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14 de dezembro de 2022

Lírios de Sangue - Carmem O.




Literatura Brasileira
Editora: Novo Século
Edição de: 2016
Páginas: 144

Sinopse: Até onde vai sua dor? Sua percepção da realidade? Seu lirismo?
Despretensiosamente, Lírios de sangue é o relato simples e talvez poético daqueles que estão no momento mais crítico de suas vidas: o confronto com a doença, com as fraquezas do corpo, com nossa mente desnuda de defesas. Nossa fragilidade exposta, escancarada. 

São relatos de quem vive diariamente essa condição humana. 

Há uma entrega, uam aceitação dos dois lados. O paciente e o médico. Aprendizado mútuo de ambos. No final, cúmplices, querem o mesmo objetivo: VIVER. 

E cada um, inevitavelmente, levará um pouco do outro por onde for. 





Um dia, hace años, eu contei aqui como um determinado livro me "atraiu", me "escolheu" num momento da vida em que tanto necessivava das palavras que transbordavam de suas páginas. 

Tardes de Maio é o nome dele.... Do livro que falava de dor, perdas, recomeços... Da poesia que está em tudo, até na morte. Da passagem, do adeus, mas também da vida. Naquele momento, minha Luana ainda estava viva. Não havia doença. Não havia desespero. Não sentia o gosto amargo do imenso pânico de perdê-la. Nem as facadas do luto. 

Agora... Aconteceu de novo. A Carmem O. passou novamente por minha vida, com seus textos tão impactantes. Lírios de sangue... Faz sentido, né? Que às vésperas do mês de dezembro, às vésperas do primeiro ano de morte da minha princesa, este livro tenha esbarrado em mim. Não foi coincidência. Foi o destino falando. Outra vez. 

"Há analgésico para essa dor
Há paz para o seu conflito
Pena que você sorri tão pouco"

Era noite de 29 de novembro de 2022... Só Aquele que me roubou minha pequena sabe como eu estava me sentindo, atormentada pelo fato que o mês de dezembro estava chegando... As lembranças não paravam de me golpear com força, com crueldade. Imagens que só quem já presenciou a morte de uma pessoa ou animalzinho querido consegue entender... Eu estava desnorteada. Estava no ônibus, voltando do trabalho e sentindo que não conseguiria sequer chegar em casa antes de desabar em prantos. 

Foi quando desci do ônibus e em vez de pegar o próximo na rodoviária, caminhei para o shopping... querendo apenas andar e andar. Parei numa feira de livros localizada no térreo. E meus olhos imediatamente foram atraídos pela cor vermelha. Ele estava ali, me esperando: Lírios de sangue

"A vida sempre será um sopro
Um sopro difícil de entender."

Lembro que peguei o livro e o apertei contra o peito antes de ir até o caixa para pagar. Sentia uma necessidade urgente de abri-lo e iniciar a leitura. De encontrar nele o conforto que eu estava buscando. Queria ser confortada, sentir-me "abraçada" pelas palavras... sentir que alguém compreendia o que eu estava sentindo. O vazio. O medo. A dor...

Concluí a leitura em 30.11.22. Acho que chorei com quase todas as crônicas e poesias presentes no livro. Me emocionei demais com as diversas histórias de pessoas lutando pela vida ou simplesmente entendendo que o momento chegara, que era hora de partir... Nossa! Este livro me "quebrou" em pedacinhos, mas também me fez um bem tão grande que eu não saberia como expressar em palavras. 

"Teve que se fechar em si mesma por puro mecanismo de defesa. E assim construiu seu Muro de Berlim, de onde via, espectadora, sua guerra fria entre a vida e a morte."

