de vez em quando."

Ao receber a notícia de que a irmã largara o emprego e fugira com uma imensa quantia que não lhe pertencia, Lila ficou chocada. Mas o choque se transformou em desespero quando uma semana se passou sem que recebesse qualquer telefonema ou carta de Mary. Sentia em seu coração que algo estava errado, que alguma coisa muito ruim tinha acontecido. E movida pela vontade de descobrir o que se passara e, talvez, ainda salvar a irmã, ela decide ir até a casa do noivo dela, na remota esperança de encontrá-la lá. Mas, como já pressentia, Sam também não tinha qualquer notícia sobre a noiva. Angustiados, os dois resolvem fazer de tudo para descobrir o paradeiro de Mary e suas investigações não demorarão a conduzi-los ao motel da família Bates... Sairão eles com vida de lá?!

"Nós não somos tão lúcidos quanto fingimos ser."

Como quem já leu o livro pode perceber, tentei ao máximo não dar spoilers na resenha, embora até a sinopse do livro revele mais do que o necessário. Mas, gente, se trata de um livro de 1959, um clássico extremamente conhecido, então, de qualquer forma vocês já devem conhecer o grande segredo do final... Ainda assim, não contarei.rs

Posso dizer que apreciei bastante esta leitura, embora não tenha me surpreendido com nenhum acontecimento ou revelação. Eu quis ler Psicose por curiosidade, sem grandes expectativas, e ele se mostrou um livro rápido, que flui muito bem e envolve por completo o leitor. Senti um pouquinho de medo sim porque já sou medrosa por natureza.kkkkkkk E fiquei perturbada com a mente transtornada do Norman, sem mencionar a mãe dele que é completamente louca, capaz de matar com uma frieza como se estivesse fazendo algo do cotidiano, algo "normal", sabe? Ela mata sem dar à vítima qualquer chance de defesa, mas depois deixa que o Norman se livre do corpo e limpe a cena do crime, além de ter que lidar com todas as demais consequências. Embora se sinta "em paz" por não ser ele a matar com as próprias mãos, sabe bem que é tão culpado quanto ela, pois é cúmplice e encobre todas as loucuras da mãe. A relação dos dois é um prato cheio para os estudiosos da mente humana, dos relacionamentos tóxicos que existem em algumas famílias, entre pais e filhos e o quanto isso pode afetar o futuro da pessoa e a maneira como ela lida com o mundo e as demais pessoas. 

"Não, garoto: não sou eu quem deixa você doente. É você mesmo

Este livro me lembrou muito uma história que li vários anos atrás, do meu amado Sidney Sheldon. Mas apenas mencionar o título do livro já seria um grande spoiler de Psicose para quem já tenha lido o tal livro do qual me lembrei.rs Só fico me perguntando se o SS não terá se inspirado nesta história aqui para criar seus personagens e toda trama presente naquele que considero um dos melhores livros que já li do autor. 




17 de maio de 2021

Sempre Vivemos no Castelo - Shirley Jackson


Literatura norte-americana
Título Original: We Have Always Lived in the Castle
Editora: Suma
Edição de: 2017
Páginas: 152

14ª leitura de 2021 (13ª resenha do ano)

Sinopse: Merricat Blackwood vive com a irmã Constance e o tio Julian. Há algum tempo existiam sete membros na família Blackwood, até que uma dose fatal de arsênico colocada no pote de açúcar matou quase todos. Acusada e posteriormente inocentada pelas mortes, Constance volta para a casa da família, onde Merricat a protege da hostilidade dos habitantes da cidade. Os três vivem isolados e felizes, até que o primo Charles resolve fazer uma visita que quebra o frágil equilíbrio encontrado pelas irmãs Blakcwood. Merricat é a única que pressente o iminente perigo desse distúrbio, e fará o que for necessário para proteger Constance. "Sempre vivemos no castelo" leva o leitor a um labirinto sombrio de medo e suspense, um livro perturbador e perverso, onde o isolamento e a neurose são trabalhados com maestria por Shirley Jackson.





É... Eu dei 4 estrelas ao livro, o que não significa que realmente gostei tanto assim da história.kkkkk Ainda me sinto perturbada. Esta história me deixou bem doida. Minha cabeça ainda está girando.rsrs

Não existe nada que melhor defina este livro do que a palavra "doido". Sério! Fazia muito tempo (anos e anos) que eu não lia uma história tão maluca, tão capaz de mexer com nossa mente e nos deixar bugados. Tudo é surreal do início ao fim. Logo nas primeiras páginas já ficamos com vários pontos de interrogação na cabeça e sentimos como se estivéssemos num hospício. Eu me senti muito perturbada lendo aquelas páginas iniciais. E o sentimento permaneceu durante toda a leitura. 