Como eu disse ao fazer a resenha de Tardes de Maio em setembro de 2019: A autora desta coletânea de crônicas e poemas é uma cardiologista que trabalha com pacientes críticos, alguém que já esteve em contato muitas vezes com a dor e a morte. Através de sua própria experiência de vida e relembrando pacientes que teve a oportunidade de conhecer, nos traz esses textos tão simples, mas tão profundos ao mesmo tempo. Muitas das crônicas tratam de pacientes, de momentos vividos no hospital, vidas que se foram, outras que possivelmente se recuperaram... Cada texto tem algo que nos cativa, que nos provoca uma confusão de emoções. Você não sabe sequer explicar o que sente... é algo que toma conta do seu coração e te faz pensar e pensar em muitas coisas.

O que eu disse naquela época se aplica tambem ao livro Lírios de sangue, pois são crônicas e poemas baseados na experiência da autora como médica que lida diariamente com pacientes em estado grave, e tem a oportunidade de testemunhar diversas histórias, e de aprender muito com aqueles que estão quase de partida. 

"Saudades. Tenho de tudo. Do que foi, do que poderia ter sido e do que ainda será. Tenho saudades hoje dos que vejo todos os dias e daqueles que nunca mais verei."

Não sei dizer qual crônica me emocionou mais... Eram tantas realidades diferentes. Dores dos que vão, dos que ficam e precisam lidar com a saudade... Lutas diárias contra a depressão, contra o lúpus, contra o diabetes, o câncer... Perdas e vitórias. Sorrisos e lágrimas. Eu chorava até mesmo quando a autora terminava uma crônica com um "final feliz", quando determinado paciente conseguia sobreviver. Me dava uma emoção tão grande, pois era uma segunda chance. Era precioso saber que alguém tinha recebido uma segunda chance. 

Carmem O. tem o dom de nos tocar profundamente com suas palavras, de nos golpear com realidades duras e terríveis, ao mesmo tempo em que nos faz valorizar o sol, a chuva, o vento que bagunça nossos cabelos. Valorizar o fato de respirarmos. De ainda estarmos aqui, por mais difícil que seja a vida. 

Nunca vai ser fácil viver. Sempre existirão perdas. É inevitável. Mas o sol sempre nascerá depois da tempestade, não é verdade? Ainda que demore um pouco. Ele vai nascer. Belo, iluminando nossos dias cinzentos. 

"Viver é flertar constantemente com nossa fragilidade
Escancarada em nossa cara, luminosa, como um letreiro de motel. 
Não somos especiais. 
Super-heróis de ninguém
Carne
Ossos 
Dor.
Aproveite. 
Amanhã
Pode não chegar."

Ler este livro quando eu estava cheia de dor foi um presente da Vida, do Destino e, quem sabe, de Deus, por mais que meu relacionamento com Ele não esteja muito bom. Sei que este livro não surgiu em meu caminho à toa. Eu precisava dele. Precisava do seu conforto.

Escolhi o dia de hoje, 14 de dezembro, para publicar esta resenha. O motivo vocês podem imaginar: hoje completa um ano que minha princesa se foi. Que partiu deste mundo e me deixou sozinha. 

Sabe no que quero acreditar hoje? Que ela me vê do Céu. E que está feliz. Que não há nenhuma dor. Que ela brinca e pula com outros gatinhos enquanto Jesus olha sorrindo. Que ela dorme do lado dEle, como sempre dormiu do meu lado na cama. 

Há quem não entenda este amor todo que sinto pela minha princesa. "Era só uma gata, um animal, não era gente." Já ouvi muito isso. E eu não sinto raiva de ninguém que não compreende o que sinto. Não preciso que entendam. Não escolhi amar minha pequena filha. Ela me escolheu e preencheu minha vida com tanto amor, que seria impossível não amá-la com todas as minhas forças. Sempre irei amá-la. Sempre sentirei sua falta. Mas quero estar bem. Porque eu prometi, um ano atrás, enquanto ela partia, que ficaria bem. Que seria feliz para que ela pudesse estar em paz. E que um dia estaríamos juntas de novo. Sei que estaremos. Um dia, quando minha hora também chegar, eu irei para junto dela. E nunca mais haverá uma separação. Nunca mais haverá dor. 

Um ano sem você, minha filha... Apenas sem sua presença física. Porque dentro de mim você sempre estará viva. Nunca esquecerei os lindos momentos que vivemos juntas. Você sempre será o meu anjo. Te amo. Para sempre. 



8 de outubro de 2021

O Vilarejo - Raphael Montes



Contos
Literatura Brasileira
Editora: Suma de Letras
Edição de: 2015
Páginas: 109

 28ª leitura de 2021 (21ª resenha do ano)

Sinopse: Em 1589, o padre e demonologista Peter Binsfeld fez a ligação de cada um dos pecados capitais a um demônio, supostamente responsável por invocar o mal nas pessoas. É a partir daí que Raphael Montes cria sete histórias situadas em um vilarejo isolado, apresentando a lenta degradação dos moradores do lugar, e pouco a pouco o próprio vilarejo vai sendo dizimado, maculado pela neve e pela fome. As histórias podem ser lidas em qualquer ordem, sem prejuízo de sua compreensão, mas se relacionam de maneira complexa, de modo que ao término da leitura as narrativas convergem para uma única e surpreendente conclusão.




Esta foi minha primeira experiência com uma obra do Raphael Montes. Na verdade, como a série da Netflix "Bom dia, Verônica" é baseada no thriller homônimo escrito por ele e pela Ilana Casoy e a própria série tem o roteiro assinado pelos dois, não é bem minha primeira experiência... Eu já sabia que era um escritor que aposta em histórias pesadas, do tipo que você deve ler apenas se tiver o estômago forte. Eu não tenho, mas me iludi acreditando que um livro de cerca de 100 páginas, com apenas sete contos não poderia ser muito assustador.rs Me iludi bonito!

Assim que li o prefácio de O Vilarejo e descobri poucas páginas depois que cada capítulo teria em seu título o nome de um demônio, percebi que estava com problemas.kkkkkk Eu não conseguia nem ler tais nomes e ao mergulhar no primeiro conto me senti tão aterorrizada, chocada e enojada que até agora não sei como consegui prosseguir com a leitura. 

No conto, cujo subtítulo é Banquete para Anatole (o título é o nome do demônio associado à gula, mas não vou escrever na resenha o nome de nenhum deles, então só colocarei os subtítulos de cada conto), temos uma importante ligação com os outros seis contos. O autor faz a escolha de começar pelo final... ou por parte do final. Nós sabemos logo de cara o que vai acontecer com os demais moradores do vilarejo e nos contos seguintes ficamos sabendo o que se passou na vida deles antes daquele macabro fim. 

Foi, para mim, a história mais assustadora de todas. Embora todos os sete contos sejam terríveis, de nos arrepiar de horror e causar náuseas e revolta, Banquete para Anatole ficou em minha mente. Me pego lembrando de todo aquele pesadelo, da crueldade, do terror... do medo e do choque que tomaram conta de mim. 

Os subtítulos dos demais contos são: As irmãs Valia, Velma e Vonda; O negro caolho; A doce Jekaterina; A verdadeira história de Ivan, o ferreiro; O porquinho de porcelana da Sra. Branka; Um homem de muitos nomes. E eu não sei dizer qual deles é o mais assustador. Todos possuem histórias que nos mostram o pior dos seres humanos. Como somos capazes de qualquer coisa... Como há tanta crueldade neste mundo... "Os seres humanos me assombram" (concordo com a Morte, narradora de A menina que roubava livros). Não importa quantas notícias eu leia ou assista todos os dias, quantos livros narrem a podridão da humanidade, nunca deixarei de ficar chocada. Eu não consigo compreender como alguém seja capaz de tanta violência, seja tão ruim... 