A história é contada do ponto de vista da Mary Katherine Blackwood, uma jovem de 18 anos, que vive numa casa antiga, pertencente à uma família que foi muito importante e odiada ao mesmo tempo pelos moradores do vilarejo, que sempre tiveram inveja da riqueza e status dos Blackwood. Para ela é um tormento sair da segurança de sua propriedade, onde vive com a irmã mais velha, Constance, e com o tio Julian, um senhor muito doente e querido pelas sobrinhas. Duas vezes por semana, ela precisa sair do seu amado lar e ir até o vilarejo para comprar itens básicos de alimentação e higiene e sempre é hostilizada pelos moradores locais, que a perseguem e desesperam... Quanto mais o tempo passa e revive aquela mesma situação, mais ódio Mary sente por eles e deseja com todas as suas forças que morram. 

Se antes aquelas pessoas simplesmente sentiam inveja dos Blackwood, a perseguição à Mary (e Constance) é baseada no puro ódio causado pela tragédia ocorrida seis anos atrás, quando quase toda a família das jovens foi assassinada durante o jantar, envenenadas com arsênico. Constance, a responsável pelas refeições da família, foi presa acusada pelos homicídios, mas acabou inocentada por falta de provas. Todavia, aqueles moradores não necessitavam de uma sentença judicial para considerá-la culpada. Assim, ao longo de todos aqueles anos, Constance é obrigada a isolar-se dentro de sua propriedade, por medo do que seriam capazes de fazer se a vissem. Mary era quem assumia o risco de ser agredida física e verbalmente ao sair para comprar os mantimentos. 

Mesmo com o medo e o isolamento, as duas irmãs vivem de forma relativamente feliz. Constance segue amando cozinhar e Mary sente imenso prazer em habitar seu mundo imaginário, onde pode ser e fazer o que quiser. Cuidar do tio Julian não era nenhum sacrifício para elas e tudo estava correndo muito bem. De vez em quando recebiam a visita de antigos amigos de seus falecidos pais e isso desestabilizava um pouco a rotina que estabeleceram, mas não era nada que lhes causasse preocupação. Assim que iam embora e elas voltavam a deixar a casa do jeito de sempre, o equilíbrio retornava e tudo seguia bem. Até...

... a visita de Charles, primo delas. A família dele tinha rompido as relações quando a tragédia aconteceu, mas agora ele aparecia do nada, entrando na casa e na vida delas como se sempre tivesse pertencido àquele lugar... e como se elas fossem dele. Mary sente que a chegada dele irá destruir tudo. E precisa dar um jeito de impedi-lo. Mas como?!

Como eu disse, o livro é doido. Repito isso porque é a verdade. E não consigo nem pensar direito desde que terminei a leitura. Me sinto desnorteada, confusa, tentando juntar todas as informações dadas pela autora e o que foi dito nas entrelinhas e que considero importante para eu criar uma certa teoria sobre a história. Na minha opinião, a história é mais do que foi contado. A autora deixou algumas coisas "no ar", entende? E isso me faz pensar e pensar.... Quer dizer, tentar pensar.rs

Não consegui gostar de personagem algum deste livro. Todos são perturbados e um tanto assustadores e não estabeleci laço com nenhum, nem mesmo com o tio Julian, que foi quem chegou mais perto de me conquistar. Todavia, ainda que eu não gostasse da Constance ou da Mary, os personagens que eu de fato odiei (e muito!) foram Charles e os moradores do vilarejo. Que gente ruim do inferno!!! Aquelas pessoas me causaram enorme desprezo e consegui entender o ódio da Mary por elas. 