O último conto presente no livro liga de maneira impressionante todos os contos, nos revelando algo que até já poderíamos imaginar, mas a maneira como o autor conduz a última história é fascinante e foi o que me fez dar 4 estrelas ao livro, quando eu daria 3. Foi O homem de muitos nomes que fez a leitura inteira ser mais do que simplesmente "boa" e merecer 4 estrelas. Lembrando sempre que minhas resenhas são pessoais e que esta, obviamente, é uma opinião pessoal. 

Ao mesmo tempo que ao fim da leitura eu desejei conhecer outras obras do autor, também sei que meu medo me impedirá de ler outros dos seus livros por muitos anos.kkkkkk


27 de abril de 2021

Quincas Borba - Machado de Assis




Literatura Brasileira
Editora: Nova Fronteira 
Edição de: 2016
Box Todos os Romances e Contos Consagrados de Machado de Assis
Volume 2: Memórias Póstumas de Brás Cubas / Quincas Borba / Dom Casmurro

10ª leitura de 2021 (11ª resenha do ano)

Sinopse: Os três romances deste volume são considerados as obras-primas de Machado de Assis e representariam a introdução do realismo no Brasil. Desde a dedicatória, que não é escrita pelo autor, mas por um narrador defunto, as Memórias póstumas de Brás Cubas já mostram claros traços de inovação: "Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas Memórias póstumas."




Apesar deste segundo volume conter três romances do autor, neste post trarei apenas a resenha de Quincas Borba, pois já fiz as resenhas de Memórias Póstumas de Brás Cubas e Dom Casmurro, livros lidos anteriormente. 

Como li Memórias póstumas de Brás Cubas cerca de três anos atrás, não vou me lembrar com detalhes da participação do Quincas Borba no referido livro. Lembro apenas que ele aparece na história e que sua jornada se encerra ali, o que me fez na época acreditar que o livro Quincas Borba se passaria antes da história do Brás Cubas, mas na verdade ambas as histórias acontecem mais ou menos no mesmo tempo e não há a necessidade de ler as duas para compreendê-las. Se o leitor quiser ler apenas este livro aqui não terá nenhuma dificuldade para entendê-lo por não ter lido o outro, vez que não se trata de uma continuação, são histórias independentes. 

Eu ainda não sei bem o que sinto por esta história. Dei 4 estrelas por reconhecer o quanto ela foi bem trabalhada pelo autor, que sempre consegue nos envolver em suas tramas e tornar qualquer história irresistível. Quanto mais eu lia mais queria ler, ainda que não estivesse suportando os personagens nem acompanhar o comportamento deles. Mas estou sendo repetitiva, pois vocês já sabem que não costumo simpatizar com os personagens do autor, ainda que ame suas histórias e seja um dos meus autores preferidos da vida. Ele tem a habilidade de criar personagens muito reais, que em sua maioria possuem defeitos que não conseguimos tolerar. É muito fácil odiá-los. Até agora o único livro do autor no qual gostei de mais de um personagem, que eu me lembre, foi Helena, que se tornou a minha história favorita dele. 

Em Quincas Borba, temos como protagonista não o personagem que dá título ao livro, mas sim o Rubião, grande amigo do Quincas, e aquele que vai desempenhar o papel de enfermeiro particular nos últimos tempos de vida do filósofo. 

Rubião era um professor e vinha de um lar humilde, não conhecendo outra realidade de vida. Ao se tornar amigo do Quincas Borba, um filósofo meio louco, mas muito rico, ele tinha a intenção de ter acesso à fortuna dele através de um casamento do amigo com sua irmã. Acontece que a moça falece antes que ele consiga realizar seu desejo e tudo o que lhe restava para tentar subir um pouco de vida, era seguir sendo um fiel cuidador do filósofo, na esperança de que quando o Quincas falecesse (ele estava muito doente) deixasse alguma coisa para ele, como gratidão por seus cuidados. 

E o amigo realmente falece em pouco tempo, deixando não apenas uma parte de sua fortuna como gratidão, mas sim a fortuna inteira. Rubião era o único herdeiro do Quincas e da noite para o dia se torna um homem muito rico. Dividido entre a felicidade e o choque, ele rapidamente faz todo o necessário para colocar as mãos em sua herança, tendo como única condição deixada pelo falecido, que ele cuidasse do cachorro que pertenceu ao amigo, e que levava o mesmo nome do filósofo. 

Um tanto desnorteado pela imensa boa sorte, Rubião sai de Minas Gerais para o Rio de Janeiro, pretendendo fixar residência na corte, entre os ricos e privilegiados. Logo conhece Cristiano Palha e sua esposa Sofia, que se tornam seus grandes amigos e guias naquele mundo até então desconhecido. Deslumbrado por aquela nova vida, se torna presa fácil de interesseiros, que se aproximam para obterem uma parte do que ele possuía. Ingênuo demais para reconhecer quem de fato era seu amigo ou não, é muito gentil e mão aberta com todos, gastando bastante e permitindo que fizessem o que bem entendessem em sua casa, acreditando no carinho que diziam sentir por ele. 

E no meio de uma situação que qualquer leitor perceberia que não acabaria bem, Rubião ainda se apaixona por Sofia, a esposa de seu amigo e sócio nos negócios. Uma paixão avassaladora, que se torna tudo para ele, que o cega e confunde, e desequilibra por inteiro as suas emoções. Ainda que desejasse ser leal ao Palha, não conseguia evitar aquele sentimento que parecia dominá-lo. E o pior de tudo era não ser correspondido, vez que Sofia tinha planos para sua vida que não incluíam se relacionar amorosamente com um novo rico, que em nada a ajudaria a ascender socialmente. 

Qual a possibilidade de toda essa história terminar bem? Nenhuma.rs Mas o Machado de Assis é muito bom em nos surpreender....

Eu esperava um determinado final para este livro. Já dava como certo que sabia como tudo terminaria e foi um grande choque me deparar com um fim tão... inesperado. Não posso falar muito para não dar spoiler, mas digo que se você ainda não leu o livro e resolver dar uma chance sem antes procurar saber todos os spoilers, vai se surpreender bastante. E isso é bom. Eu, particularmente, gosto de ser surpreendida em minhas leituras. Exceto quando é um acontecimento final que não faria sentido, mas no caso deste livro foi um encerramento bastante lógico, embora eu não tenha chegado a cogitar que terminaria assim. 

Em nenhum momento gostei do Rubião, por mais que sentisse pena por ele estar tão cercado de gente falsa e interesseira. Ele confiava em pessoas que só queriam o seu dinheiro e não conseguia enxergar isso. No entanto, é um personagem que não me provocou empatia, por conta de seu caráter duvidoso. Ainda assim, reconheço que ele fez algumas coisas muito boas e não era um personagem de todo ruim. Os personagens que eu sim detestei profundamente foram o Palha e sua esposa Sofia. Eram duas pessoas que fariam qualquer coisa para conquistar um elevado status social, para terem poder. Palha é canalha, mas Sofia, a personagem que mais desprezei, é a frieza em forma de gente. 

O livro não se resume apenas à história do Rubião, mas possui outras histórias paralelas. É um livro cheio de camadas, que através da filosofia criada pelo Quincas Borba e passada para o Rubião, o tal do Humanitismo, faz uma baita crítica social, sempre cheia daquela ironia elegante do autor. A filosofia em si é bem confusa; defende que não há morte, que tudo acontece de acordo com equilíbrio no universo, que nunca devemos lamentar por quem perde e nem nos sentirmos culpados ao ganharmos, pois aquilo tinha que ser daquele jeito, e se alguém morre é para outra pessoa viver, mas que a pessoa que morreu não morreu de fato. É muito confuso.rs Mas uma coisa que pegamos dessa filosofia é o quanto ela é egoísta e nos faz lembrar daqueles que tudo fazem para serem vencedores, até mesmo pisar ou destruir os "perdedores". 