É uma história muito bem escrita, com um ótimo desenvolvimento e capaz de provocar diversos debates entre os leitores. Mas também é um tipo de livro que não gosto muito de ler, pois me perturba. Eu tive pesadelos, fiquei com uma sensação um tanto claustrofóbica provocada pela história e não gosto de me sentir assim. É por isso que resenhas de histórias de terror são raras por aqui!kkkkkkk Quero sim dar cada vez mais chances ao gênero, para me desafiar e perder o medo. Mesmo assim, não gosto muito do gênero e creio que nunca vou gostar.rs


3 de maio de 2021

A Letra Escarlate - Nathaniel Hawthorne



Literatura norte-americana
Título Original: The scarlet letter
Tradutor: Christian Schwartz
Editora: Penguin Companhia
Páginas: 336

12ª leitura de 2021 (12ª resenha do ano)

Sinopse: Na rígida comunidade puritana de Boston do século XVII, a jovem Hester Prynne tem uma relação adúltera que termina com o nascimento de uma criança ilegítima. Desonrada e renegada publicamente, ela é obrigada a levar sempre a letra “A” de adúltera bordada em seu peito. Hester, primeira autêntica heroína da literatura norte-americana, se vale de sua força interior e de sua convicção de espírito para criar a filha sozinha, lidar com a volta do marido e proteger o segredo acerca da identidade de seu amante. Aclamado desde seu lançamento como um clássico, A letra escarlate é um retrato dramático e comovente da submissão e da resistência às normas sociais, da paixão e da fragilidade humanas, e uma das obras-primas da literatura mundial.




Paciência é algo que não venho tendo neste ano de 2021, em que tantas coisas ruins já aconteceram só nesta primeira metade do ano. Acredito que este tenha sido o principal motivo para o livro receber três estrelas e ter escapado por pouco das 2 estrelas. Não tive paciência com a maior parte dos personagens de A Letra Escarlate. E nem com o autor! Mas... Pensando bem... Mesmo se estivéssemos vivendo um período maravilhoso ainda assim teria sentido vontade de esganar a maioria dos personagens desta história.  

Eu cheguei a considerar não escrever esta resenha, de tão revoltada que esta história me deixou! Mas quando um livro consegue gerar um "incômodo" tão grande no leitor vale a pena falar sobre ele. 

"[...] convinha a uma gente para a qual religião e lei eram quase a mesma coisa, e em quem ambas se entrelaçavam profundamente, que o mais leve e o mais severo castigo público fossem tornados igualmente respeitáveis e terríveis. Escassa e fria era a condescendência que um condenado naquele limiar poderia esperar da plateia."

O século é o XVII, que por si só já diria muita coisa. Todavia, para completar a sorte da nossa protagonista, a jovem Hester, ela faz parte de uma comunidade puritana de Boston, que não admite erros, nada que fuja de suas regras. As consequências são sempre muito graves, em alguns casos até mesmo a pena de morte. E era o que algumas pessoas inclusive chegaram a desejar para Hester: que ela tivesse sido condenada à morte por seu "crime". E qual foi o grande crime desta mulher? Se envolver intimamente com um homem sem ser casada com ele. Considerada "adúltera", embora todos acreditassem que o marido dela tinha morrido no mar (considerando que tinha sumido desde a última viagem e isso já fazia muito tempo), foi severamente condenada por sua comunidade e presa para aguardar o julgamento legal, mesmo grávida. 

Após um tempo na prisão, e com sua bebê já nos braços, recebeu como sentença um período na cadeia e a eterna exposição pública ao ter que carregar presa ao peito a letra "A" escarlate, como marca do seu adultério. Qualquer pessoa que visse aquela letra saberia o seu significado e jogaria sobre ela toda a força do seu desprezo. Embora ainda fosse membro daquela sociedade, foi excluída de tudo, não tendo mais amigos, não podendo mais frequentar os lugares sem que recebesse olhares de ódio. Era muito para qualquer pessoa aguentar, mas Hester não estava disposta a simplesmente desistir. Por mais que o desespero ameaçasse levá-la à loucura, buscava em seu interior toda a força necessária para suportar toda aquela injustiça. 

27 de abril de 2021

Quincas Borba - Machado de Assis




Literatura Brasileira
Editora: Nova Fronteira 
Edição de: 2016
Box Todos os Romances e Contos Consagrados de Machado de Assis
Volume 2: Memórias Póstumas de Brás Cubas / Quincas Borba / Dom Casmurro

10ª leitura de 2021 (11ª resenha do ano)

Sinopse: Os três romances deste volume são considerados as obras-primas de Machado de Assis e representariam a introdução do realismo no Brasil. Desde a dedicatória, que não é escrita pelo autor, mas por um narrador defunto, as Memórias póstumas de Brás Cubas já mostram claros traços de inovação: "Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas Memórias póstumas."