É como se essa filosofia humanitista defendesse que será vencedor o mais forte, o mais esperto, o que não se importa com os outros. E que o perdedor será o mais fraco, devorado pelos espertos. Que "o mundo é dos fortes". Que os fortes não precisam se sentir culpados por tudo o que conquistaram (muitas vezes sem merecer de fato), e que se existem pessoas desprivilegiadas é por serem fracas. Essa filosofia, criada pelo Quincas, é usada pelo autor para fazer uma importante e ferina crítica social ao pensamento vigente em sua época e que, na verdade, ainda é defendido hoje em dia por várias pessoas. 

"[...] o homem só comemora e ama o que lhe é aprazível ou vantajoso, e pelo motivo racional de que nenhuma pessoa canoniza uma ação que virtualmente a destrói. Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas.
- Mas a opinião do exterminado?
- Não há exterminado. Desaparece o fenômeno; a substância é a mesma. Nunca viste ferver água? Hás de lembrar-te que as bolhas fazem-se e desfazem-se de contínuo, e tudo fica na mesma água. Os indivíduos são essas bolhas transitórias."

O mais importante no livro, para mim, é essa filosofia, pois é através dela que tudo se desenrola, embora ela praticamente não volte a ser mencionada na história após a morte do Quincas. Mas em tudo o que se passou, tanto com o Rubião quanto com os personagens secundários, como Dona Tonica e o pai dela, bem como com a Maria Benedita e até com a própria e desprezível Sofia, é clara essa filosofia humanitista em ação. Tudo acontece de acordo com ela e é fácil para o leitor perceber isso. Achei incrível a forma como o autor desenvolveu sua crítica e os acontecimentos do livro. Foi brilhante!

Eu não sei se amo ou detesto este livro.kkkkkkk Mas recomendo muito! Vale a pena a leitura, vale a pena mergulhar no mundo destes personagens tão complexos e acompanhar como cada um terminará na história. 

Apesar de amar muito o autor, li este livro recentemente apenas por conta da leitura coletiva promovida pela Isa, do canal Ler Antes de Morrer, senão eu teria lido outros livros do autor antes deste. Eu amo leituras coletivas, pois me incentivam a ler livros que eu talvez demorasse muito para ler se não fosse em conjunto. 


Até breve, queridos! :)



30 de março de 2021

Um carinho na alma - Bráulio Bessa


Literatura Brasileira
Editora: Sextante
Edição de: 2019
Páginas: 157

9ª leitura de 2021 (9ª resenha do ano)

 Sinopse: Depois de conquistar o coração dos brasileiros com sua Poesia que transforma e passar mais de um ano entre os autores mais vendidos do país, Bráulio Bessa volta a nos brindar com poemas que, como de hábito, nos fazem pensar e nos fazem sentir.

Sempre fiel às suas raízes, mas trazendo novidades, em Um carinho na alma o poeta cearense amplia a gama da sua poesia, indo além do cordel tradicional mas sem jamais abandoná-lo. Seus versos falam sobre os temas que pontuam sua obra, como o amor, a esperança e a amizade, mas também a seca, a injustiça e a falsidade, produzindo as rimas inspiradas que nunca deixam de levar um sorriso aos lábios.

Além de poeta, Bráulio é também um grande contador de histórias. Por isso, além dos poemas, o livro traz relatos de sua infância em Alto Santo, da vivência com a família e os amigos, e de suas andanças de norte a sul do Brasil, abraçando e falando com o povo que tanto lhe prestigia.

 


Quando comecei a ler Um carinho na alma, não imaginei que o livro fosse me emocionar tanto. Que fosse me tocar tão profundamente. Foi um retorno ao meu passado. Ler estes poemas foi viajar para lugares tão bons e tão distantes! Foi visitar a saudade que, na verdade, nunca me deixa só. Saudade de um período muito diferente do que vivemos hoje. Saudade de infância, de pessoas que ficaram pelo caminho, mas que marcaram muito a minha vida. Estou escrevendo e chorando, pois foi isso que o poeta provocou: lágrimas. A cada poema. Foram raros os que não me fizeram chorar. Mas não trocaria estes momentos. Porque lê-los me fez bem. Lembrar de momentos que nunca retornarão dói muito, mas ao mesmo tempo faz bem para a alma. 


Difícil dizer qual dos poemas presentes neste livro mais me tocou. Todos me emocionaram! O poeta escreve com o coração, com tanto sentimento que é como se as emoções saltassem das páginas. E são poemas autobiográficos (parte deles são), que falam de seu próprio passado, da infância e juventude, de familiares amados, de momentos que passam por suas lembranças. 


"Quando o tempo feroz acelerar
desviando da nossa juventude,
não há nada a fazer para que mude,
não há freio no mundo para frear.
O ponteiro insiste em não parar,
pro relógio todos nós somos iguais.
Pai e mãe são eternos, mas mortais,
é saudade que se torna oração."
[Trecho do poema Os cabelos prateados dos meus pais]

Talvez ler este livro no momento atual, com a pandemia tão grave e tantos recordes de mortes, tenha feito minhas emoções ficarem ainda mais à flor da pele. Ver as notícias tem me feito entrar em pânico. Em desespero. Hoje ao sentar para assistir o jornal eu não aguentei. É angustiante. Não sabemos o que o amanhã nos reserva, mas em nenhum outro momento da minha vida senti tanto medo do amanhã. Estamos vivendo um período muito incerto e isso faz eu me agarrar ainda mais à minha família, lembrar muito do passado. Teve um poema do autor que me rasgou o coração, pois ele falou de sua avó, de quando ela estava partindo. Que ela quis comer goiaba e isso me levou dezenove anos atrás, quando minha avó, que também estava indo embora por causa de um câncer, desejou a mesma fruta. E não podia comer. Ela foi embora com o desejo de comer goiaba. Este poema atingiu tão fundo em mim. E ainda por cima, no finalzinho dele, o autor fala do alívio de saber que sua avó teve várias pessoas para segurar sua mão na hora do fim. Isso nos destroça porque esse vírus maldito, que está levando milhões de pessoas no mundo, impede a despedida. Impede que você possa segurar a mão do seu ente querido, de estar com ele nesse momento tão doloroso. Talvez este tenha sido o poema que mais me fez em pedaços. 

"A dor foi terrível. A saudade é valente e latente. Mas saber que, no último suspiro de vida da vovó Maria, tanta gente segurou em sua mão, foi um pingo de felicidade naquela chuva de tristeza."
[Trecho do poema Goiaba tem cheio de vida]

Com palavras simples, mas que acertam em cheio o coração, Bráulio Bessa faz magia. Te faz reviver momentos. Como se eles de fato estivessem acontecendo. É uma viagem agridoce. Me entreguei totalmente à leitura, às emoções. No fim queria recomeçar. Ler tudo outra vez. E com certeza preciso ler tudo o que ele já publicou. Me tornei sua fã. Uma fã profundamente apaixonada por sua escrita tão simples e tão emocionante. 

Além dos poemas autobiográficos, o autor também fala de outros assuntos e "conta histórias", inclusive fechando com chave de ouro o livro com um poema intitulado A lição que a morte deu, que fala de um patrão muito cruel e um empregado que morreu para salvar a vida dele. E aí o poeta prossegue falando do que aconteceu após o fim deles na Terra e eu simplesmente amei este poema! Ele fala das injustiças deste mundo e da justiça de Deus. Me lembrou um pouco a parábola do Rico e Lázaro.

"Depois da viagem feita
pro mundo espiritual,
o lugar que deixa claro
quem é do bem ou do mal, 
fica tudo evidente, 
a justiça é transparente
e nunca é manipulada.
É a hora da verdade
em que toda a humanidade 
um dia será testada."
[Trecho do poema A lição que a morte deu]


Se recomendo este livro? Sem pensar duas vezes! Simplesmente leiam!!!