Apesar deste segundo volume conter três romances do autor, neste post trarei apenas a resenha de Quincas Borba, pois já fiz as resenhas de Memórias Póstumas de Brás Cubas e Dom Casmurro, livros lidos anteriormente. 

Como li Memórias póstumas de Brás Cubas cerca de três anos atrás, não vou me lembrar com detalhes da participação do Quincas Borba no referido livro. Lembro apenas que ele aparece na história e que sua jornada se encerra ali, o que me fez na época acreditar que o livro Quincas Borba se passaria antes da história do Brás Cubas, mas na verdade ambas as histórias acontecem mais ou menos no mesmo tempo e não há a necessidade de ler as duas para compreendê-las. Se o leitor quiser ler apenas este livro aqui não terá nenhuma dificuldade para entendê-lo por não ter lido o outro, vez que não se trata de uma continuação, são histórias independentes. 

Eu ainda não sei bem o que sinto por esta história. Dei 4 estrelas por reconhecer o quanto ela foi bem trabalhada pelo autor, que sempre consegue nos envolver em suas tramas e tornar qualquer história irresistível. Quanto mais eu lia mais queria ler, ainda que não estivesse suportando os personagens nem acompanhar o comportamento deles. Mas estou sendo repetitiva, pois vocês já sabem que não costumo simpatizar com os personagens do autor, ainda que ame suas histórias e seja um dos meus autores preferidos da vida. Ele tem a habilidade de criar personagens muito reais, que em sua maioria possuem defeitos que não conseguimos tolerar. É muito fácil odiá-los. Até agora o único livro do autor no qual gostei de mais de um personagem, que eu me lembre, foi Helena, que se tornou a minha história favorita dele. 

Em Quincas Borba, temos como protagonista não o personagem que dá título ao livro, mas sim o Rubião, grande amigo do Quincas, e aquele que vai desempenhar o papel de enfermeiro particular nos últimos tempos de vida do filósofo. 

Rubião era um professor e vinha de um lar humilde, não conhecendo outra realidade de vida. Ao se tornar amigo do Quincas Borba, um filósofo meio louco, mas muito rico, ele tinha a intenção de ter acesso à fortuna dele através de um casamento do amigo com sua irmã. Acontece que a moça falece antes que ele consiga realizar seu desejo e tudo o que lhe restava para tentar subir um pouco de vida, era seguir sendo um fiel cuidador do filósofo, na esperança de que quando o Quincas falecesse (ele estava muito doente) deixasse alguma coisa para ele, como gratidão por seus cuidados. 

E o amigo realmente falece em pouco tempo, deixando não apenas uma parte de sua fortuna como gratidão, mas sim a fortuna inteira. Rubião era o único herdeiro do Quincas e da noite para o dia se torna um homem muito rico. Dividido entre a felicidade e o choque, ele rapidamente faz todo o necessário para colocar as mãos em sua herança, tendo como única condição deixada pelo falecido, que ele cuidasse do cachorro que pertenceu ao amigo, e que levava o mesmo nome do filósofo. 

Um tanto desnorteado pela imensa boa sorte, Rubião sai de Minas Gerais para o Rio de Janeiro, pretendendo fixar residência na corte, entre os ricos e privilegiados. Logo conhece Cristiano Palha e sua esposa Sofia, que se tornam seus grandes amigos e guias naquele mundo até então desconhecido. Deslumbrado por aquela nova vida, se torna presa fácil de interesseiros, que se aproximam para obterem uma parte do que ele possuía. Ingênuo demais para reconhecer quem de fato era seu amigo ou não, é muito gentil e mão aberta com todos, gastando bastante e permitindo que fizessem o que bem entendessem em sua casa, acreditando no carinho que diziam sentir por ele. 

E no meio de uma situação que qualquer leitor perceberia que não acabaria bem, Rubião ainda se apaixona por Sofia, a esposa de seu amigo e sócio nos negócios. Uma paixão avassaladora, que se torna tudo para ele, que o cega e confunde, e desequilibra por inteiro as suas emoções. Ainda que desejasse ser leal ao Palha, não conseguia evitar aquele sentimento que parecia dominá-lo. E o pior de tudo era não ser correspondido, vez que Sofia tinha planos para sua vida que não incluíam se relacionar amorosamente com um novo rico, que em nada a ajudaria a ascender socialmente. 

Qual a possibilidade de toda essa história terminar bem? Nenhuma.rs Mas o Machado de Assis é muito bom em nos surpreender....