-> DLL 21: Um livro que termine em um dia 




23 de março de 2021

Sentimento do Mundo - Carlos Drummond de Andrade


Literatura Brasileira
Editora: Companhia das Letras
Edição de: 2012
Páginas: 95 (e-book)

7ª leitura de 2021 (7ª resenha do ano)

Sinopse: Publicado em 1940, Sentimento do mundo permanece, tantos anos depois, ainda um dos livros mais celebrados da carreira de Drummond. Não é para menos: o livro enfileira poemas clássicos como "Sentimento do mundo", "Confidência do Itabirano", "Poema da necessidade" - é possível que versos do livro inteiro tenham sido impressos no inconsciente literário brasileiro, tamanha é sua repercussão até hoje. Já estabelecido no Rio e observando o mundo (e a si mesmo) de uma perspectiva urbana, o Drummond de Sentimento do mundo oscila entre diversos polos: cidade x interior, atualidade x memórias, eu x mundo. Perfeita depuração dos livros anteriores, este é um verdadeiro marco - e como se isso não bastasse, é o livro que prepara o terreno para nada menos do que A rosa do povo (1945). Por isso a ênfase, ao longo de todo o livro, na vida presente.



É muito difícil escrever uma resenha sobre poesia; sempre foi. Mas é muito mais difícil eu não apreciar a leitura de um livro do gênero. Infelizmente, foi o que aconteceu com Sentimento do Mundo, primeiro livro que leio do Carlos Drummond de Andrade. 

Embora existam sim alguns trechos que me fizeram refletir, que li mais de uma, duas vezes por ter gostado muito, o livro como um todo não me cativou. E isso me surpreendeu bastante, pois lembro de já ter "esbarrado" em alguns poemas dele ao longo da vida e ter me sensibilizado, ter me emocionado com sua escrita. O que me faz pensar que escolhi o livro errado, já que Drummond possui "fases" e minha personalidade provavelmente teria amado ler um dos seus escritos de uma fase mais melancólica e introspectiva. 

Pelas resenhas de poesias que já fiz e o fato de minha poetisa preferida ser a Florbela Espanca, vocês podem ter uma noção de que amo poemas que "me rasgam o coração", que me fazem chorar, que tocam em feridas e me provocam identificação. O poema tem que tocar minha alma. Se isso não acontece, acaba sendo uma leitura perdida para mim. Tempo perdido. 

"Um verme principiou a roer as sobrecasacas indiferentes 
e roeu as páginas, as dedicatórias e
mesmo a poeira dos retratos. 
Só não roeu o imortal soluço de vida que rebentava
que rebentava daquelas páginas." 
[Trecho do poema Os Mortos de sobrecasaca]

Em Sentimento do Mundo, originalmente publicado em 1940, temos uma coletânea de 28 poemas do autor; poemas estes que passeiam por diversos assuntos, incluindo as guerras e as mortes causadas por elas; inquietações sobre o tempo e as transformações que estavam em andamento. O poeta aborda assuntos sim muito importantes e reflexivos, mas, como eu disse, seus poemas não conseguiram tocar minha alma, me atingir por completo. Existiam trechos que me tocavam, mas nunca um poema por inteiro, entende? Não existe um só entre os 28 que eu tenha amado do começo ao fim. 

"Também a vida é sem importância. 
Os homens não me repetem
nem me prolongo até eles,
A vida é tênue, tênue. 
O grito mais alto ainda é suspiro, 
os oceanos calaram-se há muito."
[Trecho do poema Canção de berço]


Tenho outros livros do poeta em meu Kindle e pretendo dar uma chance a outro de seus escritos ainda este ano. Não desisti do autor. Tenho certeza que vou encontrar o livro dele que me conquistará e se tornará um favorito. 



-> DLL 21: Um livro de literatura nacional 

 

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