Eu esperava um determinado final para este livro. Já dava como certo que sabia como tudo terminaria e foi um grande choque me deparar com um fim tão... inesperado. Não posso falar muito para não dar spoiler, mas digo que se você ainda não leu o livro e resolver dar uma chance sem antes procurar saber todos os spoilers, vai se surpreender bastante. E isso é bom. Eu, particularmente, gosto de ser surpreendida em minhas leituras. Exceto quando é um acontecimento final que não faria sentido, mas no caso deste livro foi um encerramento bastante lógico, embora eu não tenha chegado a cogitar que terminaria assim. 

Em nenhum momento gostei do Rubião, por mais que sentisse pena por ele estar tão cercado de gente falsa e interesseira. Ele confiava em pessoas que só queriam o seu dinheiro e não conseguia enxergar isso. No entanto, é um personagem que não me provocou empatia, por conta de seu caráter duvidoso. Ainda assim, reconheço que ele fez algumas coisas muito boas e não era um personagem de todo ruim. Os personagens que eu sim detestei profundamente foram o Palha e sua esposa Sofia. Eram duas pessoas que fariam qualquer coisa para conquistar um elevado status social, para terem poder. Palha é canalha, mas Sofia, a personagem que mais desprezei, é a frieza em forma de gente. 

O livro não se resume apenas à história do Rubião, mas possui outras histórias paralelas. É um livro cheio de camadas, que através da filosofia criada pelo Quincas Borba e passada para o Rubião, o tal do Humanitismo, faz uma baita crítica social, sempre cheia daquela ironia elegante do autor. A filosofia em si é bem confusa; defende que não há morte, que tudo acontece de acordo com equilíbrio no universo, que nunca devemos lamentar por quem perde e nem nos sentirmos culpados ao ganharmos, pois aquilo tinha que ser daquele jeito, e se alguém morre é para outra pessoa viver, mas que a pessoa que morreu não morreu de fato. É muito confuso.rs Mas uma coisa que pegamos dessa filosofia é o quanto ela é egoísta e nos faz lembrar daqueles que tudo fazem para serem vencedores, até mesmo pisar ou destruir os "perdedores". 

É como se essa filosofia humanitista defendesse que será vencedor o mais forte, o mais esperto, o que não se importa com os outros. E que o perdedor será o mais fraco, devorado pelos espertos. Que "o mundo é dos fortes". Que os fortes não precisam se sentir culpados por tudo o que conquistaram (muitas vezes sem merecer de fato), e que se existem pessoas desprivilegiadas é por serem fracas. Essa filosofia, criada pelo Quincas, é usada pelo autor para fazer uma importante e ferina crítica social ao pensamento vigente em sua época e que, na verdade, ainda é defendido hoje em dia por várias pessoas. 

"[...] o homem só comemora e ama o que lhe é aprazível ou vantajoso, e pelo motivo racional de que nenhuma pessoa canoniza uma ação que virtualmente a destrói. Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas.
- Mas a opinião do exterminado?
- Não há exterminado. Desaparece o fenômeno; a substância é a mesma. Nunca viste ferver água? Hás de lembrar-te que as bolhas fazem-se e desfazem-se de contínuo, e tudo fica na mesma água. Os indivíduos são essas bolhas transitórias."

O mais importante no livro, para mim, é essa filosofia, pois é através dela que tudo se desenrola, embora ela praticamente não volte a ser mencionada na história após a morte do Quincas. Mas em tudo o que se passou, tanto com o Rubião quanto com os personagens secundários, como Dona Tonica e o pai dela, bem como com a Maria Benedita e até com a própria e desprezível Sofia, é clara essa filosofia humanitista em ação. Tudo acontece de acordo com ela e é fácil para o leitor perceber isso. Achei incrível a forma como o autor desenvolveu sua crítica e os acontecimentos do livro. Foi brilhante!

Eu não sei se amo ou detesto este livro.kkkkkkk Mas recomendo muito! Vale a pena a leitura, vale a pena mergulhar no mundo destes personagens tão complexos e acompanhar como cada um terminará na história. 

Apesar de amar muito o autor, li este livro recentemente apenas por conta da leitura coletiva promovida pela Isa, do canal Ler Antes de Morrer, senão eu teria lido outros livros do autor antes deste. Eu amo leituras coletivas, pois me incentivam a ler livros que eu talvez demorasse muito para ler se não fosse em conjunto. 


Até breve, queridos! :)



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